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A propaganda dissimulada em tempos de ESG

Em 2005, HSM Management apresentava – e criticava – a prática de stealth marketing com consumidores. O growth hacking a fez crescer, e a questão agora cabe ao board

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O público consumidor recebe um bombardeio de mensagens publicitárias que o faz levantar um ‘escudo protetor’ ao perceber que alguém lhe tenta vender algo. Por isso, os profissionais de marketing estão buscando formas de transmitir mensagens que identifiquem os pontos fracos desses ‘escudos protetores’ e atinjam as pessoas onde elas são ‘mais vulneráveis’. A última novidade nessa área é o marketing subliminar (stealth marketing, no original em inglês), mais eficaz do que a propaganda convencional… levando as pessoas a recomendar um produto naturalmente, dando a elas a impressão de que chegaram a tais produtos ou serviços sem indução alguma.”

Assim começava, na primeira edição de 2005 de HSM Management, o artigo “A nova e muito polêmica propaganda subliminar”, de Andrew M. Kaikati, da Saint Louis University, e de Jack Kaikati, da Southern Illinois University, dos Estados Unidos. Os acadêmicos analisavam o “stealth marketing”, também chamado de undercover marketing, masquerade marketing, surreptitious marketing e marketing invisível e, mais recentemente, marketing 4.0 e propaganda lado B. Em todos esses casos, a mensagem publicitária vem disfarçada de depoimento espontâneo: o “garoto-propaganda” esconde que recebeu dinheiro por isso ou são perfis falsos na internet que transmitem a mensagem.

Na ocasião, o projeto Commercial Alert, da organização sem fins lucrativos Public Citizen, e outras entidades de defesa do consumidor reagiam fortemente à nova modalidade de marketing, mas isso não parecia constranger as empresas. Um dos alvos do Commercial Alert era uma campanha de celular feita em abril de 2002, em que atores se faziam passar por casais em visita a pontos turísticos, como a Space Needle, de Seattle, e pediam às pessoas para tirar fotos com o celular deles, mostrando entusiasmo com o produto.

Nem os escândalos envolvendo as atrizes Lauren Bacall e Kathleen Turner abalou as empresas. Bacall anunciou, numa entrevista no programa *Today*, que um amigo havia perdido parte da visão, em decorrência de uma doença chamada degeneração macular, e citou um medicamento novo para tratar a enfermidade. Turner contou sobre sua luta contra a artrite reumatoide no *Good Morning America* e citou um site copatrocinado pelos laboratórios que produziam o remédio que usava. As duas omitiram o fato de terem sido remuneradas pelas farmas.

Não à toa houve especulações de que o episódio em torno da alopecia de Jada Smith (que rendeu a agressão de Will Smith a Chris Rock) foi uma ação de stealth marketing da farma patrocinadora da cerimônia, que fabrica remédio contra a doença. As buscas sobre alopecia dispararam na internet.

Esse é um exemplo perfeito do que o filósofo de Harvard Michael Sandel chama de “sociedade de mercado”, que desencoraja e corrompe valores que não são de mercado, como amor, amizade, generosidade, solidariedade e espírito cívico, entre outros.

## O que o artigo dizia em 2005
Analisando o stealth marketing como gerador de boa relação custo-benefício, mas com potenciais riscos reputacionais e de difícil mensuração, os autores mostraram cases:

• __Cigarros.__ Mulheres jovens e bonitas flertavam com homens em bares e os convidavam para fumar cigarro de uma marca, sem contar que estavam ganhando para fazer isso.
• __Música.__ Jovens eram remunerados para ir a lojas de discos comentar sobre um ótimo artista novo.
• __Calçados esportivos.__ Soccer moms dos EUA recebiam dinheiro para elogiar a marca nos jogos dos filhos.
• __Bebidas.__ Ficou bem comum encenar festa de aniversário em bares, em que o pseudoaniversariante remunerado por uma marca oferece a bebida em questão a todos os presentes.
• __Loja de departamentos.__ Mulheres bem-vestidas foram pagas para usar luvas no metrô e, assim, ajudar a desovar o estoque de luvas encalhadas .
• __e-mail.__ Usuários do serviço ganhavam para propagar, sem contá-lo, os benefícios de um e-mail em salas de bate-papo, newsgroups e blogs. Este caso, do Hotmail, teve resultados impressionantes: ganhou 12 milhões de assinantes em 18 meses gastando US$ 500 mil. A rival Juno despendeu US$ 20 milhões em mídia tradicional.

## O que podemos dizer hoje
Na primeira metade da década de 2000, quando a prática estava surgindo, ainda não havia o iPhone, nem as redes sociais como temos hoje. Com esses novos equipamentos, veio a prática do growth hacking, proposta por Sean Ellis, que prevê experimentos de marketing mais baratos e “fora da caixa” para converter prospects em clientes. E o stealth marketing foi ainda mais normalizado.

Na verdade, o mercado tem mostrado um comportamento “esquizofrênico” em relação ao assunto. De um lado, os consumidores, as regulamentações e o avanço da governança ESG exigem cada vez mais transparência, ética e compliance das empresas, e as cancelam caso não entreguem isso, o que faz o risco aumentar. Mesmo sem regulação específica, a prática de stealth marketing é considerada abusiva no Brasil, com fundamento nos artigos 36 e 37 do Código de Defesa do Consumidor (por violar diretamente o princípio da identificação da publicidade) e no artigo 9º do código do Conar (que estabelece que a atividade publicitária será sempre ostensiva).

Por outro lado, o marketing 4.0 é praticado até por empresas que se mostram preocupadas com o bem comum em várias ocasiões. Suas agências não apenas adotam perfis falsos e pagam influenciadores para elogiar seus produtos, como também estendem ações de stealth marketing a outros stakeholders além de consumidores – como quando agentes disfarçados propõem novas pautas para distrair fornecedores que ameaçam uma paralisação. Se ainda não prestavam atenção, agora os boards devem acordar para o tema.

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