Dossiê HSM

A pandemia é um chamado à colaboração

O recrudescimento da pandemia e a lentidão da imunização no Brasil levaram Walter Schalka, CEO da fabricante de celulose de eucalipto Suzano, a se engajar no grupo Unidos pela Vacina, criado para tentar destravar a imunização da população brasileira. Contrário à compra de vacinas por empresas – o que classifica como absurdo, pois privilegiaria um grupo seleto de brasileiros, os que trabalham em grandes companhias –, Schalka foi incumbido de entrar em contato com laboratórios farmacêuticos e autoridades do governo para, de um lado, tentar acelerar a entrega das doses adquiridas, e, de outro, entender e eliminar gargalos na distribuição e na aplicação dos imunizantes. O engajamento do executivo na seara socioambiental, porém, é anterior à pandemia. Schalka é uma espécie de evangelizador da adoção do conceito ESG (sigla em inglês para responsabilidade ambiental, social e de governança) no País. “A pandemia é um chamado para colocarmos o coletivo acima do individual”, afirmou ele à HSM Management.
Jornalista, autora de Petrobras: Uma história de orgulho e vergonha e vencedora do Prêmio Jabuti de Reportagem e Documentário em 2017.

Compartilhar:

### O senhor acredita que a pandemia deixará alguma lição sobre a necessidade de governos, empresas e sociedade civil trabalharem juntos?
Certamente. Deixará como aprendizado que, para evoluirmos como sociedade, precisamos da atuação conjunta e coordenada de todos os agentes, incluindo a esfera pública, a iniciativa privada e a sociedade civil. O trabalho colaborativo será fundamental para vencermos as adversidades que já existiam antes da pandemia e que, infelizmente, serão ainda mais acentuadas no pós-pandemia. Isso vale para as desigualdades que já marcavam a sociedade globalmente antes da covid-19. A pandemia deve ser um chamado para mudarmos a forma como vemos o mundo, colocando o coletivo acima do individual.

### Acredita ser possível evoluirmos para um capitalismo mais justo? Como chegar lá?
Não creio que seja uma questão de ser possível ou não, mas, sim, de ser necessário. A pandemia deixou ainda mais evidente que o capitalismo precisa ser reinventado de forma a se tornar um sistema que esteja em harmonia com a justiça social, o combate às desigualdades e a realidade ambiental. Ele precisa ser inclusivo e ter como foco a qualidade de vida das pessoas. Vejo esse novo capitalismo, mais justo, emergindo a partir de uma nova percepção de valores que unirá a iniciativa privada, a sociedade civil e permeará o poder público. Às empresas caberá compreender que o crescimento e a lucratividade devem estar fundamentados em estratégias de negócios com visão de longo prazo, garantindo desenvolvimento social e preservação ambiental. Acredito que um mundo mais colaborativo emergirá no pós-pandemia.

### Qual o papel das lideranças empresariais nesse cenário?
As companhias têm de gerar bons resultados, mas também impactar adequadamente a sociedade, mesmo em períodos turbulentos. Fora a pandemia, temos dois grandes problemas globais que precisam ser revertidos rapidamente. O primeiro é a mudança climática. Estamos nos aproximando do tipping point, o ponto a partir do qual não será mais possível reverter a crise do clima. Esse é um problema humanitário, que transcende os muros das empresas. É tempo de ação, não dá mais para esperar. E a solução requer uma convergência global. Se um perder, o mundo inteiro perde. Muitas empresas e muitos países já prometeram redução de emissões de gases do efeito estufa para 2020, 2030, e agora passaram para 2050. Não dá mais para colocar metas de longo prazo sem tomar medidas de curto prazo. O segundo grande problema é a desigualdade social, que vem sendo aprofundada pelo modelo econômico global.

### Que medidas práticas a Suzano tomou nesse sentido?
Já somos negativos em carbono, ou seja, já sequestramos mais carbono do que emitimos. Produzimos energia renovável com biomassa das nossas florestas. Além disso, anunciamos três grandes metas de ESG ainda mais ambiciosas. A primeira é sequestrar 40 milhões de toneladas de carbono nos próximos dez anos, até 2030. A segunda é tirar 10 milhões de toneladas de plástico com produtos vindos da árvore. Vamos substituir embalagens descartáveis de plástico por papel. Queremos usar a árvore como instrumento para tirar plástico e combustíveis fósseis do mercado. A terceira meta é social: tirar 200 mil pessoas da pobreza nos próximos dez anos.

### Como pretendem tirar essas pessoas da pobreza?
Essas 200 mil pessoas estão nas comunidades onde temos operações. Vamos ajudá-las a gerar renda. Uma forma é usar as nossas florestas para isso. A Suzano é uma grande produtora de mel de eucalipto, mas a companhia não fica com nenhum centavo dessa produção. Abrimos nossas florestas para que pessoas da comunidade produzam mel nas nossas árvores. Ajudamos com tecnologia, ensinamos a produzir e a vender, dentro e fora do País, e 100% da renda vai para os produtores. Queremos que essa geração tenha mais renda, e a próxima, mais educação. Estabelecemos metas de notas escolares das crianças das áreas onde operamos e estamos trabalhando para aumentar a qualidade da educação delas, para que estejam preparadas para o futuro.

### A Suzano anunciou recentemente a entrada no setor têxtil. O que isso tem a ver com mudança climática?
Queremos substituir tecidos, como poliéster (produzido com derivado de petróleo), por produtos feitos à base de celulose (que é renovável). Nossa visão é que a árvore é a solução para uma série de problemas globais. Sequestra carbono, pode substituir plástico, melhorar a questão social. Queremos desenvolver biomassa de forma competitiva, como já fazemos. Veja, a Suzano não tem nenhuma produção na Amazônia, mas entendemos que a Amazônia pode ser uma solução para o Brasil.

### Como seria essa solução?
As florestas sequestram carbono. Se o Brasil deixar de queimar a Amazônia e monetizar esse carbono sequestrado, pode ganhar US$ 10 bilhões ao ano. É um potencial enorme de receita para a União, para a sociedade. Se o Brasil adotar as cláusulas 6.2 e 6.4 do Acordo de Paris, que devem ser regulamentadas este ano, na COP26, na Escócia, o País passará a fazer parte do mercado regulado de carbono. Se reduzirmos as queimadas na Amazônia, reduziremos as emissões e sobrará carbono para vender a países que precisam comprar, como Estados Unidos, Europa e China. O Brasil pode utilizar o meio ambiente para se tornar uma potência geopolítica global. Poderá entrar nas discussões da ONU e outros organismos multilaterais com uma posição muito forte, como aquele que está resolvendo o problema ambiental global e, portanto, precisa ser compensado financeiramente por isso. A Amazônia tem um valor enorme para o País.

Compartilhar:

Artigos relacionados

Mercado de RevOps desponta e se destaca com crescimento acima da média 

O Revenue Operations (RevOps) está em franca expansão global, com estimativa de que 75% das empresas o adotarão até 2025. No Brasil, empresas líderes, como a 8D Hubify, já ultrapassaram as expectativas, mais que dobrando o faturamento e triplicando o lucro ao integrar marketing, vendas e sucesso do cliente. A Inteligência Artificial é peça-chave nessa transformação, automatizando interações para maior personalização e eficiência.

Uso de PDI tem sido negligenciado nas companhias

Apesar de ser uma ferramenta essencial para o desenvolvimento de colaboradores, o Plano de Desenvolvimento Individual (PDI) vem sendo negligenciado por empresas no Brasil. Pesquisa da Mereo mostra que apenas 60% das companhias avaliadas possuem PDIs cadastrados, com queda no engajamento de 2022 para 2023.

Regulamentação da IA: Como empresas podem conciliar responsabilidades éticas e inovação? 

A inteligência artificial (IA) está revolucionando o mundo dos negócios, mas seu avanço rápido exige uma discussão sobre regulamentação. Enquanto a Europa avança com regras para garantir benefícios éticos, os EUA priorizam a liberdade econômica. No Brasil, startups e empresas se mobilizam para aproveitar as vantagens competitivas da IA, mas aguardam um marco legal claro.

Governança estratégica: a gestão de riscos psicossociais integrada à performance corporativa

A gestão de riscos psicossociais ganha espaço nos conselhos, impulsionada por perdas estimadas em US$ 3 trilhões ao ano. No Brasil, a atualização da NR1 exige que empresas avaliem e gerenciem sistematicamente esses riscos. Essa mudança reflete o reconhecimento de que funcionários saudáveis são mais produtivos, com estudos mostrando retornos de até R$ 4 para cada R$ 1 investido

Finanças
O Revenue Operations (RevOps) está em franca expansão global, com estimativa de que 75% das empresas o adotarão até 2025. No Brasil, empresas líderes, como a 8D Hubify, já ultrapassaram as expectativas, mais que dobrando o faturamento e triplicando o lucro ao integrar marketing, vendas e sucesso do cliente. A Inteligência Artificial é peça-chave nessa transformação, automatizando interações para maior personalização e eficiência.

Fábio Duran

3 min de leitura
Empreendedorismo
Trazer os homens para a discussão, investir em ações mais intencionais e implementar a licença-paternidade estendida obrigatória são boas possibilidades.

Renata Baccarat

4 min de leitura
Uncategorized
Apesar de ser uma ferramenta essencial para o desenvolvimento de colaboradores, o Plano de Desenvolvimento Individual (PDI) vem sendo negligenciado por empresas no Brasil. Pesquisa da Mereo mostra que apenas 60% das companhias avaliadas possuem PDIs cadastrados, com queda no engajamento de 2022 para 2023.

Ivan Cruz

4 min de leitura
Tecnologias exponenciais
A inteligência artificial (IA) está revolucionando o mundo dos negócios, mas seu avanço rápido exige uma discussão sobre regulamentação. Enquanto a Europa avança com regras para garantir benefícios éticos, os EUA priorizam a liberdade econômica. No Brasil, startups e empresas se mobilizam para aproveitar as vantagens competitivas da IA, mas aguardam um marco legal claro.

Edmee Moreira

4 min de leitura
ESG
A gestão de riscos psicossociais ganha espaço nos conselhos, impulsionada por perdas estimadas em US$ 3 trilhões ao ano. No Brasil, a atualização da NR1 exige que empresas avaliem e gerenciem sistematicamente esses riscos. Essa mudança reflete o reconhecimento de que funcionários saudáveis são mais produtivos, com estudos mostrando retornos de até R$ 4 para cada R$ 1 investido

Ana Carolina Peuker

4 min de leitura
Gestão de Pessoas
Conheça o conceito de Inteligência Cultural e compreenda os três pilares que vão te ajudar a trazer clareza e compreensão para sua comunicação interpessoal (e talvez internacional)

Angelina Bejgrowicz

4 min de leitura
Liderança
Entenda como construir um ambiente organizacional que prioriza segurança psicológica, engajamento e o desenvolvimento genuíno das equipes.

Athila Machado

6 min de leitura
Empreendedorismo
Após a pandemia, a Geração Z que ingressa no mercado de trabalho aderiu ao movimento do "quiet quitting", realizando apenas o mínimo necessário em seus empregos por falta de satisfação. Pesquisa da Mckinsey mostra que 25% da Geração Z se sentiram mais ansiosos no trabalho, quase o dobro das gerações anteriores. Ambientes tóxicos, falta de reconhecimento e não se sentirem valorizados são alguns dos principais motivos.

Samir Iásbeck

4 min de leitura
Empreendedorismo
Otimizar processos para gerar empregos de melhor qualidade e remuneração, desenvolver produtos e serviços acessíveis para a população de baixa renda e investir em tecnologias disruptivas que possibilitem a criação de novos modelos de negócios inclusivos são peças-chave nessa remontagem da sociedade no mundo

Hilton Menezes

4 min de leitura
Finanças
Em um mercado cada vez mais competitivo, a inovação se destaca como fator crucial para o crescimento empresarial. Porém, transformar ideias inovadoras em realidade requer compreender as principais fontes de fomento disponíveis no Brasil, como BNDES, FINEP e Embrapii, além de adotar uma abordagem estratégica na elaboração de projetos robustos.

Eline Casalosa

4 min de leitura