Quando o assunto é intraempreendedorismo, automaticamente vêm à cabeça palavras-chave como inovação, tecnologia, disrupção, liderança, risco, novos negócios e crescimento. Dificilmente a palavra remuneração está entre elas. Mas acredite, deveria estar.
O ambiente corporativo como conhecemos foi constituído e regido por processos e fluxos derivados da era industrial. Controles, organogramas verticais, áreas estruturadas, descrições de cargos e responsabilidades no maior detalhe possível. Some-se a esses fatores a estabilidade, as bandas de salários, os percentuais de bônus ou participação nos resultados, baseados em indicadores sobre os quais os colaboradores têm baixa ou nenhuma influência direta, o que gera acomodação e baixa tolerância ao risco.
Repare que as empresas estabelecidas têm como objetivo a preservação dos negócios e o lucro, logo serão evitados movimentos mais audaciosos e bruscos em busca de crescimento, que podem colocar em risco o que já foi conquistado.
Essa lógica, que existe há décadas, demanda objetivos estruturados e muitos alinhamentos, cascateados de cima para baixo e que funcionam quase como um receituário a ser cumprido. Acontece que a dinâmica entre economia, sociedade, cultura e negócios mudou e muitas práticas precisam ainda serem atualizadas e a remuneração é uma delas.
Vale ressaltar que é sabida nas empresas a necessidade e a importância de constantes mudanças e evoluções dos negócios. Por outro lado, alterações constantes de curso vão gerar desconforto em um músculo desenvolvido no planejamento, alinhamento e controle
Não há incentivo. Geralmente há receio ou punição para a tomada de riscos, que podem resultar em alguma falha. E não existe inovação sem a tomada de riscos e falhas no processo. Temos, portanto, um paradoxo.
Case real. Em uma empresa multinacional, o head de inovação foi responsável, no mesmo ano, pelo lançamento de dois produtos inovadores. Um foi o maior sucesso em muitos anos, mas o outro foi um grande fracasso. Adivinha o que aconteceu?
Ele foi penalizado pela falha financeiramente, não recebendo mérito nem seu bônus anual. Repare que ele também liderou o maior sucesso de inovação no mesmo ano, mas a falha teve um peso infinitamente maior.
Como resultado, esse executivo, no ano seguinte, evitou tomar riscos. E, com isso, perderam o executivo, sua equipe, a empresa e o negócio. No ano seguinte ele cumpriu os planos traçados e saiu com seu mérito e bônus. E zero risco.
Escutei, vivenciei na pele e ainda escuto casos de contextos organizacionais de remuneração e em que assumir algum risco passou a ser um risco pessoal. Faça uma pausa agora para uma reflexão incômoda: por que seguimos praticando políticas de remuneração de “prevenção ao intraempreendedorismo”? Como consequência, as organizações estão ficando ocupadas por um exército de intraempreendedores desativados, aguardando condições para atuar, gerando crescimento e inovação.
Enquanto isso, no mundo empreendedor, onde as responsabilidades e funções são mais fluidas, esse exército de colaboradores pode gravitar entre áreas e papéis. Como startups operam em um modelo onde lucro e mercado não estão garantidos, logo precisam assumir riscos em busca de crescimento e sobrevivência. A remuneração é atrelada à performance, a falha é encarada como aprendizado e não é penalizada. Revisões de performance e remuneração são constantes e refletem as contribuições reais e com impacto de curto, médio e longo prazos nos negócios.
## E qual seria a solução?
Sou favorável que uma parcela da remuneração mensal seja variável, independente da função ou área do colaborador. Por exemplo, enquanto as equipes comerciais, por sua natureza, têm uma parcela maior de remuneração variável, as equipes de backoffice deveriam ter uma parcela menor, mas ter. Assim se cria um ambiente de interdependência e cooperação, além de maior sensação de pertencimento e coparticipação real nos negócios.
Nessa mesma lógica, acredito que o bônus ou PLR, geralmente pago anualmente, deveria ser diferido em três anos, seguindo o modelo de vesting, já praticado por algumas organizações para distribuição de ações. O pagamento anual incentiva o cumprimento de metas, mas desestimula a tomada de riscos. Ciclos de inovação não são anuais e demandam mais tempo de maturação e ajustes, logo o bônus diferido estaria a serviço do resultado do negócio no médio e não mais no curto prazo.
Esse diferimento, em um período maior, também funcionaria como um plano de retenção (importante atualmente na guerra de talentos), além de dar mais conforto para os colaboradores e intraempreendedores assumirem mais riscos e criarem uma cultura favorável à inovação.
A política de remuneração pode, portanto, ser um acelerador ou inibidor do intraempreendedorismo e da inovação.