Em setembro, um brasileiro assumiu a presidência do Conselho de Diretores da Aliança para Inclusão Financeira (AFI, na sigla em inglês). A organização internacional viabiliza a troca de experiências entre 90 países na busca de soluções que ajudem a tornar a inclusão financeira mais efetiva – a edição de 2014 do _Global Findex Database_ revela que 2 bilhões de pessoas não têm acesso a bancos e serviços financeiros; no Brasil, são 55 milhões.
Em sua cerimônia de posse, no Egito, o diretor do Banco Central Isaac Sidney Menezes destacou o importante papel das fintechs para isso. Mas fez um alerta: “Esse avanço da tecnologia tem de ser acompanhado por um ambiente regulatório que dê segurança tanto ao usuário como aos empreendedores”.
Depois da onda empreendedora iniciada em 2012, as fintechs ganharam envergadura e agora entram na segunda onda – a de ganhar escala, competitividade e segurança jurídica dos contratos. “Daí o crescimento de aceleradoras, incubadoras, investidores, propostas de regulação e programas voltados especificamente a essas empresas”, como ressalta Marcelo Bradaschia, cofundador da consultoria Clay Innovation e do radar setorial FintechLab. A segunda onda também está levando as fintechs a buscar algum nível de sinergia com os players mais tradicionais.
Afinal, a lógica é se preparar com urgência para o imenso crescimento que está por vir. Dos US$ 313 milhões transacionados por fintechs brasileiras hoje, elas podem chegar a movimentar US$ 24 bilhões nos próximos anos, conforme projeção do Goldman Sachs. É por isso que tanto as startups existentes como as novas entrantes estão se dando conta da necessidade de amadurecer rápido.
Os players tradicionais estão sendo particularmente influenciados pela segunda onda das fintechs; buscam se aproximar dessas startups como se todas estivessem tentando virar fintechs. A motivação desse movimento parece estar bem clara também: segundo pesquisa da PwC Brasil, os profissionais de instituições financeiras acreditam que as fintechs podem lhes tirar até 24% da receita atual.
Entre as instituições da velha guarda, a ordem é “defesa!”, como nos jogos de basquete da NBA. “De um lado, os bancos podem se defender lançando produtos e serviços similares aos das startups, o que deve acontecer, mas, de outro, eles também criarão fintechs ou investirão nas existentes”, afirma Rafael Pereira, presidente da Associação Brasileira de Crédito Digital (ABCD). “Com o ecossistema mais dinâmico, as parcerias são uma resposta mais sofisticada que concorrer.”
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**A FORÇA DOS MERCADOS EMERGENTES**
O gigantesco mercado da Índia deve ser o campo de provas da WhatsApp Payments, a fintech que Mark Zuckerberg está criando com base em seu serviço de mensagens. Não à toa: os países em desenvolvimento são mais amigáveis à disrupção financeira.
Um exemplo é a fintech de seguros chinesa Zhong Na, que está preparando um IPO em Hong Kong e estima o impressionante valor de US$ 1,5 bilhão. Ela chegou lá experimentando novos nichos de mercado. Em 2013, era focada em operações tradicionais, como seguro para frete de comércio eletrônico e atrasos de voos. De repente, criou planos diferentes, como o “Watching football, drinking too much”, que, por menos de US$ 1 ao mês, cobre despesas médicas em caso de ferimentos por embriaguez. Resultado? Só com a modalidade, alcançou 535 milhões de pessoas.
A resposta a mudanças também é mais rápida em mercados emergentes, como mostra a indiana Paytm, de pagamentos digitais. O aplicativo passou anos sem a confiança dos comerciantes porque, na Índia, é costume pagar tudo em dinheiro. Até que o governo limitou pagamentos em espécie no fim de 2016. De repente, o uso do app triplicou e a Paytm captou mais de US$ 200 milhões em investimentos.
**CASOS EXEMPLARES**
Os bancos estão começando a entender que, da mesma forma que Uber, Cabify e 99 fizeram com a mobilidade nas cidades, as fintechs propõem uma verdadeira transformação digital nos serviços financeiros.
Seus gestores reconhecem isso quando, ao lado das corriqueiras remodelagens de pacotes, quebram os próprios paradigmas, como foi a extinção da necessidade de presença física para abertura de contas, possível também graças a uma resolução de 2016 do Banco Central. No Itaú-Unibanco e no BTG Pactual, por exemplo, essas movimentações já são 100% eletrônicas. Contratações e operações podem ser feitas com um simples toque na tela do smartphone.
As tradicionais cooperativas de crédito estão também adaptando seus produtos e serviços no embalo das fintechs. Com duas décadas de atuação e 3,7 milhões de cooperados, o Sicoob viu as transações digitais quase dobrarem no primeiro semestre deste ano, na comparação com o mesmo período de 2016 – 71% das operações já são totalmente digitais. Então, resolveu amplificar esse crescimento com dois aplicativos: o Faça Parte, voltado ao cooperado, e o Conta Fácil, para quem deseja uma conta simplificada.
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Os dois apps oferecem serviços de pagamento por meio da leitura automática de código de barras (ou importação de arquivos PDF), depósitos de cheques com a câmera do celular, transferências com reaproveitamento das transações recentes, consulta e navegação por Waze e Google Maps até os pontos de atendimento. “À medida que os clientes vão percebendo que as operações digitais são seguras, os serviços vão crescendo”, avalia Francisco Reposse Jr., diretor-operacional do Sicoob.
Ter a própria startup é outra resposta que os bancos vêm dando à segunda onda das fintechs. O Santander adquiriu a fintech ContaSuper, de cartões pré-pagos, relançando-a com o nome SuperDigital. O Bradesco lançou do zero a plataforma Next, que nada mais é do que uma fintech com serviços de conta-corrente, cartões e investimentos. O Banco Pottencial, sediado em Belo Horizonte, lançou também do zero o banco digital Neon, com gratuidade na taxa de manutenção de conta, que em um ano já está próximo de atingir a marca de 200 mil clientes – e mira 1 milhão até o fim de 2018.
Para entender melhor o papel dos players tradicionais na segunda onda das fintechs, vejamos em mais detalhe o caso Conglomerado Financeiro Barigui, do Paraná, braço financeiro de um grupo de mais de 60 revendas de automóveis que atua no Sul do Brasil com as marcas Fiat, Ford, Renault, Toyota, Volkswagen, Nissan, Kia e Hyundai. O conglomerado criou uma fintech como spin-off , a Bcredi, para oferecer financiamento a juros bem mais baixos que os de mercado, além de conceder maior prazo de pagamento e aprovação mais rápida – em até dez dias.
Para derrubar os juros, a Bcredi pede a garantia de um imóvel. Cobra juros a partir de 1,15% ao mês, mais infl ação medida pelo IPCA, quando o mercado pratica 4,45% ao mês, em média. Enquanto um empréstimo de R$ 750 mil seria pago em 180 parcelas de R$ 33,3 mil mensais na maioria dos bancos, na Bcredi o valor pode ser de R$ 10,8 mil ao mês.
E como a Bcredi viabiliza a velocidade? Em primeiro lugar, toda a etapa documental, feita por despachantes e por eventuais consultores, fica a cargo da empresa, não do consumidor. Além disso, ela utiliza os fundos do Grupo Barigui. “Assim, eliminamos a necessidade de terceiros no funding e aceleramos o processo”, explica Maria Teresa Fornea, cofundadora da Bcredi.
Dos 3 mil consumidores que atrai todos os meses, a Bcredi consegue analisar cerca de 180 contratos, aprovando um terço deles em média. Isso totaliza uma liberação mensal de R$ 10 milhões em crédito. “Até o ano que vem, queremos triplicar ou até quadruplicar esse volume”, acrescenta Fornea.
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**O LADO ESTRATÉGICO**
A relação mais próxima com as fintechs nessa segunda onda não é, para os players tradicionais, só um movimento de crescimento. Trata-se de uma defesa do setor ante o avanço das gigantes mundiais da tecnologia, consideradas uma ameaça ainda maior, segundo relatório do Fórum Econômico Mundial divulgado em agosto. “Empresas como Amazon e Facebook já nasceram digitais e têm alta capacidade de inovar a indústria financeira”, salienta Bradaschia, da Clay Innovation. A Amazon anunciou recentemente ter disponibilizado US$ 1 bilhão para o desenvolvimento de soluções financeiras.
Na União Europeia, uma resolução impôs aos bancos a abertura de seus sistemas a desenvolvedores a partir de 2018 – o “open banking”. O Banco do Brasil e o Original já abriram seus sistemas no País. Na segunda onda, a ameaça é imensa.