ESG
5 min de leitura

A solidão nossa de cada dia: como desaprendemos a nos conectar?

Resgatar nossas bases pode ser a resposta para enfrentar esta epidemia
Co-fundadora da Ambidestra. Consultora e mentora em estratégia, inovação e transformação organizacional.

Compartilhar:

Nos últimos anos, temos visto um fenômeno silencioso ganhando espaço nas discussões sobre saúde mental: a epidemia da solidão. No SXSW 2025 este foi, mais uma vez, um dos temas centrais. A falta de conexões humanas está se tornando um desafio urgente, não apenas para as pessoas, mas também para as empresas e para a sociedade como um todo.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera o isolamento social uma ameaça grave, associada a riscos aumentados de doenças cardiovasculares, metabólicas e mortalidade precoce. Uma pesquisa realizada pelo Instituto Gallup revelou que 24% da população mundial se declara muito ou razoavelmente sozinhos. Quando questionadas o quão conectadas as pessoas se sentem a outras pessoas, 77% do público global se sente muito ou razoavelmente conectado, enquanto, no Brasil, este índice ficou bem abaixo da média, em 55%.

Mas quando a solidão começa? Tenho um filho de 10 anos e percebo como as habilidades socioemocionais vão se desenvolvendo desde a infância. Sua capacidade de construir laços, de lidar com frustrações, de compreender o outro – tudo isso está se formando desde os primeiros anos da sua vida. Crianças aprendem a se comunicar, interagir, compartilhar, negociar e construir relações saudáveis. A escuta ativa é incentivada. A autoconsciência, ou seja, a capacidade de reconhecer emoções, compreender sentimentos e desenvolver a autoestima, vai sendo desenvolvida em casa e na escola.

A autorregulação emocional, controlar impulsos e adaptar comportamentos a diferentes situações é estimulada a partir de vários jogos cooperativos, técnicas de respiração e incentivo à resolução de
conflitos com diálogo. A tomada de decisão responsável é estruturada a partir de atividades de resolução de problemas. E ela: a famosa empatia, não deixa de existir nesta lista de habilidades essenciais para formar crianças mais resilientes e preparadas para seus desafios futuros.

No entanto, vivemos em um contexto que valoriza cada vez mais a produtividade e a hiperconectividade digital, e que parece nos afastar do essencial: o contato humano genuíno. Olhando para o mundo corporativo, encontramos um paradoxo bem parecido. Atuando consultivamente e como mentora, vejo uma crise geral de soft skills, onde competências como empatia, colaboração e comunicação estão cada vez mais escassas. Vejo empresas investindo em tecnologia, inovação e eficiência, mas muitas vezes negligenciando aquilo que torna o trabalho verdadeiramente produtivo: as relações saudáveis. Será que a raiz desse problema não está em um afastamento das nossas bases, daquilo que desenvolvemos ainda na primeira infância?

Se, no dia a dia, substituímos conversas por mensagens e, nas empresas, valorizamos mais a performance individual do que a colaboração, como esperar que adultos se sintam conectados e acolhidos? A solidão não vai ser resolvida com um novo aplicativo, um treinamento pontual ou uma política corporativa isolada. Ela é combatida com presença, com criação de espaços para interações reais e reconstruindo o tecido social em todos os níveis da vida. Talvez seja hora de lembrar o que nos torna humanos desde sempre: a nossa capacidade de estar junto, de sentir com o outro, e de criar vínculos que dão sentido à vida e nos fazem pertencer.

Compartilhar:

Co-fundadora da Ambidestra. Consultora e mentora em estratégia, inovação e transformação organizacional.

Artigos relacionados

Organização

A difícil arte de premiar sem capitular

Desde Alfred Nobel, o ato de reconhecer os feitos dos seres humanos não é uma tarefa trivial, mas quando bem-feita costuma resultar em ganho reputacional para que premia e para quem é premiado

Tecnologias exponenciais
A IA não é só para tech giants: um plano passo a passo para líderes transformarem colaboradores comuns em cientistas de dados — usando ChatGPT, SQL e 360 horas de aprendizado aplicado

Rodrigo Magnago

21 min de leitura
ESG
No lugar de fechar as portas para os jovens, cerque-os de mentores e, por que não, ofereça um exemplar do clássico americano para cada um – eles sentirão que não fazem apenas parte de um grupo estereotipado, mas que são apenas jovens

Daniela Diniz

05 min de leitura
Empreendedorismo
O Brasil já tem 408 startups de impacto – 79% focadas em soluções ambientais. Mas o verdadeiro potencial está na combinação entre propósito e tecnologia: ferramentas digitais não só ampliam o alcance dessas iniciativas, como criam um ecossistema de inovação sustentável e escalável

Bruno Padredi

7 min de leitura
Finanças
Enquanto mulheres recebem migalhas do venture capital, fundos como Moon Capital e redes como Sororitê mostram o caminho: investir em empreendedoras não é ‘caridade’ — é fechar a torneira do vazamento de talentos e ideias que movem a economia

Ana Fontes

5 min de leitura
Empreendedorismo
Desde Alfred Nobel, o ato de reconhecer os feitos dos seres humanos não é uma tarefa trivial, mas quando bem-feita costuma resultar em ganho reputacional para que premia e para quem é premiado

Ivan Cruz

7 min de leitura
ESG
Resgatar nossas bases pode ser a resposta para enfrentar esta epidemia

Lilian Cruz

5 min de leitura
Liderança
Como a promessa de autonomia virou um sistema de controle digital – e o que podemos fazer para resgatar a confiança no ambiente híbrido.

Átila Persici

0 min de leitura
Liderança
Rússia vs. Ucrânia, empresas globais fracassando, conflitos pessoais: o que têm em comum? Narrativas não questionadas. A chave para paz e negócios está em ressignificar as histórias que guiam nações, organizações e pessoas

Angelina Bejgrowicz

6 min de leitura
Empreendedorismo
Macro ou micro reducionismo? O verdadeiro desafio das organizações está em equilibrar análise sistêmica e ação concreta – nem tudo se explica só pela cultura da empresa ou por comportamentos individuais

Manoel Pimentel

0 min de leitura
Gestão de Pessoas
Aprender algo novo, como tocar bateria, revela insights poderosos sobre feedback, confiança e a importância de se manter na zona de aprendizagem

Isabela Corrêa

0 min de leitura