Artigo

A máquina da imaginação e os mercados

Precisa de inspiração extra? Só tem boas ideias quem abre espaço para a própria imaginação fluir. Porém apenas abrir essa torneira e esperar uma torrente de ideias é pouco produtivo. Imaginação funciona melhor quando é canalizada e direcionada, e a boa notícia é que isso é simples de se aplicar no dia a dia
Martin Reeves é sócio sênior da Boston Consulting Group e presidente do BCG Henderson Institute. Jack Fuller é ex-consultor da BCG e cofundador da Casati Health. São coautores de *The Imagination Machine: How to spark new ideas and create your company’s future*.

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Todo esforço imaginativo começa com uma fagulha mental. Para o executivo de finanças Omar Selim, isso veio de seus filhos adolescentes. Selim, então head de mercados globais para clientes institucionais do Banco Barclays, estava se preparando para viajar para Johannesburgo, África do Sul, quando conversava com os filhos no jantar. “Ok, então você viaja amanhã, fica em um hotel cinco estrelas e faz um discurso que ninguém vai prestar atenção”, disseram eles. “É para isso que você dedica a sua vida?”

Essa troca espontânea com os filhos de fato acionou a imaginação de Selim, provocando um questionamento, que coincidiu com uma situação no trabalho que lhe deu um bom tempo para pensar. O Barclays tinha vendido seu braço de asset management para o BlackRock com uma cláusula de não concorrência, o que significava que Selim e sua equipe não poderiam fazer qualquer gestão de ativos. Selim leu e refletiu profundamente sobre sustentabilidade e sobre como finanças poderiam ser transformadas por dados não financeiros e aprendizado de máquina. Influenciado pela conversa com os filhos, ele repensou a instituição para a qual gostaria de trabalhar, estruturando um modelo para um novo negócio de asset management. Esse é o começo da Arabesque, primeira empresa de gestão de ativos a usar inteligência artificial e métricas ambientais, sociais e de governança.

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Pequenas novidades, como receber um e-mail inesperado, acontecem todo o tempo. Mas as surpresas relevantes para ativar a imaginação são aquelas que nos transportam para longe do pensamento rotineiro e nos levam a revisões profundas e inventivas. Em particular, há três tipos de surpresas que pode inspirar nossa imaginação: Acidentes – eventos ou consequências que são incidentais ou irrelevantes para o que estamos tentando atingir; anomalias – partes de uma situação, relato ou conjunto de dados incomuns; e analogias – paralelos que percebemos entre conceitos ou experiências e que sugerem novas possibilidades. Porém, para um desses tipos causar impacto, nossas mentes precisam estar preparadas. Um monte de coisas passa por nós todos os dias, mas, para que incendeiem nossa imaginação, precisamos notá-las (aspecto cognitivo) e nos importar (aspecto emocional). Se Selim não se importasse em repensar uma instituição financeira, não teria fundado a Arabesque. Se não tivesse percebido o impacto do aprendizado de máquina em outros negócios, não disporia de um estoque de modelos mentais em que se basear para rever como uma empresa de gestão de ativos poderia funcionar. Quanto mais notamos e damos importância, mais criamos contexto para encontrar a surpresa que provocará nossa imaginação.

O Brasil profundo imagina por Edgar Andrade
Necessidades estão alimentando a criatividade onde pouco se espera

No processo de transformação digital radical que estamos vivendo, em que quase tudo o que fazemos será feito de um jeito diferente, existe uma habilidade que precede a imaginação e nossa capacidade de conceber cenários e possíveis caminhos para os futuros possíveis: a criatividade, que transforma imaginação em ação, aplicável no mundo real. Essa habilidade deve ser estimulada e impulsionada, pois com o fim dos problemas simples, de conveniência, nos restam os problemas complexos, aqueles que podem influenciar diretamente o planeta e a vida das pessoas que mais precisam.

Estive em Rio Brilhante (MS) recentemente e conheci Gabriel Montoura, 23 anos. Filho de assentados do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e ex-estudante da Escola Família Agrícola Rosalvo da Rocha Rodrigues, ele estava incomodado com as dores que o pai sentia, diariamente, nas costas ao pulverizar sua pequena lavoura de 1 hectare. Então, criou uma máquina que resolve o trabalho do pai em menos de 5 minutos. Ele desenvolveu um minipulverizador feito com peças de ferro-velho e motor de uma motocicleta de 125 cilindradas.

A centelha mobilizadora e impulsionadora da mudança está em todos os lugares. Está nas favelas, nos rincões do País. Precisamos chegar nesses lugares. É preciso pactuar uma agenda de educação empreendedora que traga essas pessoas para o jogo, com a iniciativa privada assumindo mais responsabilidades e financiando experiências capazes de antecipar futuros inclusivos. É preciso estimular a nossa capacidade coletiva de resolver problemas relevantes do planeta. Aposto que o Brasil será um player global em inovação e sustentabilidade. Mas precisamos colocar a mão na massa para acelerar essas mudanças. Porque ideia que não vira ação, não muda o mundo.

## Irritação ou ambição
Existem duas maneiras essenciais de manifestar interesse: a ambição e a irritação. Irritações ou frustrações nos levam à mudança para sair de algo, enquanto as ambições, ou desejos, nos levam a concretizar algo que queremos ou em que acreditamos. Ambas permitem percepções em três estágios: ver, entender e interpretar.

• __VER.__ Implica obter informação nova. Se não fizermos isso, nunca haverá surpresas. Se não nos expusermos a novos ambientes geográficos ou sociais, caímos na “mesmice informacional”.
• __ENTENDER.__ Trata-se de processar o que vemos até que faça sentido. Podemos ser expostos a novas informações, mas a menos que prestemos atenção para compreender não estamos usando o cérebro. Se não dedicarmos tempo ou esforço para processar o que vemos, estamos esquecendo algo. Sugerimos duas formas de aumentar a habilidade de entender as surpresas.

__1. Refletir sobre acidentes/acasos.__ São as surpresas que surgem do hemisfério esquerdo, fora do modelo mental em que estamos trabalhando. Tim O’Reilly, fundador da O’Reilly Media e líder de pensamento no Vale do Silício, enfatiza: “Pense na imaginação como um processo de abandonar o que conhece, experimentar uma vida nova”. No mundo dos negócios, o exemplo clássico é o Viagra. Desenvolvido pela Pfizer inicialmente como um remédio cardíaco, os pesquisadores observaram um efeito colateral em uma parte do corpo diferente. Eles teriam descartado o medicamento, raciocinaram sobre o incidente e pensaram na possibilidade de contribuir com outra demanda, os problemas de ereção.

__2. Investigar as anomalias.__ Entendemos por anomalia a quebra das expectativas que um modelo conhecido gerou. É preciso esforço para perceber a dissonância. Como notou o filósofo John Armstrong: “Somos lentos para perceber novas dicas. Investimos nos modelos que já temos, de como as coisas funcionam. Essa familiaridade emocional é algo que relutamos em abandonar”.

O censo do IBGE e a imaginação por Adriana Salles Gomes
Se os dados indicam que será preciso atender a outros consumidores no médio e longo prazo, a imaginação é que vai mostrar como fazê-lo

Somos um pouco mais de 203 milhões de brasileiros, nos informou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) este ano. A essa altura, você já sabe que isso é bem menos do que foi projetado (213 milhões na estimativa de 2021 e quase 208 milhões na prévia de 2022) e que representa a menor taxa de crescimento populacional desde o Brasil Império (1872), quando se começou a fazer o Censo: 0,52% ao ano. Isso tem uma série de consequências para os negócios no longo prazo e, talvez, no médio prazo também.

O fato de morarem menos de três pessoas por domicílio em média, bem como do decréscimo da população em grandes cidades – como Salvador, Recife, BH, Rio e Fortaleza –, é tão surpreendente quanto foi, em 2021, a revelação de que a população do Brasil está mais madura. (Lembrando, entre 2012 e 2021, o número de pessoas abaixo de 30 anos de idade no País caiu 5,4%, enquanto houve aumento em todos os grupos acima dessa faixa etária no período. E a parcela de pessoas com 60 anos ou mais já responde por quase 15% do total.)

Esse cenário pede um uso ainda maior da imaginação – é preciso imaginar mercados diferentes daqueles com que estamos acostumados. Sempre deitamos no berço esplêndido do mercado interno imenso e jovem. Três frentes têm sido propostas como gatilhos de imaginação para as empresas:

1. Internacionalização, ou seja, considerar diferentes mercados, e não só Latam.
2. Regionalização, o que significa não apenas deixar de se concentrar tanto em São Paulo, como ir das capitais para outras cidades do País.
3. Diversidade e inclusão, dando cada vez mais atenção a grupos minorizados.

Um exemplo bem-sucedido de investigação vem de um projeto do Boston Consulting Group para uma empresa produtora de equipamentos de diagnóstico para hospitais. O modelo prevalente era de investir no pessoal de vendas e economizar no pessoal técnico. Durante o projeto, um executivo percebeu que mais máquinas vinham sendo vendidas em Nova York. Depois, descobriram que a cidade era a única em que os hospitais tinham técnicos alocados. O motivo era não ter engenheiros recebendo horas extras por tempo perdido em deslocamentos no trânsito. A surpresa foi a conexão entre as anomalias. Ao ficarem mais próximos dos usuários, os técnicos desenvolveram conhecimento das necessidades dos clientes. Assim, a equipe de vendas ficou mais produtiva. Os executivos imaginaram um novo modelo de negócio, centrado nos técnicos. Investiram em linhas de comunicação entre engenheiros e equipe de vendas e alocaram os técnicos em outras regiões. Resultado: crescimento de 8% no market share.

• __INTERPRETAR.__ Depois de ver e entender, vem o terceiro estágio, o mais profundo. É preciso perceber as ramificações de cada pedacinho de informação. Pense na diferença entre você e um biólogo experiente caminhando por uma floresta. Onde você vê apenas uma folha, ele pode ver uma árvore rara com um desenvolvimento incomum, o que indicaria mudança climática. Sua visão de mundo como biólogo permite que faça mais conexões.

Se não conseguirmos construir um mundo interior mais profundo e variado, ficamos na “mesmice conceitual”. Existem duas formas de aumentar sua habilidade de interpretar o que você vê e entende.

Tornando-se imaginador serial por Sandra Regina da Silva
Italo Flammia começou essa jornada na Porto Seguro e agora atua no mercado

Em 2019, Italo Flammia deixou a Oxigênio, a aceleradora de startups da Porto Seguro, que fundou em 2015 quando era o CIO da empresa. A experiência já havia rendido investimentos em cerca de 35 startups, porém, mais do que isso, tinha mostrado o caminho de usar a imaginação e a criatividade como matérias-primas de negócios tanto para a Porto Seguro como para ele mesmo.

Atualmente, Flammia, 59 anos, vive de levar a centelhada imaginação a várias partes: a conselhos consultivos de empresas voltados a transformação digital e estratégias de inovação; a executivos aos quais dá mentoria; a empresas que contratam sua consultoria para construir planos estratégicos de inovação, como alunos de cursos na FIA Business School e no IBGC; a startups em que investe. Entre seus clientes, estão Petrobras, Comgas, Braskem, Makro, entre outros. E essa experiência múltipla só faz alimentar ainda mais sua imaginação. “A diversidade enriquece a inovação e o inovador, como costumo dizer”, explica.

Observar com ele o caminho da Oxigênio também é uma forma de observar o caminho da imaginação. O embrião foi um programa de inovação interna (closed innovation), quando colaboradores, por livre decisão, dedicavam algumas horas, fora do horário de trabalho, para estudar tecnologias. Era lançada uma hipótese, por exemplo, será que tecnologias de tratamento de imagem podem nos ajudar a melhorar a verificação, a apuração do sinistro de automóvel? Eles deveriam desenvolver um projeto com total autonomia. “Atraía muitas pessoas, do tipo que gosta de ser desafiada, de testar o novo, de ser protagonista.”

Isso gerou uma onda, que fez o projeto sair do escopo de tecnologia e ir para a área de negócios, e nasceu a Oxigênio (open innovation). Em seguida, vieram os investimentos em startups (CVC), trazendo para perto outros agentes de inovação, como universidades, centros de pesquisa, clientes, corretores de seguros, empresas parceiras de tecnologia. Por fim, foi criado um programa de intraempreendorismo em que a ideia do colaborador não precisava ter nada a ver com o business da Porto. “Quem entrava nele tirava três meses de licença não remunerada e, ao final, decidia se retornava à Porto ou a abandonava para abrir sua startup.” Houve conflitos com gestor, RH, jurídico, já que o colaborador podia ir embora. Mas… o resultado? Mudou o mindset da Porto.

Pontes imaginativas por Sandra Regina da Silva
Emerge se dedica acabar com o abismo entre cientistas e empresas

Já pensou plantar milho e colher plástico? Quem fez cabeças executivas pipocarem com essa pergunta foi o acadêmico e empreendedor Juan Enríquez, na edição de 2007 da HSM ExpoManagement (hoje, HSM+). No ano em que o iPhone era lançado, o fundador do prestigioso Life Sciences Project da Harvard Business School mostrava o caminho de um empreendedorismo deeptech, ou da inovação de base científica, mas muitos na plateia talvez tenham achado uma imaginação delirante. Agora já temos no Brasil não milho, mas cana-de-açúcar que produz (com seus resíduos) plástico biodegradável. A imaginação vira realidade. E há alguns atores tentando dar escala a esse tipo de imaginação no Brasil, unindo cientistas/acadêmicos e empresas. Um dos quais é a Emerge.

Fundada em 2017, a Emerge tem como principal missão fazer a ponte entre grandes empresas, de um lado, e universidades e centros de pesquisa, de outro, para evitar que as ideias se percam neste berço da imaginação, o que é relativamente comum. “Se uma farma quer desenvolver um novo medicamento, nós prospectamos na academia ou startups baseadas em ciência novos fármacos para atender essa demanda ou quem tem a capacidade para desenvolvê-lo”, exemplifica Daniel Pimentel, sócio e diretor da Emerge, em um trabalho de consultoria remunerado pela contratante.
Foi assim, por exemplo, que a empresa de Daniel Pimentel conduziu a estratégia de hidrogênio verde da NeoEnergia, um projeto de biodiversidade para Aché e um programa de segurança e desperdício de alimentos para a BRF. “Criamos a empresa para ver a ciência sair da bancada e chegar ao mercado”, diz Pimentel. Companhias que já entenderam as possibilidades envolvidas nessa aproximação com a ciência, e têm contratado a Emerge para viabilizá-la, são Natura, Grupo Boticário, Braskem, Ambev, Eurofarma, Novartis e Andrade Gutierrez, entre outras.

A Emerge ainda atua em duas outras linhas de negócio que acabam alimentando o trabalho de consultoria e formando um ciclo virtuoso: (1) fazer parcerias com universidades, com foco em conteúdo, formação e cultura e (2) investir (a partir de veículos de investimento captado com terceiros) ela mesma em deeptechs, como são chamadas as startups de base científica.

Só no primeiro caso, Pimentel conta que ele e o sócio, ambos ligados a universidades, treinaram e capacitaram cerca de 2 mil cientistas para empreender, além de terem mapeado 2,5 mil tecnologias desenvolvidas no mundo acadêmico e já realizaram cerca de 40 projetos. É mais ou menos parecido com o que tem feito Steve Blank, um dos pais do conceito de lean startup, com a comunidade científica dos Estados Unidos.

No segundo caso, de investimento em deeptechs, a Emerge aportou recursos no desenvolvimento do plástico biodegradável a partir de resíduo de cana-de-açúcar para substituir matrizes petroquímicas, citado no início deste texto, mas não apenas; ela apoiou o desenvolvimento de extratos e moléculas de plantas que endereçam necessidades terapêuticas, peptídeos que substituem antibióticos, novas proteínas a partir da castanha e até gordura produzida de modo cultivado etc. Em seu ecossistema estão deeptechs como Peptidus, Fitous, OmicBlend e BVS Green.

É o que mudará o ranking? Por que o Brasil tem uma produção científica relevante, e uma economia relevante, mas não somos, em rankings globais, competitivos e inovadores? Na visão de Pimentel, o que falta para reverter esse quadro é levar a criação imaginativa da academia para além de seus muros, de modo a se transformarem em soluções inovadoras comercializáveis.

__1. Criar analogias pode ser um poderoso estímulo para a imaginação nos negócios.__ Para extrair uma analogia, primeiro faça uma conexão: identifique modelos mentais que tenham a ver com o que você está considerando. Digamos que você está procurando analogias para corretores imobiliários. Eles ajudam as pessoas a encontrar casas. Esse é um exemplo de ideia geral de dar orientação. Para identificar conexões interessantes, pergunte: onde mais encontramos orientações? Aconselhamento, colunas de recomendação, ferramentas de ensino etc.

Em seguida, escolha um conceito de um novo modelo mental. Por exemplo, você pode optar por um conceito de mentoria do ensino, em que professores observam o desenvolvimento dos alunos. Depois, é hora de introduzir esse conceito de fora no modelo mental do objeto original. Fazer perguntas do tipo “e se” pode ajudar a ativar a imaginação. “E se os corretores de imóveis fossem como mentores, ajudando a desenvolver nossos lares?” e por aí vai.

Como reimaginar o público por Ricardo Neves e Thaís Cibim
Trabalhar a diversidade nos consumidores é um exercício criativo

No século 19, o capitalismo ainda dava os primeiros passos. Um trabalhador era visto apenas como um trabalhador. Até que Henry Ford, na virada para o século 20, teve um insight inovador: para conseguir escala para os seus carros, precisaria pagar bons salários e, num movimento de inclusão, transformar trabalhadores em consumidores. O exemplo foi copiado por outras empresas e deu certo.

Hoje, vivemos um momento parecido; a pressão por inclusão agora é para fortalecer públicos excluídos (ou marginalizados) como consumidores. E, como no caso de Ford, essa revolução será liderada pelas empresas e pela tecnologia.

Hoje, boa parte dos sites e aplicativos de organizações de diversos setores exclui uma parcela considerável da população brasileira: segundo o IBGE, estamos falando de 18,6 milhões de pessoas com deficiência. Quem tem alguma deficiência seja visual, auditiva, cognitiva e/ou motora pode estar totalmente excluído do universo online. Isso porque os sites e aplicativos são projetados sem levar em conta a necessidade deles. Falta o que se chama de acessibilidade digital.

Segundo a 4° edição da pesquisa realizada pelo Movimento Web para Todos, menos de 1% dos sites no Brasil podem ser considerados realmente “acessíveis” a todos os cidadãos. Isso significa que milhões de pessoas dependem de terceiros para a utilização e realização de negócios na internet.

É preciso usar a tecnologia, e a imaginação, para incluir esse mercado. Nós da NTT Data, como consultoria estratégica que atua para aumentar a eficiência e produtividade dos clientes por meio do uso de tecnologias e processos inovadores, dedicamos uma área a habilitar a acessibilidade digital para empresas clientes de todos os setores. O trabalho é realizado por profissionais da área de “quality services”, em sua unidade de “evolving advanced services”. Os profissionais prestam serviços de consultoria e testes de acessibilidade digital, atuando para eliminar barreiras nos canais digitais, seguindo as diretrizes da Web Content Acessibility Guidelines (WCAG), publicadas pela World Wide Web Consortium.

Parece um trabalho simples, certo? Mas exige especialização, técnica e aprofundamento contínuo – daí a existência de uma área com profissionais totalmente dedicados ao tema. Quanto antes a acessibilidade for inserida num canal, melhor a aplicabilidade e efetividade de seus resultados. O ideal é que o trabalho seja feito desde a concepção de uma nova plataforma, aplicativo ou funcionalidade dos canais digitais das empresas.

Alguns exemplos: uma pessoa cega que deseja comprar passagens aéreas precisará que o site ou aplicativo seja compatível com tecnologia para leitura de tela, dando autonomia para que essa pessoa consiga selecionar, de forma simples, a origem e o destino, a data, tipo de passagem, entre outros campos. O site ou aplicativo deve estar preparado para que qualquer pessoa navegue pelos links das páginas usando o teclado ou mesmo um comando de voz, presente em algumas tecnologias assistivas.

O mercado precisa ser acessível para todos, o que significa que a acessibilidade nos canais digitais não deve ser exclusiva para pessoas com deficiência. Idosos ou pessoas com baixa escolaridade também devem poder ter autonomia de uso, o que significa utilizar palavras e termos simples nas comunicações dos canais. Uma gíria popular entre adolescentes pode dificultar o entendimento para um idoso. Termos técnicos e abreviações também podem causar problemas de compreensão.

Reimagine. As empresas devem investir em acessibilidade digital para além da responsabilidade social. A inclusão digital é também uma questão de negócios – de ampliação de mercado consumidor.

__2. Você pode incrementar o surgimento de surpresas ao aprender novas visões de mundo:__ sistemas de conceitos e modelos mentais que trazem outras formas de interpretar o que nos cerca. Novas visões podem gerar surpresas quando comparadas com informações que conhecemos. Por exemplo, se você contratasse o gerente da equipe técnica de Fórmula 1 para sua equipe de logística, ele poderia fazer observações interessantes porque observa o que acontece pelas lentes de uma competição de corrida de alta intensidade. Estudar filosofia, história e literatura enriquece a mente de negócios. As humanidades podem ensinar muito sobre os elementos emocionais do comportamento do mercado financeiro. No romance satírico *The Way We Live Now* (1875), Anthony Trollope descreve uma bolha especulativa na bolsa de valores de Londres, nos anos 1870, promovida por um vigarista convincente e levada adiante por ondas de investidores tragados pela fraude. Quem o leu estava mais preparado quando o fenômeno se repetiu no mundo real em casos como Enron e Theranos. Estudar humanas nos torna mais capazes de conduzir conversas especulativas, conhecer ideias diferentes, pensar futuros alternativos. Aumente seu estoque de visões de mundo diferentes para acioná-lo quando for o caso. Podem ser visões sobre engenharia, teologia ou psicologia, ficção científica, romances heroicos. Ou lugares e tempos distantes, em que os modos de ver a vida nos pareçam estranhos.

Como otimizar sua imaginação
Três passos para aproveitar melhor as fagulhas que o dia a dia nos dá

1. Separe tempo para refletir A inspiração para soltar a imaginação vem muitas vezes em momentos de reflexão. Não é por acaso que as pessoas têm ideias no banho. Imaginação exige espaços de tempo sem demanda externa. É famoso o espaço do “corte de cabelo” na agenda de Warren Buffett, que na verdade é um código para ele parar e refletir.

2. Preste atenção nas frustrações Em 2008, Shelby Clark ficou preso em uma nevasca enquanto pedalava para buscar um carro alugado. Resmungando, pensou: “Por que passar por todos esses carros parados? Por que não posso entrar nesse ou naquele?”. A frustração o levou a fundar a Turo, primeira empresa de compartilhamento de veículos privados. Ao atentar para o que nos incomoda, preparamos a mente para criar um caminho para deixar isso para trás.

3. Abra-se para as possibilidades À medida que uma empresa cresce, mais espaço mental é tomado pelas questões internas. Como em uma esfera, o volume interno da organização cresce mais rápido que sua superfície de contato. Os processos rotineiros dominam o interior, nos isolando de interações externas e potencialmente inspiradoras. O sociólogo Ronald Burt, ao estudar o comportamento, constatou que pessoas com mais exposição externa tendem a ter mais ideias do que aquelas que interagem sempre com os mesmos colegas, nos mesmos ambientes. Desafiar a rotina é um ótimo propulsor de ideias.

Oxygea: estendendo a imaginação da empresa por Livia Halak e Paulo Emediato
Braskem une aceleração, venture capital e venture building para inovar

Quantas vezes será que repetimos a palavra “desafio” desde 2020? Nas reuniões do time, a cada conversa com stakeholders, a cada benchmarking… batemos em várias portas para explicar o que estamos propondo e convidar mais pessoas para agregar na nossa jornada. Mas que “desafio” é esse?

O ano de 2020 ampliou a utilização dessa palavra, quando muitas empresas tiveram que se reinventar diante de um cenário pandêmico, de incertezas e grandes mudanças. Foi também quando a Braskem, maior empresa petroquímica das Américas, mapeou megatendências de disrupção industrial e assumiu compromissos públicos de sustentabilidade para 2030 e 2050. Nesse primeiro momento, o principal objetivo era formalizar uma visão estratégica de longo prazo e ampliar conexões com o ecossistema de inovação e soluções sustentáveis para chegar lá. Considerava-se cada vez mais necessário o desenvolvimento de soluções voltadas à neutralidade de carbono, economia circular, energia renovável, novos materiais e transformação digital (smart factory, analytics, logística 4.0, big data…). Esforços de pesquisas, provas de conceito e acordos comerciais seriam suficientes para alavancar essa reimaginação do negócio na velocidade necessária? Não.

Se a Braskem precisava disso para ontem de um lado e, outro, muitas startups pelo mundo já apresentavam iniciativas avançadas, mas precisavam de investimentos para avançar, por que não juntar as pontas? O problema era que a Braskem, bem como outras corporações, não possuía governança desenhada para o relacionamento com startups – afinal, movimentos com elas exigem agilidade, flexibilidade e um time dedicado. A aproximação para participar de rodadas de investimentos ou viabilizar uma participação em equity junto a novos negócios seria uma tarefa muito complexa dentro dos limites corporativos.

Enquanto estudávamos caminhos e alternativas possíveis para criar um veículo composto por corporate venture capital (CVC), venture building (CVB) e também aceleração, elaboramos um mapeamento global de modelos criados no mercado, buscando fazer benchmarking com diversos players que desenharam suas estruturas de diferentes formas e como as implementaram. Dividimos a análise entre modelos de CVC e CVB de diversas experiências pelo mundo que queríamos conhecer.
A investigação em CVC foi difícil (a taxa de sucesso em CVCs está bem abaixo dos 50%), mas mapeamos os fatores críticos de sucesso e sobretudo os padrões entre os que não obtiveram êxito. Passamos por referências com a Wayra, ECBF, ZX Ventures, Banco do Brasil, Álvarez e Marsal, Embraer, Dow, Shell, Total, Bayer, KPTL e muitas outras. E foi com a Next47, criada pela Siemens no Vale do Silício, que percebemos que era necessário ter um certo nível de independência da operação de nossa “parent company” para nossa tomada de decisões.

A investigação em CVB foi ainda mais difícil, pois esse lado corporate ainda não está consolidado e muitos estão aprendendo por tentativa e erro. Conversamos com players como Bayer (Leap + CoLaborator), Bosch (Grow), Ambev (Ztech) e Votorantim. Buscamos aprendizados com quem interage diretamente com esse ecossistema como FCJ e Founders Intelligence. Observamos modelos que acabavam perdendo flexibilidade pela conexão direta com a companhia. Compartilhamos dilemas no alinhamento de incentivos e tomada de riscos na transição entre colaboradores e venture founders, entre outras questões que só se descobrem na prática. Foi com a Chemovator, incubadora criada pela Basf na Alemanha, que nos surpreendemos com a independência da operação e resultados de sucesso em pouco tempo.

O que descobrimos? Tanto para o CVC quanto para o CVB, a estrutura 100% dedicada era um elemento essencial para nosso sucesso. Essa nova estrutura serviria como plataforma para dar vazão a projetos internos da Braskem, com potencial para se desenvolver com mais autonomia. Mas reconhecemos que não tínhamos todas as respostas sobre como operar três programas de naturezas distintas (CVC, CVB e aceleração), dedicados ao engajamento e desenvolvimento de startups de forma integrada, que demandam uma curiosidade genuína dos envolvidos e também disposição para aprender e testar as novidades encontradas. Isso serviu para estimular uma maior interação nossa com muitos dos quais nos aproximamos. Então, construímos a proposta, e o modelo operacional foi liderado pelo time de estratégia e consultoria interna na Braskem, sob gestão de Artur Faria e atuação direta de Livia Hallak, uma das autoras deste artigo. Houve a aprovação pelo conselho da Braskem para a criação da Oxygea, e muitas pessoas se envolveram – tantas que não conseguimos citar todas neste espaço limitado. Sem elas, imaginar essa nova área teria sido impossível.

O conceito planejado para o time Oxygea, inicialmente verticalizado e com “caixinhas”, foi se transformando com o tempo, em direção a um modelo mais horizontal e versátil entre as funções. Isso exigiu pessoas com vivência empreendedora e com maior senioridade, e fomos buscá-las. Foi quando Paulo Emediato, o outro autor deste artigo, chegou para assumir a frente de marketing e engajamento com o ecossistema.

Sendo a colaboração algo essencial nesse novo mundo, precisávamos olhar para fora e circular, estabelecendo relacionamentos com o ecossistema. Ao mesmo tempo, precisávamos olhar para dentro, gerando externalidades positivas para garantir o comprometimento com uma estratégia de longo prazo junto aos nossos sponsors, sob uma menor influência direta do core business da corporação e com uma governança mais dinâmica.

Já no primeiro ano estamos materializando a imaginação com pequenas conquistas, enquanto aprendemos e fazemos ajustes de rota. Em paralelo às etapas para operacionalização do fundo, rodamos a primeira chamada do Oxygea Labs, frente complementar de aceleração, inspirada no modelo da YCombinator, que pode investir R$1,5 milhões em até seis startups ainda em 2023. O programa herdou o legado e inúmeras lições do Braskem Labs, de 2015 a 2022, responsável por acelerar 132 startups focadas em soluções de impacto. Agora na Oxygea, direcionamos o foco para potencializar a tese de sustentabilidade e a transformação digital na indústria, desafios específicos da sponsor, com produto já em estágio mais avançado de validação para receber investimento.

Também tivemos o anúncio da Xtellar, primeira spin-off entre quatro no portfólio – que nasceu como projeto na Braskem. E, por fim, selamos a parceria com a TouchDown Ventures, para nos apoiar nas negociações da frente de CVC, em investimentos Séries A e B na América do Norte, Europa, Israel e América Latina. Há muito ainda por vir.

© Rotman Management
Editado com autorização da Rotman School of Management, da University of Toronto.
Todos os direitos reservados.

Artigo publicado na HSM Management nº 159.

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