Gestão de Pessoas

A quem serve o silêncio?

Todos perdemos com a atual pandemia de omissão e desprezo pela opinião alheia
É sócio da RIA, empresa especializada em construir segurança psicológica em equipes. Criador do PlayGrounded, a Ginástica do Humor, é jornalista (Folha de S.Paulo, Veja, Superinteressante e Vida Simples), foi sócio da consultoria Origami e consultor em branding. Ator e improvisador, integra o grupo Jogo da Cena.

Compartilhar:

Marcia lidera uma equipe de 20 pessoas e quer saber como está o engajamento do pessoal. Em uma pesquisa rápida, ela descobre que apenas quatro desses colaboradores sentem-se “envolvidos, entusiasmados e comprometidos” com o trabalho.

Outras treze pessoas da equipe estão num estado de espírito tecnicamente descrito como… “nhé”. Ou seja, não estão empolgadas, nem comprometidas, nem nada. Vão empurrando com a barriga, para ver no que dá.

Já os últimos três colaboradores do time estão ativamente jogando contra: falam mal de tudo, boicotam decisões e não escondem dos colegas que estão procurando emprego.

Você talvez esteja pensando: como essa Marcia consegue se manter na liderança dessa equipe? Se mais de 80% do pessoal está desinteressado, alguns deles remando contra, a ruína deve estar evidente para toda a organização. Os resultados devem estar péssimos, comparados com os das outras equipes ou da concorrência.

Acontece que o nível de engajamento da equipe da Marcia não destoa da média. Não da média do seu departamento. Nem da organização. Nem do seu ramo de atividade. O time da Marcia equivale à média mundial!

## “Eu não conto”

Anualmente, desde 2005, o Instituto Gallup pesquisa o engajamento da força de trabalho em 160 países. E os resultados consolidados globalmente giram em torno desse montante: engajados somam 20%, desengajados dão mais de 60% e ativamente desengajados completam os quase 20% restantes.

Se você pensou que uma média global é muito vaga para servir de referência, eu concordo contigo. O problema é que a situação no Brasil, embora melhor que o resultado mundial, não merece comemoração. Na pesquisa mais recente, de 2021, apenas 29% dos trabalhadores por aqui se mostraram engajados. Ou seja, mais de 70% dos colaboradores tupiniquins não estão interessados no sucesso da organização, por mais bonitas que sejam as palavras que descrevem os valores, a missão e o propósito.

A pesquisa dá algumas pistas do que está por trás dessa indiferença. Uma das sentenças que compõem o índice de engajamento é: “Sinto que minha opinião conta no trabalho.” Em 2017, apenas 30% dos entrevistados responderam “sim” a essa afirmação.

Você pode pensar que os trabalhadores do mundo podem estar um pouco sensíveis demais. Nestes tempos, as pessoas têm opinião sobre tudo, e nem sempre ela importa, mesmo. Vamos focar no trabalho, por favor!

Se você teve essa impressão, a pesquisa de 2017 nos brindou com outra afirmação interessante: “Deixei de levantar com meu chefe preocupações sobre questões relevantes”. Hum. Se a questão é relevante para o trabalho, então interessa. Melhor seria se pouca gente se omitisse, nesse caso. Mas a notícia é um pouco pior: 85% dos entrevistados responderam “sim” a essa sentença.

É uma pandemia de silêncio e desprezo à opinião alheia.

## Um tesouro de dois dígitos

Curiosamente, em muitos anos trabalhando com equipes, nunca encontrei alguém em posição de liderança que dissesse preferir que as pessoas do seu time se omitissem, diante de questões que pareçam importantes.

Em nossos programas de desenvolvimento, quando perguntamos se as pessoas acreditam no poder da contribuição de suas equipes, todos são unânimes: “Sim”.
Mas, por alguma razão, essa convicção não está chegando aos ouvidos e bocas de suas equipes.

O que é uma pena, porque há um tesouro no fim do arco-íris da empatia e da consideração. Um tesouro de dois dígitos.

Vejo muitas organizações empreendendo esforços enormes em programas de qualidade com a esperança de obter ganhos de produtividade na casa decimal. Pois bem, segundo o Instituto Gallup, se o percentual de pessoas que considera que sua opinião conta no trabalho passasse dos atuais 30% para 60%, o ganho de produtividade seria da ordem de 12%, o turnover cairia em 27% e até os incidentes de segurança seriam reduzidos, em 40%. Essas margens estatísticas são obtidas comparando os resultados de negócio das organizações cujos colaboradores têm as mais altas taxas de engajamento.

Colaboradores satisfeitos, interessados, comprometidos e entusiasmados com o que fazem. Aumentos de produtividade acima de dois dígitos. É assim a cara de uma organização em que os colaboradores se sentem convidados a contribuir.
A quem serve o silêncio que estamos sustentando em nossas salas de reunião?

Compartilhar:

Artigos relacionados

Há um fio entre Ada Lovelace e o CESAR

Fora do tempo e do espaço, talvez fosse improvável imaginar qualquer linha que me ligasse a Ada Lovelace. Mais improvável ainda seria incluir, nesse mesmo

Carreira, Diversidade
Ninguém fala disso, mas muitos profissionais mais velhos estão discriminando a si mesmos com a tecnofobia. Eles precisam compreender que a revolução digital não é exclusividade dos jovens

Ricardo Pessoa

4 min de leitura
ESG
Entenda viagens de incentivo só funcionam quando deixam de ser prêmios e viram experiências únicas

Gian Farinelli

6 min de leitura
Liderança
Transições de liderança tem muito mais relação com a cultura e cultura organizacional do que apenas a referência da pessoa naquela função. Como estão estas questões na sua empresa?

Roberto Nascimento

6 min de leitura
Inovação
Estamos entrando na era da Inteligência Viva: sistemas que aprendem, evoluem e tomam decisões como um organismo autônomo. Eles já estão reescrevendo as regras da logística, da medicina e até da criatividade. A pergunta que nenhuma empresa pode ignorar: como liderar equipes quando metade delas não é feita de pessoas?

Átila Persici

6 min de leitura
Gestão de Pessoas
Mais da metade dos jovens trabalhadores já não acredita no valor de um diploma universitário — e esse é só o começo da revolução que está transformando o mercado de trabalho. Com uma relação pragmática com o emprego, a Geração Z encara o trabalho como negócio, não como projeto de vida, desafiando estruturas hierárquicas e modelos de carreira tradicionais. A pergunta que fica: as empresas estão prontas para se adaptar, ou insistirão em um sistema que não conversa mais com a principal força de trabalho do futuro?

Rubens Pimentel

4 min de leitura
Tecnologias exponenciais
US$ 4,4 trilhões anuais. Esse é o prêmio para empresas que souberem integrar agentes de IA autônomos até 2030 (McKinsey). Mas o verdadeiro desafio não é a tecnologia – é reconstruir processos, culturas e lideranças para uma era onde máquinas tomam decisões.

Vitor Maciel

6 min de leitura
ESG
Um ano depois e a chuva escancara desigualdades e nossa relação com o futuro

Anna Luísa Beserra

6 min de leitura
Empreendedorismo
Liderar na era digital: como a ousadia, a IA e a visão além do status quo estão redefinindo o sucesso empresarial

Bruno Padredi

5 min de leitura
Liderança
Conheça os 4 pilares de uma gestão eficaz propostos pelo Vice-Presidente da BossaBox

João Zanocelo

6 min de leitura
Inovação
Eventos não morreram, mas 78% dos participantes já rejeitam formatos ultrapassados. O OASIS Connection chega como antídoto: um laboratório vivo onde IA, wellness e conexões reais recriam o futuro dos negócios

Vanessa Chiarelli Schabbel

5 min de leitura