> “É no brincar, e talvez apenas no brincar, que a criança ou o adulto fluem
> em sua liberdade de criação; é no brincar, e somente no brincar, que o indivíduo, criança ou adulto, pode ser criativo e utilizar sua personalidade integral:
> e é somente sendo criativo que o indivíduo descobre o seu ‘eu’.”
> __D. W. Winnicott, psicanalista e pediatra inglês__
Quando você tinha 7 ou 8 anos, quais eram suas brincadeiras favoritas? Pare por um segundo e pense. Que sensações essa lembrança traz a você?
Brincar é a maneira pela qual aprendemos a nos descobrir e a descobrir o mundo. E fazemos isso rindo, pulando, correndo, caindo e levantando, com muito engajamento, criatividade e diversão. Investimos cada parte do nosso corpo e nossa mente nessa missão, para começar tudo de novo no dia seguinte.
Até que um dia, invariavelmente, alguém nos diz: “acabou a brincadeira, agora é sério”. E aí nossas relações com a vida e com o trabalho mudam, abrindo espaço para uma série de problemas, como os transtornos de ansiedade. Segundo afirma o Dr. Stuart Brown, fundador do Play Institute de Nova York, “O oposto de ‘play’ é depressão”. Play pode ser traduzido como brincar, jogar, tocar um instrumento e muito mais. E uma coisa não exclui a outra. Brincar, em qualquer fase da vida, é muito sério e muito saudável.
A primatologista de Oxford Izabel Behncke
Izquierdo, que estudou e pesquisou os macacos bonobos – nossos primos mais próximos na escala da evolução – afirma que “Play é a chave para nos adaptarmos a um mundo em constante transformação”. Os bonobos vivem em uma região de difícil acesso na África e, em sua comunidade, as lideranças são predominantemente femininas. O brincar é parte integrante de sua cultura, inclusive em sua vida sexual. Essas características são a razão de estarem vivos até hoje. #ficaadica
## Os benefícios do play
Apoiado em 28 anos de experiência como besteirologista fundador dos Doutores da Alegria, observei o que dois dias por semana com a cuidadosa atuação de uma dupla de artistas profissionais – especialmente treinada para levar alegria e a arte do palhaço – provocou na instituição hospitalar: uma mobilização espontânea dos profissionais da saúde que gerou o movimento de humanização e que, por sua vez, inspirou estudantes de medicina e demais áreas da saúde em todo o Brasil a aprender técnicas lúdicas e artísticas para integrá-las ao tratamento de seus pacientes.
Todos esses acontecimentos ocorreram em consequência da constatação de que, em um hospital, um outro jeito de fazer é possível. Os seres humanos que ocupam cargos e desempenham funções voltadas para o cuidar da saúde vivenciaram os benefícios, tanto quanto as crianças. A partir dessa evidência concreta, mobilizaram-se para que esse espaço fosse legitimado.
Enquanto isso, as mudanças rápidas causadas pelo impacto tecnológico nas vidas pessoais e profissionais de todos afetaram profundamente outro espaço, onde muitas doenças passaram a ser cultivadas nas relações com a vida: o local de trabalho e toda a intensidade que ele traz, onde as pessoas convivem, disputam, discordam, despedem etc. Não são poucos os profissionais que fazem uso de algum tipo de remédio controlado para acordar e começar o dia, e depois precisam de outro para conseguir dormir, após uma jornada estressante. Por tudo isso, afirmo: o “play” é o elo perdido, um poderoso antídoto para o momento de mundo que estamos vivendo hoje.
E esse universo lúdico é generoso o suficiente para acolher todas as formas de brincar, dos jogos de mesa às atividades físicas e divertidas, para todas as pessoas.
## Risada de rato
E, se você acha que isso é coisa de lunático, a Nesta – Fundo Nacional para Ciências, Tecnologias e as Artes da Inglaterra – realiza o Play Fest, dentro de seu maior evento, o Future Fest, fomentando mais pesquisas e conhecimentos na área.
Em um artigo para a revista online The Long + Short, Pat Kane, curador do Play Fest, compartilhou as descobertas realizadas pelo neurocientista Jaak Panksepp, falecido em 2017, que se tornou conhecido na comunidade científica por fazer cócegas em ratos de laboratório para estimulá-los a brincar.
As cócegas deixavam a brincadeira bem agitada, com direito a correria, empurrão, e depois, com o uso de sensíveis aparelhos de ultrassom, ele conseguiu identificar o som equivalente às risadas dos bichinhos. A “risada dos ratos” gerava processos neurofisiológicos mensuráveis.
Ao analisar o impacto da brincadeira no cérebro desses animais – cuja estrutura cerebral é semelhante à do ser humano – ele constatou que, após a sessão de brincadeiras, os neurônios dos ratos tornavam-se flexíveis e dinâmicos, e os ratos, por sua vez, muito mais predispostos a aprender e criar novas formas de brincar.
Brincar predispõe o cérebro ao aprendizado. Qual a importância disso diante da realidade do lifelong learning, o aprendizado para e durante toda a vida? Pode estar aí um campo a ser descoberto e pesquisado para ajudar a redesenhar o que entendemos como trabalho. Como seria essa reinvenção a partir do lúdico?
## O play é o verbo do futuro
É no resgate do brincar que temos a chance de nos reconectar com o melhor da criança que fomos e integrar valiosos saberes sobre cooperação, criatividade, resolução de problemas e alegria à nossa vida adulta – elementos indispensáveis para as empresas que desejam ser mais inovadoras e, ao mesmo tempo, preservar a saúde física e mental de seus colaboradores. Não é isso que todas dizem querer nos dias de hoje? O play está aí, disponível 24 x 7, para quem quiser adotar como estratégia.
E há exemplos na história. Você sabia que, após a Segunda Guerra Mundial, muitos países na Europa começaram a reconstrução dos espaços bombardeados a partir dos playgrounds? A ideia era garantir às crianças que passaram pelos traumas da guerra a possibilidade de acreditar em melhores futuros. E qualquer semelhança com esse contexto de pandemia não é mera coincidência. Ainda que seja uma reconstrução metafórica dos ambientes de trabalho, precisamos encontrar estratégias para que os adultos continuem acreditando nesse futuro melhor. O play pode ser a resposta.
O brincar não tem limites para a imaginação, a criatividade, a descoberta e a alegria. Então, por que não fazer uso de toda essa força, neste momento, para reconstruir, recriar e desfrutar as nossas relações com a vida e com o trabalho?
É como afirma o dramaturgo George Bernard Shaw: “Não paramos de brincar porque envelhecemos. Envelhecemos porque paramos de brincar”.