Em março, quando a SEC, a comissão de valores mobiliários norte-americana, anunciou que Elizabeth Holmes e sua empresa, a Theranos, cometeram fraude, Jina Choi, diretora da regional de San Francisco da agência reguladora, foi categórica: “A história da Theranos deixa uma lição importante para o Vale do Silício”.
Segundo Choi, “inovadores que buscam revolucionar um setor de atividade devem contar aos investidores a verdade sobre o que sua tecnologia é capaz de fazer hoje, não apenas dizer o que esperam que ela faça algum dia”.
A tecnologia da Theranos surgiu no mercado como algo espetacular, digno dos filmes de ficção científica. Por fim, porém, não passava de uma fantasia malsucedida. A ideia era disponibilizar um aparelho portátil capaz de realizar um grande número de exames a partir de algumas gotas de sangue colhidas na ponta do dedo da pessoa. A coleta seria rápida e indolor e os resultados, quase imediatos.
Com a ideia, Elizabeth Holmes conseguiu atrair investidores e levantou cerca de US$ 1 bilhão para sua startup, que chegou a ser avaliada em US$ 9 bilhões. Ela se tornou uma celebridade e foi até mesmo comparada a Steve Jobs. Agora, além de ter de devolver US$ 700 milhões aos investidores, foi denunciada pela promotoria de San Francisco e pode ser condenada a 20 anos de prisão.
A derrocada da Theranos começou com a publicação de reportagens do Wall Street Journal, assinadas por John Carreyrou. Duas vezes vencedor do Prêmio Pulitzer de jornalismo, ele demonstrou que o equipamento não funcionava como prometido e que os poucos resultados obtidos eram imprecisos e até mesmo distorcidos.
**BASTIDORES DA STARTUP**
Carreyrou resolveu contar os bastidores da ascensão e queda de Elizabeth Holmes no livro Bad blood: secrets and lies in a Silicon Valley startup, tendo como pano de fundo a pergunta “Como a Theranos pôde conseguir tanto sucesso mesmo sem evidências da eficácia de sua tecnologia?”.
O jornalista explica que Elizabeth Holmes se beneficiou, em parte, da cultura do Vale do Silício, que consiste em aceitar que os empreendedores “vendam”, aos investidores e ao público, qualidades de seus produtos e serviços bem antes de estarem prontos para comprovar sua eficácia. A prática do MVP (produto minimamente viável, na sigla em inglês) já funcionou muitas vezes, como no caso do software Oracle, que teve muitos “bugs” resolvidos após o lançamento, a partir da experiência dos clientes.
Carreyrou faz uma ressalva a essa explicação, porém, que destacou em entrevista ao podcast da Knowledge@Wharton. A diferença é que o MVP de Holmes “era um equipamento médico do qual profissionais e pacientes dependeriam para tomar importantes decisões de saúde”. Além disso, argumentou, “a escala e a frequência das inverdades no caso de Holmes foi bem maior do que costuma ser”.
Outra questão abordada por Carreyrou foi o fato de aTheranos ter conseguido financiamento de pessoas proeminentes do mundo dos negócios. Nesse caso, ele faz uma distinção entre dois tipos de investidores: os que aderiram cedo ao projeto, quando Elizabeth Holmes tinha acabado de largar a faculdade, e os que chegaram após setembro de 2013.
Os primeiros estavam conscientes do fato de que a empreendedora estava tentando implementar sua visão, com todos os riscos inerentes a esse esforço. “Apenas uma pequena porcentagem das startups consegue sobreviver. Por isso, não diria que esses investidores iniciais foram enganados”, comenta o jornalista.
O mesmo, ressalta Carreyrou, não se pode afirmar dos investidores que chegaram em 2013. “Eles foram ‘fisgados’ por Elizabeth Holmes e seu namorado, Sunny Balwani, que era o número dois na empresa. O casal disse a esses investidores que o produto existia e funcionava”, lembra o jornalista.
Na avaliação de Carreyrou, quando a Theranos recorreu ao fato de já estar fazendo exames de sangue nas pessoas com seu equipamento para convencer potenciais investidores, cruzou a linha da legalidade para entrar no campo da fraude – financeira, de um lado, e contra médicos e pacientes, de outro.
“Por que tanta gente embarcou no projeto? Como não perceberam o que acontecia?”, perguntou-se Carreyrou. Para o premiado jornalista, a personalidade de Elizabeth Holmes, “uma mulher inteligente e notável”, foi um fator decisivo.
“Um traço que Elizabeth Holmes compartilha com seu ídolo, Steve Jobs, é uma certa distorção da realidade. Ela olhava para você com aqueles grandes olhos azuis, e tinha uma habilidade única de não piscar. Isso a tornava ainda mais hipnotizante. Ela parecia genuinamente apaixonada pela ideia de transformar o mundo e a medicina diagnóstica. E tinha uma voz profunda. Isso tudo fazia as pessoas acreditarem nela e quererem apoiá-la”, concluiu Carreyrou.