O empreendedorismo de alto impacto de Israel, com amplo reconhecimento mundial, tem como característica o foco em setores específicos, nas áreas de comunicação, software, internet e mídias sociais. O Waze, um aplicativo de GPS, ganhou as manchetes porque o Google pagou mais de US$ 1 bilhão por ele.
O Trusteer, um software de segurança cibernética, também alcançou as primeiras páginas quando a IBM o comprou por um valor semelhante. Agora, com a inovação enraizada e capilarizada no país, o setor que ganha proeminência é menos pop: trata- -se das startups de equipamentos médicos. “Essa indústria é jovem, desenvolvida nos últimos 15 anos”, afirma Eran Perry, diretor-administrativo do Israel HealthCare Ventures (IHCV), fundo de investimento em ciências da vida. Segundo um estudo de 2012 feito pelo Ministério da Indústria, Comércio e Trabalho de Israel, o país tem 656 empresas de equipamentos médicos –destas, 35 são de capital aberto e 18 de propriedade de companhias estrangeiras– e, em 2011, movimentou US$ 1,8 bilhão –fatia pequena porém significativa de um mercado global de equipamentos médicos estimado em US$ 322 bilhões, dado o tamanho de Israel.
Mais importante talvez, o país é líder em patentes per capita no campo de equipamentos médicos e o quarto em números absolutos. “Poucos executivos do setor de equipamentos médicos discordariam da ideia de que Israel tem sido uma das principais fontes de novas tecnologias na área”, diz D. Todd Dollinger, presidente do conselho e CEO do Trendlines Group, empresa de capital de risco especializada em tecnologias médicas e agrícolas de Israel. “Isso não é muito conhecido porque startups de equipamentos médicos não aparecem tanto quanto as de internet”, afirma ele. “Quando uma pessoa usa produtos médicos, com frequência não conhece a origem. Seu médico sabe, mas ela não.” Tampouco é grande a visibilidade de companhias de tecnologia médica na mídia, entre outras razões, porque não se veem todos os dias grandes empresas globais comprando essas startups.
No entanto, o grau de complexidade em torno de startups de equipamentos médicos depõe a favor do sistema de inovação israelense. “Para desenvolver um aplicativo bem- -sucedido [de internet], você precisa de uma ideia e de programadores. Com a tecnologia médica, porém, a questão é mais complexa, pois envolve estruturas de produção”, explica Guy David, professor de gestão de assistência à saúde da Wharton School e fellow do Leonard Davis Institute of Health Economics. “Se pensarmos na PillCam [startup que produz cápsulas de endoscopia] ou no ReWalk [exoesqueleto biônico de assistência à mobilidade], por exemplo, vamos ver que é preciso ter fábrica, não somente software.”
**EMPRESAS LEAN, CUSTOS BAIXOS**
Como Israel inova nesse segmento? De modo geral, o modelo das outras startups de Israel, muito enxutas se comparadas com as dos EUA e ajudadas por um ecossistema de startups maior, é repetido. Baseia-se em clusters de empresas com interesses semelhantes que podem compartilhar recursos, o que significa que a infraestrutura de custos geral é mais baixa. Além disso, uma característica singular do setor é o tamanho das empresas em termos de força de trabalho. Cerca de 56% têm apenas de um a cinco funcionários; apenas 3% possuem mais de cem. A área de tecnologia médica, apesar de exigir planta industrial, também pode operar com um orçamento relativamente apertado, o que lhe dá consonância com o modelo israelense.
“Um de nossos investimentos recentes foi na Argo Medical Technologies, que é um excelente exemplo de como um pequeno orçamento pode ir longe”, diz Perry. Líder na área de exoesqueleto, a Argo desenvolveu o ReWalk, um exoesqueleto vestível que permite que as pessoas com deficiência nos membros inferiores caminhem. “Ela foi a primeira a chegar ao mercado com um equipamento aprovado pela FDA [Foods and Drugs Administration, agência reguladora norte-americana] para centros de reabilitação, apesar de seus investimentos serem um terço dos da concorrência”, aponta Perry.
Ele também destaca a história de sucesso da NanoPass Technologies, que desenvolve sistemas baseados em microagulhas para a injeção intradérmica de remédios e cosméticos. “Quando a empresa nos procurou, já tinha aprovação da FDA, dados clínicos fartos e uma capacidade produtiva impressionante. Nessa época, ela contava com apenas um funcionário: o CEO”, conta Perry. A partir daí, a NanoPass levantou três rodadas de capital de risco. A empresa também anunciou várias parcerias com multinacionais, especialmente na área de profilaxia e vacinas contra o câncer. Mas o trabalho sem uma equipe de apoio tem sido bem difícil. “Para ser CEO de uma startup por aqui, você precisa ser bem persistente”, admite o heroico CEO da NanoPass, Yotam Levin.
O empreendedor Uri Arnin iniciou sua empresa, a Spine21, quando soube que eram feitas 40 mil cirurgias por ano para reparar deformidades espinhais em adolescentes nos Estados Unidos, mais de uma década atrás. A Spine21 surgiu para fazer implantes espinhais biônicos. Arnin imaginou desenvolver um equipamento para corrigir problemas de coluna [como uma escoliose] em um intervalo de tempo maior, em vez de uma única cirurgia agressiva. O resultado? O sistema ApiFix, minimamente invasivo. O capital semente de US$ 500 mil veio da Misgav Venture Accelerator, do Trendline Group. Rodadas posteriores trouxeram investidores privados. O mercado potencial do ApiFix é de US$ 600 milhões nos Estados Unidos e US$ 300 milhões no restante do mundo. “Estamos conduzindo estudos clínicos em Israel, e também na Hungria e na Romênia, onde o processo de aprovação é comparativamente mais rápido. Com base nesses estudos, alguns equipamentos já foram vendidos”, diz Arnin.
> **Dores do crescimento**
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> _Para o economista Avishay Braverman, a economia baseada em startups de israel está aprofundando o abismo social do país, o que não é bom para a economia
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> “Eu lamento dizer que neste país temos uma pequena minoria que está vivendo muito bem, obrigado, enquanto a maioria mal consegue fazer o salário render até o fim do mês. Os salários que recebem não são suficientes, o custo de vida está nas alturas e o custo da habitação chegou a níveis inaceitáveis.” A frase poderia estar na boca de qualquer brasileiro, mas foi dita por Avishay Braverman, economista israelense que é membro do comitê econômico do parlamento de Israel e trabalhou para o Banco Mundial. Em entrevista ao jornal The Jerusalem Post, Braverman faz uma séria crítica ao modelo econômico adotado pelo país, especialmente no que se refere ao investimento em startups. Segundo a matéria, quem analisa a economia israelense apenas pelos números pode acreditar que tudo vai muito bem.
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> Afinal, a inflação se mantém em 1,2% ao ano, o desemprego é de 5,8% e o PIB cresce em torno de 3% ao ano. Mas, como se baseiam em médias, tais números esconderiam as profundas desigualdades sociais de Israel. Na entrevista, Braverman defende a economia de livre mercado, porém afirma que isso não é o que se pratica no país. “Não temos uma economia de livre mercado de fato, porque o sistema é falho. Nossa economia é muito centralizada e não consegue ser competitiva. Os ricos estão ficando cada vez mais ricos, e os pobres, cada vez mais pobres. Em todas as sociedades existem diferenças sociais, mas, quando elas são tão profundas, isso tem efeito desestabilizador sobre a economia.” E, segundo o economista, o principal problema é justamente o investimento na transformação de Israel em uma “startup nation”. “Na verdade, estamos nos tornando uma ‘exit nation’.
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> Os empreendedores criam uma startup e, depois que desenvolveram a tecnologia, vendem pela melhor oferta. Em minha opinião, esse é um erro muito grande e uma das causas de nosso abismo social.” Na visão de Braverman, quando vendem ao capital estrangeiro suas empresas, em estágio de desenvolvimento ou pouco adiante, os empreendedores negam à economia local a oportunidade de ter uma companhia de maior porte que crie empregos para um segmento de força de trabalho mais amplo –uma startup não cria muitos empregos, uma vez que trabalha com mão de obra altamente qualificada e de um setor bastante específico da sociedade. “Essas empresas deveriam se tornar multinacionais industriais, empregando vários tipos de profissionais. Mas, quando uma startup é vendida para um investidor internacional, só o empreendedor e outros poucos se beneficiam”, explica.
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> **(Lizandra M. Almeida)**
> **A cooperação Brasil-Israel**
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> Equipamentos médicos israelenses, assim como medicamentos, vacinas e insumos em geral, já estão no foco do Ministério da Saúde do Brasil. Em maio de 2013, uma comitiva brasileira foi a Israel em busca de parcerias econômicas na área e se reuniu com seus ministros da Economia, Naftali Bennett, e da Saúde, Yael German. A intenção é atrair empresas israelenses para parcerias público-privadas que incluam transferência de tecnologia para a produção de equipamentos e medicamentos no Brasil. A iniciativa já está rendendo frutos. A Protalix, empresa israelense de produção de medicamentos biológicos, estabeleceu parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), do Rio de Janeiro, para a produção de medicamentos para algumas doenças raras. Uma fábrica será construída pela Fiocruz no Ceará como resultado desse projeto. Em novembro de 2013, o embaixador de Israel no Brasil, Rafael Eldad, afirmou que o Brasil já é o maior parceiro comercial do país na América Latina, gerando uma movimentação geral de US$ 1,5 bilhão. Segundo ele, o desafio é dobrar esse valor nos próximos cinco anos.
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> **(HSM Management)**
**DE LONGO PRAZO, MAS COMERCIAL**
Quais as diferenças-chave entre as startups israelenses focadas em internet e as de tecnologia médica? “As pessoas que estão na área de tecnologia médica não têm essa sede de ganhar a vida rápido. Sabem que vão precisar de mais tempo para que seus esforços sejam recompensados”, afirma David. Embora extremamente úteis, produtos médicos também não são tão globais quanto TI, acrescenta o investidor, e, portanto, não tão escaláveis. “Se você pensa no chip da Intel ou se desenvolve software para o Google, eles serão usados em toda parte. Com a tecnologia médica, a capacidade de escalar depende do país.” Nem todo produto é adequado para todo mercado. Números recentes são animadores, porém. Em 2011, os EUA computaram US$ 600 milhões em importação de equipamentos médicos israelenses.
A Europa importou em torno de US$ 400 milhões de Israel, enquanto China e Japão compraram cerca de US$ 100 milhões cada um. David explica, contudo, que o setor de equipamentos médicos está se aproximando do consumidor final como nunca aconteceu. Segundo ele, a maioria das tecnologias emergentes é voltada diretamente para o paciente –não para uma instituição hospitalar, por exemplo– e muitas empresas israelenses fizeram avanços consideráveis nessas áreas, gerando produtos de prateleira. “Se você olhar as estatísticas, há cinco anos menos de um quarto das empresas gerava receita”, afirma Perry. “Hoje, cerca de 40% estão vendendo produtos. As startups israelenses não têm sido tão fortes em comercialização; são melhores em desenvolvimento.
Mas, em anos recentes, algumas delas foram forçadas a dar um passo adiante, porque encontrar comprador para a empresa estava levando tempo demais.” Tendo de se provar comercialmente, as empresas aprendem a entrar em mercados diferentes. Pessoas + cultura O que faz de Israel um líder em inovação médica? “É o mix de pessoas e cultura”, diz Perry, o mesmo mix que explica a inovação em internet. “Em unidades de tecnologia de elite do exército, jovens soldados aprendem como trabalhar em equipe e a resolver problemas.” Alguns imigrantes da antiga URSS vieram de setores científicos-chave e agregaram sua experiência a esse mix. Universidade de ponta, indústria de defesa forte em tecnologia e apoio do governo a pesquisa e desenvolvimento também são fatores importantes.