Estratégia e Execução

A terceira onda das empresas

A pandemia tornou os conselhos de administração mais protagonistas. Isso mudará algo? Para Fábio Colletti Barbosa, conselheiro de algumas das principais empresas brasileiras, sim. Em entrevista exclusiva, ele afirma que a Covid-19 vem acelerando o maior alinhamento dos conselhos com a geração de impacto socioambiental positivo e a inovação
Diretora-editorial na Qura Editora

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## __10. Os conselhos de administração do Brasil e do mundo estão se transformando de algum modo nesta pandemia?__

Podemos falar de duas transformações. A primeira é que os conselhos estão mais próximos dos executivos, como acontece sempre em momentos de crise ou quando há um grande investimento a ser feito, como uma aquisição. Continuam a ser os executivos que tomam as decisões, mas estes têm de alimentar o conselho mais frequentemente com as informações do que acontece e receber dele a orientação geral do que fazer. O conselho também se certifica de que os executivos estejam seguindo a orientação dada e dá respaldo a eles. Só que essa mudança é temporária. Na crise, o conselho se aproxima da gestão, mas, passada a turbulência, o conselho tem de se afastar.
A segunda mudança foi de uma espécie de fase 1 para uma fase 2 da pandemia. Na fase 1, toda a discussão era em torno de medidas de curto prazo, em dois aspectos: tratar as pessoas – nossos funcionários e a sociedade – e lidar com o caixa e a sobrevivência imediata da empresa. Perguntamos coisas como quantos funcionários ficaram doentes, se havia foco de contágio em algum lugar, como estava o fornecimento de álcool em gel em nossas instalações, como estava o nível de ansiedade – isso, nas empresas mais sofisticadas –, se podíamos antecipar o pagamento do 13º salário. Em relação à sociedade, discutimos contribuições como produzir álcool em gel, máscaras ou respiradores, ou ainda fazer doações, como o R$ 1 bilhão doado pelo Itaú Unibanco. Os conselhos viram que, quando a poeira baixar, as empresas vão ser cobradas de seu papel de cidadãs – especialmente, as maiores. Quanto ao caixa, o trabalho do board foi dirigido a maneiras de sobreviver à queda nas vendas – de 10% a 70%, dependendo do setor.
À medida que essas questões urgentes foram sendo equacionadas, começou a fase 2, de discutir o que vai acontecer depois. Estamos nela agora, e há muita divergência. Tem o pessoal que acha que vai mudar tudo, emergindo o tal “novo normal”, enquanto outros acham que as coisas vão voltar rapidamente ao que era antes, apenas com a aceleração de alguns processos, como o uso da videoconferência, redução de viagens e o trabalho remoto mais frequente. O pessoal ainda discorda sobre “isso vai durar muito ou pouco”, “vamos fazer um aperto ou não precisa”, “vamos abrir mão disso ou não”. Eu brinco que tem duas pandemias acontecendo, uma pandemia da Covid-19, e a outra é de palpiteiros.

## __9. O trabalho remoto deve ser uma prática-chave quando as coisas voltarem ao normal? Há empresas e pessoas gostando dessa ideia…__

No âmbito dos conselhos, tenho muitas dúvidas sobre se as reuniões virtuais serão um padrão daqui por diante. Essas, durante a pandemia, estão sendo bem-sucedidas, porque as pessoas já se conheciam presencialmente – existe uma inércia de um relacionamento construído e que a gente consegue otimizar. E também funciona porque todo mundo está em home office. Já participei de reunião em que algumas pessoas estavam no escritório e outras não, e aí claramente se perde eficiência. Quem está fora fica um pouco perdido, sem a leitura da linguagem corporal.
Nos conselhos, acho que a gente vai fazer um mix entre virtual e presencial. Quando o assunto não é muito objetivo, como alternativas estratégicas, a reunião virtual tem menor eficiência, porque a troca de ideias não é tão rica. Mas quando temos um assunto específico para tratar, flui bem.
Sobre o trabalho nos escritórios em geral, achar que todo mundo vai fazer home office também é bobagem, porque está cheio de gente que não gosta de ficar em casa; sair de casa para trabalhar é uma fonte de relacionamento e de aquisição de conhecimento. O provável é que não tenha mais uma solução única, e sim várias, que dependerão da função, da empresa e de cada indivíduo. Talvez algumas empresas definam trabalho presencial duas vezes por semana e o resto em casa, por exemplo.

## __8. Nas reuniões, na hora dos palpites sobre o futuro, o que você diz? __

Não faço parte da pandemia de palpiteiros – que pega o globo todo, por sinal, não só o Brasil. Enquanto muita gente está convicta de que entende o que está acontecendo e de que o próximo passo é “x”, eu fico perplexo. Mas, para não deixar de responder, acho que podem prevalecer modelos híbridos de trabalho e de consumo, havendo trabalho remoto e presencial; vendas online e presenciais. Veremos uma aceleração do processo de vendas online, acho, mas isso não substituirá os shopping centers. Sair de casa para comprar também pode ser fonte de relacionamento e conhecimento. Desde o início da pandemia, uso uma frase que continua verdadeira: “Estamos todos na mesma tempestade, mas em barcos bem diferentes”. Isso explica por que as soluções depois da tempestade tendem a ser variadas, dando origem a modelos híbridos de trabalho e de consumo.

## __7. Esta pandemia atuou como um acelerador da pauta da inovação nos conselhos?__

Categoricamente, sim. Por duas razões. Primeiro, porque é na crise que as pessoas se mexem. Ninguém gosta de mudança, sejamos sinceros. Quando vem uma chacoalhada dessas, você a nega, mas depois abre a cabeça para novas possibilidades. Um exemplo é o dono de um restaurante. Sua primeira reação deve ter sido: “Vou quebrar!”. Depois, começou o delivery.
Segundo, porque a realidade está se impondo de tal maneira que as empresas que não se dão muito bem com o e-commerce vêm sendo obrigadas a repensar sua estratégia. A sociedade e o consumo estão mudando rapidamente e, ao ver algumas empresas se saindo especialmente bem no momento, os conselheiros entenderam a mensagem e agora estão bem mais abertos à inovação.

## __6. Muita gente ainda descreve os conselhos como os lugares mais refratários a questões ambientais e sociais, e de diversidade. Continua sendo assim?__

É muito interessante o que vem ocorrendo, porque essas questões começam a ser vistas nos conselhos como uma oportunidade. Como os consumidores da nova geração crescem em número e valorizam a questão ambiental e a da solidariedade, bem como o princípio de facilitar a jornada do cliente, isso passa a ser visto como uma grande oportunidade.
Os conselheiros já falam “Tem um mundo aqui que a gente vai precisar servir – e servir bem!”. Eles percebem que as empresas estão sendo cobradas de coisas que elas nunca imaginavam ser. “Ela fez alguma doação relevante? Ela se adaptou para ajudar alguém?” O programa “Todos pela saúde”, do Itaú Unibanco, é um exemplo disso. E esse movimento se retroalimenta nos conselhos, porque é melhor trabalhar com a força da inspiração de construir um mundo melhor, do que com a força do medo.
A mesma inspiração deveria valer para a diversidade, mas isso ainda não ocorre muito no topo. Vem de baixo para cima, o que torna tudo lento. Vamos falar dos negros – abracei a causa antirracista há 20 anos, num trabalho de inclusão no Banco Real com a Unipalmares. Já ficou claro, em escolas e empresas que fizeram inclusão, que não há problema de desempenho, e sim falta de oportunidades. A inspiração é: diversidade é bom para as empresas. Um board com pessoas com formações diferentes e histórias diversas tem discussões mais ricas e melhora a qualidade da decisão.

## __5. Você é conselheiro da Natura, que é percebida como uma empresa que olha para as externalidades que produz. Mas também atua em mineradora e banco, consideradas “vilãs”. Mais conselhos vêm abordando externalidades?__

Isso varia, mas a frequência vem aumentando. As pessoas veem as águas limpas de Veneza e percebem que há um caminho para a mudança, que “dá para fazer”. Tenho observado o seguinte impulso: “Já que mudaremos algumas coisas mesmo, vamos focar esse problema e ver se a gente resolve?”. Outro fator é que o dinheiro está mudando de mãos, para gerações mais novas, com mais consciência ambiental, social, ética e cidadã. Esses jovens têm uma visão muito mais crítica, e isso está levando as empresas a reconhecer o papel social que lhes cabe – sem abrir mão da lucratividade, é claro. Conversas sobre deixar um rastro positivo na sociedade já vinham acontecendo, sim, não só na Natura, e agora isso tende a se acelerar, porque a cobrança é cada vez maior.
Note que o ocorrido na pandemia foi o contrário do previsto na sabedoria popular, segundo a qual “quando a coisa aperta, as empresas só querem saber do dinheiro”. Como as empresas estão sendo julgadas pelo que fizeram há cinco ou dez anos com a régua de hoje, estamos entendendo a questão maior. Sei do caso de um terreno que foi alugado por 30 anos para um posto de gasolina que fazia lavagem de caminhões e contaminou o solo com diesel. Quando foi devolver o terreno, o locatário não quis pagar a descontaminação, porque, quando lavou caminhões, a atividade era legal. Mas ele é julgado por isso. Percebe a lógica?

## __4. Nas várias crises que o País vive atualmente – a sanitária, a econômica e a política, entre outras –, não anda faltando protagonismo ao empresariado brasileiro? __

Sempre que é necessária uma mobilização, os empresários e executivos estão lá, trabalhando com o poder executivo ou legislativo. Tanto com uma visão defensiva, de evitar problemas, como com uma propositiva, de gerar oportunidades. Mas a participação ocorre nos canais competentes, que são os fóruns adequados mesmo. As empresas não atuam nas redes sociais, que fazem muito barulho, mas ficam meio à parte dessas coisas mais objetivas. Tem uma frase de Ralph Waldo Emerson que é o norte da minha vida: “Suas atitudes falam tão alto que eu não consigo ouvir o que você diz”. Acho que a materialização dessa frase vai um pouco de encontro às redes sociais. Não levo a sério pessoas que ficam criticando empresas petrolíferas, mas não trocaram seu carro por bicicleta, ou por um carro elétrico. Prefiro ações de consumo consciente, tanto que gosto muito do trabalho do Instituto Akatu nessa linha. Em vez de falar na rede social, melhor é o consumidor dar o recado com a atitude de comprar ou não comprar.
Agora, sua pergunta me deu a sensação de haver uma unanimidade entre os empresários com relação aos rumos a serem tomados e que eles não estão atuando o suficiente em prol disso. É importante entender que não há essa unanimidade.

## __3. O desgaste que o Brasil vem sofrendo internacionalmente preocupa os conselheiros? Ele é reversível?__

Há uma demonização exagerada do Brasil, no mundo e no próprio Brasil. Existe um dano com relação à imagem do Brasil, é grande, mas não é irreversível. E cito duas razões para isso. Primeira razão: a imagem está pior do que a realidade. Por exemplo, a agricultura brasileira que destrói florestas representa uma pequena parcela. Boa parte dos produtores é muito responsável em termos de sustentabilidade, com muita tecnologia e humanização, com equipamentos de proteção ambiental. Agora, há o trabalho de mostrar que as coisas funcionam aqui e podem funcionar ainda melhor. E de convidar: “Vamos trabalhar juntos”.
Fora isso, tem muito dinheiro no mundo. A liquidez é tanta que os investidores precisam por esse dinheiro para rodar, e o Brasil é um destino.

## __2. Levando tudo isso em consideração, você acha que o mundo pós-pandemia será melhor ou pior?__

Quero crer que a gente vai fazer mudanças que podem tornar a sociedade melhor, mas se recusará a mudar aquilo que tem um caráter inclusivo. Não adianta insistir, acho; as aglomerações vão continuar, porque a sociedade é gregária. Já as viagens serão revistas, em especial as de negócios. Na Europa já se discute que viagens curtas devem ser feitas em trens elétricos, não em avião, pelo impacto ambiental. O alerta que esta pandemia nos deu, relativo aos riscos do meio ambiente, foi muito importante.
Quanto às empresas, penso que veremos empresas de terceira onda. A de primeira onda foca em fazer tudo certo, a segunda trata de não deixar impacto negativo e a terceira busca ainda causar impacto positivo, investindo ativamente nisso. Quer exemplos de questionamentos próprios da nova onda? Não é melhor você abrir uma rede de empórios na periferia do que abrir um supermercado de luxo? Não é melhor construir um barco de pesca em vez de um iate?

## __1. Está ficando mais fácil ser um “executivo verde” aqui? Você é uma voz mais ouvida hoje?__

Há 20 anos, eu era uma voz solitária no Brasil. Éramos poucos: eu, Guilherme Leal, Pedro Passos, Luís Seabra etc. Eu era chamado de “banqueiro verde”, numa tentativa de ridicularizar quem “pensava nessas bobagens”. Hoje em dia, ninguém acha bobagem, porque a sociedade está ficando muito transparente. Alguns ainda podem ridicularizar o assunto, mas, seja por conveniência, seja por constrangimento, não o fazem publicamente. A turma da convicção ainda é pequena – eu chutaria cerca de 20% a 25% . Só que, 10 a 15 anos atrás, éramos uns 5%, então ficou mais fácil. A questão social também avançou: tem gente que ignora a pessoa que traz a água a uma reunião, nem agradece. Mas isso tem ficado mais raro, porque os outros reparam – e pega mal. De novo, as pessoas melhoram por convicção, conveniência ou constrangimento, mas melhoram.
Objetivamente, às vezes, sou muito ouvido. Outras vezes, meio colocado de lado. Mas jamais sou ignorado. Está bom, vamos continuar assim.

PMEs também em evolução

Nos 15 anos em que presidiu o Banco Real (depois Santander), entre 1996 e 2011, Fábio Barbosa se lembra de observar um discurso frequente no meio empresarial: “No Brasil, se cumprir todas as obrigações legais, você não consegue sobreviver”. Segundo ele, a ideia de montar um negócio baseado no fato de que não é possível pagar todos os impostos é algo que não poderia existir em país algum do mundo, mas essa crença existiu no Brasil – e por muito tempo.
Para alguns, as pequenas e médias empresas ainda acreditam nisso e não teriam chegado à primeira onda citada nesta entrevista. Mas Barbosa, como presidente do conselho da Endeavor Brasil, entidade que acelera empreendedores, diz que estas sofrem cada vez mais cobranças, incluindo de segunda onda. A Endeavor é uma instituição que só apoia empresas que façam tudo certo, exigindo boas práticas, transparência, auditoria e rigor no cumprimento das normas. “As empresas que não atendem a essas exigências são excluídas do processo de aceleração”, como explica Barbosa.

Bom marinheiro

“Um bom marinheiro você conhece quando o vento bate contra, não é?! Porque, quando o vento bate a favor, todo marinheiro parece bom.” Esse é um dos lemas de Fábio Colletti Barbosa, e vale tanto para o desempenho de um líder como para seu comportamento ético. Hoje, além de não se assustar com o efeito da pandemia nos negócios, mantém a coerência de ativista de empresas socialmente responsáveis. Barbosa não esconde a influência que teve sobre ele uma conversa com o economista francês Thomas Piketty segundo o qual faz parte do capitalismo o dinheiro ir para quem tem dinheiro, não para quem trabalha, nem disfarça a convicção de que a raiz da má distribuição de renda é a má distribuição de educação.

Atualmente, Barbosa ajuda a navegar dez barcos– e o aprendizado em um melhora o outro: cinco de negócios e cinco de organizações sem fins lucrativos. De um lado, participa dos conselhos de administração das empresas Natura, Itaú Unibanco, CBMM e Hering e é sócio-conselheiro da Gávea Investimentos. De outro, preside o conselho da Endeavor Brasil, já citada, e é membro dos boards de Fundação Itaú para Educação e Cultura, Fundação Maria Cecília Souto Vidigal (voltada a projetos para a primeira infância), Centro de Liderança Pública (CLP) e, por fim, Fundação das Nações Unidas. Esta foi criada para destinar às causas humanitárias, em coordenação com a ONU, as doações de bilionários globais.

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