Melhores para o Brasil 2022

A Peculiaridade do futurismo negro

Se nós não o enxergamos como uma lente que olha também para o passado, ele não funcionará como deve
Empreendedor Social reconhecido como da Ashoka na categoria Tecnologia e Humanidades. Co-fundador e Head de Futuros Inclusivos do FA.VELA, plataforma de inovação social no campo de pesquisa e design de projetos nas áreas de educação, transformação digital inclusiva, impacto social, diversidade e futuros.

Compartilhar:

Quando recebi o convite do pessoal da HSM Management para escrever sobre afrofuturismo, muitas reflexões me tomaram a mente… Antes de tudo, refleti sobre o porquê de eu preferir me ver como “futurista negro” em vez de entrar no rol do “afrofuturismo” que inspirou a Beyoncé. Então, começo por aí.
Entendi. Eu defendo a ocupação por negros dos espaços existentes nos campos de ciência, pesquisa, tecnologias, pensamento e, claro, arte – a cultura em todas as suas expressões. Nunca acreditei em limitar-se à parte artística e cultural, com que o afrofuturismo é mais identificado.

O que me fascina mesmo é a forma como antigas civilizações de pessoas negras construíram maravilhas tecnológicas na África, avançadas para seu tempo, maravilhas essas que se espalharam no mundo moderno por meio de apropriações culturais, intelectuais e colonizadoras.

E também me fascina como essas civilizações antigas se relacionavam com o tempo: em vez do tempo linear de hoje, o tempo desses africanos era interpretado de maneira cíclica, em que a volta ao passado e a importância dada aos saberes ancestrais são tidos como referência para o que será o futuro. Essa necessidade de “expectar” e planejar o futuro, hoje hegemônica, tem a ver com o tempo linear e com um modo de pensar o mundo que é pós-colonizações.

Para mim, o trabalho de futurismo negro assume uma função de lente para enxergar o mundo que me antecede, o mundo que sigo ajudando a construir e o mundo que deixaremos para as próximas gerações. Digo “próximas gerações”, não “futuras gerações”, já com a lente não linear afrofuturista.

APAGAMENTO vs. APROPRIAÇÃO
Um ponto de partida no campo do futurismo negro é entender que a contribuição intelectual e tecnológica da população negra para o mundo foi invisibilizada. Muito se fala sobre apagamento, mas não é verdade que as contribuições foram apagadas. Tudo foi rigorosamente observado, registrado, copiado e sequestrado. Esse processo foi a fonte da qual bebeu o racismo que persiste hoje, em 2021, na sociedade, nas organizações, nos acessos e nas oportunidades, e que contribui diariamente para a potencialização de diversas mazelas. Foi a maneira que a sociedadade ocidental – é ela o personagem principal dessa trama – encontrou para garantir privilégios e exclusão.

Olhar para o passado em busca de pessoas e referências negras tem sido, historicamente, olhar para a escravização e as suas consequências sociais e econômicas. Pouco se fala aos afrodescendentes em diáspora sobre o bom futuro que um dia foi construído por seus ancestrais.

E em relação às vezes que comemoramos com entusiasmo o ingresso e o reconhecimento de mulheres e homens negros nas mais diversas áreas intelectuais, eu questiono: são conquistas ou é um movimento essencial de resgate do protagonismo de pessoas negras em teorias e tecnologias? Não é o retorno do mesmo protagonismo que nossos antepassados tinham num tempo anterior ao dos processos de colonização da África?

O leitor percebe, então, a importância de entender o movimento denominado afrofuturismo para além do que se vê artística e midiaticamente? É isso que molda o “mindset”, palavra de que os executivos tanto gostam.

É imprescindível entender esse futurismo segmentado como uma ferramenta para enxergar, modificar e criar futuros em que pessoas negras existam não apenas em função da dor de mazelas históricas, mas também em função do protagonismo que ajudou a viabilizar a existência de futuros para o mundo inteiro.

Lançar luz sobre o mérito e o reconhecimento da contribuição do povo negro no campo das tecnologias, das ciências e da sociedade pode não ser tão sedutor como uma previsão de futuros com robôs e colonizações espaciais de novos mundos, inacessíveis para mais de 50% da população brasileira. Mas é essencial.

Como o grande mestre Abdias Nascimento costuma dizer, temos de “retornar ao passado para ressignificar o presente e construir o futuro”.

NA PRÁTICA
Certo. O afrofuturismo depende de olhar para trás e de viver e lutar no presente para construir espaços no futuro. Mas como trazemos as propostas afrofuturistas para uma realidade mais tangível? Olhar para o passado e para o presente, aqui, nos permite desenhar futuros sem cometer os mesmos erros e, também, sem fazer mais do mesmo.

Um exemplo de mais do mesmo, inclusive, é desconsiderar que a maior parte da população brasileira é negra e que a ela é privado, muitas vezes, o direito de ser. Sim, o afrofuturismo é parte da luta antirracista. Por fim, eu te pergunto: com qual lente você deseja ver o futuro hoje?

Compartilhar:

Artigos relacionados

Inovação & estratégia
24 de outubro de 2025
Grandes ideias não falham por falta de potencial - falham por falta de método. Inovar é transformar o acaso em oportunidade com observação, ação e escala.

Priscila Alcântara e Diego Souza

6 minutos min de leitura
Cultura organizacional, Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho
23 de outubro de 2025
Alta performance não nasce do excesso - nasce do equilíbrio entre metas desafiadoras e respeito à saúde de quem entrega os resultados.

Rennan Vilar - Diretor de Pessoas e Cultura do Grupo TODOS Internacional.

4 minutos min de leitura
Uncategorized
22 de outubro de 2025
No setor de telecom, crescer sozinho tem limite - o futuro está nas parcerias que respeitam o legado e ampliam o potencial dos empreendedores locais.

Ana Flavia Martins - Diretora executiva de franquias da Algar

4 minutos min de leitura
Marketing & growth
21 de outubro de 2025
O maior risco do seu negócio pode estar no preço que você mesmo definiu. E copiar o preço do concorrente pode ser o atalho mais rápido para o prejuízo.

Alexandre Costa - Fundador do grupo Attitude Pricing (Comunidade Brasileira de Profissionais de Pricing)

5 minutos min de leitura
Bem-estar & saúde
20 de outubro de 2025
Nenhuma equipe se torna de alta performance sem segurança psicológica. Por isso, estabelecer segurança psicológica não significa evitar conflitos ou suavizar conversas difíceis, mas sim criar uma cultura em que o debate seja aberto e respeitoso.

Marília Tosetto - Diretora de Talent Management na Blip

4 minutos min de leitura
Inovação & estratégia, Marketing & growth
17 de outubro de 2025
No Brasil, quem não regionaliza a inovação está falando com o país certo na língua errada - e perdendo mercado para quem entende o jogo das parcerias.

Rafael Silva - Head de Parcerias e Alianças na Lecom

3 minutos min de leitura
Bem-estar & saúde, Tecnologia & inteligencia artificial
16 de outubro de 2025
A saúde corporativa está em colapso silencioso - e quem não usar dados para antecipar vai continuar apagando incêndios.

Murilo Wadt - Cofundador e diretor geral da HealthBit

3 minutos min de leitura
Bem-estar & saúde
15 de outubro de 2025
Cuidar da saúde mental virou pauta urgente - nas empresas, nas escolas, nas nossas casas. Em um mundo acelerado e hiperexposto, desacelerar virou ato de coragem.

Viviane Mansi - Conselheira de empresas, mentora e professora

3 minutos min de leitura
Marketing & growth
14 de outubro de 2025
Se 90% da decisão de compra acontece antes do primeiro contato, por que seu time ainda espera o cliente bater na porta?

Mari Genovez - CEO da Matchez

3 minutos min de leitura
ESG
13 de outubro de 2025
ESG não é tendência nem filantropia - é estratégia de negócios. E quando o impacto social é parte da cultura, empresas crescem junto com a sociedade.

Ana Fontes - Empreendeedora social, fundadora da Rede Mulher Empreendedora (RME) e do Instituto RME

3 minutos min de leitura

Baixe agora mesmo a nossa nova edição!

Dossiê #169

TECNOLOGIAS MADE IN BRASIL

Não perdemos todos os bondes; saiba onde, como e por que temos grandes oportunidades de sucesso (se soubermos gerenciar)

Baixe agora mesmo a nossa nova edição!

Dossiê #169

TECNOLOGIAS MADE IN BRASIL

Não perdemos todos os bondes; saiba onde, como e por que temos grandes oportunidades de sucesso (se soubermos gerenciar)