Gestão de Pessoas

A tirania da produtividade

Num ritmo desenfreado em defesa da produtividade, cultivamos a exaustão e colhemos os frutos de inúmeros transtornos mentais; algumas empresas, contudo, estão descartando essa lógica e oxigenando o mercado

Daniela Diniz

Jornalista, com MBA em Recursos Humanos, acumula mais de 20 anos de experiência profissional. Trabalhou...

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Quase um ano e meio após experimentarmos novas formas de trabalhar, passamos a ser submetidos a um novo tipo de fiscalização: a da produtividade. A necessidade de nos provarmos o tempo todo tanto, ou de sermos mais eficientes do que no passado, tem atormentado muitos profissionais que, de uma hora para outra, foram obrigados a criar suas próprias disciplinas para encaixar, de forma harmônica, tudo aquilo que a pandemia juntou de forma caótica: casa, marido, mulher, filhos, pets, cozinha, reunião, equipe, banho, exercício, lazer e sono.

No entanto, um simples spoiler da vida real revela que não é possível ver tudo funcionar ao redor de forma harmoniosa o tempo todo. Um pratinho sempre vai cair e, tudo bem, desde que ele não machuque ninguém.

O problema é que somos influenciados pelas pesquisas e workaholics da nova era, que exibem indicadores e rotinas produtivas, a acreditar que se não estamos dando conta do recado é porque alguma coisa está errada. E a culpa é nossa e não do mundo, claro.

A patrulha da produtividade impera nas mídias e nas falas de muitos líderes que amam ressaltar como tiveram ganhos em eficiência ao colocar parte ou todo time para trabalhar de casa. Vários estudos nos últimos meses têm buscado apontar que a produtividade de quem trabalha de forma remota é maior de quem trabalha presencialmente.

## Looping da exaustão

Um dos estudos, desenvolvido pela Stanford com 16 mil trabalhadores durante nove meses, revelou que trabalhar em casa aumenta a produtividade em 13%. Este aumento de desempenho ocorreu por causa de um número maior de chamadas por minutos. Essas chamadas são atribuídas a um ambiente de trabalho mais silencioso e mais conveniente, além de acumular mais minutos de trabalho por turno, devido à diminuição dos períodos de pausa e dias de licença médica.

A conclusão soa, no mínimo, alarmante: mais minutos de trabalho, menos pausa, menos médico. É como se entrássemos numa avalanche de tarefas e compromissos emendando turnos e negligenciando os respiros. E pior: [estamos vendo vantagens nesse looping eterno](https://www.revistahsm.com.br/post/ate-quando-os-cansados-serao-exaltados). Contudo, vejo pelo menos duas consequências catastróficas para esse ritmo que parece ser louvado por muitos no momento.

A primeira delas é o desinteresse e consequente desengajamento pelo trabalho. No lugar de fonte de realização, o trabalho passa a ser motivo de desespero. É nessa hora que identificamos fuga de talentos, mesmo num cenário de desemprego como o que vivemos.

Há empresas relatando aumento de turnover voluntário sem entender muito bem como isso é possível num país onde a taxa de desemprego em 14,7% acaba de atingir novo recorde. Uma das explicações possíveis é essa: à medida que o trabalho vira fonte de estresse e consome todas as outras atividades da vida, ele deixa de fazer sentido, forçando a busca por outros lugares ou alternativas de trabalho.

Uma recente pesquisa da EY com mais de 16.200 funcionários em todo mundo descobriu que mais da metade consideraria abandonar o emprego após a pandemia se não fosse oferecida flexibilidade suficiente sobre onde e quando trabalham.

### Transtornos de saúde mental

A segunda consequência já vem sendo observada com mais atenção: o impacto do trabalho sem diversão e sem pausa na saúde mental dos profissionais. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) ao menos 18,6 milhões de brasileiros (cerca de 9% da população), sofrem de algum transtorno de ansiedade.

Uma pesquisa realizada pelo Ministério da Saúde no final de 2020 detectou ansiedade em 86,5% dos indivíduos pesquisados, transtorno de estresse pós-traumático em 45,5% e depressão grave em 16% dos participantes do estudo. Uma outra pesquisa do instituto Ipsos, encomendada pelo Fórum Econômico Mundial, revelou que 53% dos brasileiros declararam que seu bem-estar mental piorou um pouco ou muito no último ano. E por aí vai.

O que não faltam são dados e estudos mostrando que, dentre outros fenômenos que a pandemia catalisou, a [saúde mental dos trabalhadores](https://www.revistahsm.com.br/dossie/saude-mental-nas-empresas) foi um dos mais afetados. E não precisamos fazer contas para saber que profissionais doentes não rendem e estão longe de ser símbolos dessa produtividade tão alardeada pelos entusiastas do trabalho sem limites.

## Empresas que navegam na contramão

Algumas empresas já perceberam esses sinais. Começamos a observar casos pontuais de companhias monitorando mais o descanso do que o trabalho, na contramão do enredo pregado no início da pandemia. Dentre as melhores empresas para trabalhar, percebemos uma [preocupação crescente](https://mitsloanreview.com.br/post/autocuidado-nao-e-skincare-e-ambiente-seguro) em diminuir reuniões, fixar horários de almoço, criar “feriados institucionais”, ceder dias de folga, encurtar jornadas às sextas-feiras e proibir a emenda de reuniões.

Essas empresas que já perceberam que a nova ordem do trabalho exige mais flexibilidade e menos autoridade e que o melhor indicador não é o de produção, mas o de confiança. A frase “quero trabalhar para viver (e viver bem), e não viver para trabalhar” nunca fez tanto sentido como hoje. As empresas que não entenderem isso correm o sério risco de perder seus melhores profissionais – seja pela fadiga ou pelo próprio mercado.

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