Gestão de Pessoas

A tirania da produtividade

Num ritmo desenfreado em defesa da produtividade, cultivamos a exaustão e colhemos os frutos de inúmeros transtornos mentais; algumas empresas, contudo, estão descartando essa lógica e oxigenando o mercado
Jornalista, com MBA em Recursos Humanos, acumula mais de 20 anos de experiência profissional. Trabalhou na Editora Abril por 15 anos, nas revistas Exame, Você S/A e Você RH. Ingressou no Great Place to Work em 2016 e, desde Janeiro de 2023 faz parte do Ecossistema Great People, parceiro do GPTW no Brasil, como diretora de Conteúdo e Relações Institucionais. Faz palestras em todo o País, traçando análises históricas e tendências sobre a evolução nas relações de trabalho e seu impacto na gestão de pessoas. Autora dos livros: *Grandes líderes de lessoas*, *25 anos de história da gestão de pessoas* e *Negócios nas melhores empresas para trabalhar*, já visitou mais de 200 empresas analisando ambientes de trabalho.

Compartilhar:

Quase um ano e meio após experimentarmos novas formas de trabalhar, passamos a ser submetidos a um novo tipo de fiscalização: a da produtividade. A necessidade de nos provarmos o tempo todo tanto, ou de sermos mais eficientes do que no passado, tem atormentado muitos profissionais que, de uma hora para outra, foram obrigados a criar suas próprias disciplinas para encaixar, de forma harmônica, tudo aquilo que a pandemia juntou de forma caótica: casa, marido, mulher, filhos, pets, cozinha, reunião, equipe, banho, exercício, lazer e sono.

No entanto, um simples spoiler da vida real revela que não é possível ver tudo funcionar ao redor de forma harmoniosa o tempo todo. Um pratinho sempre vai cair e, tudo bem, desde que ele não machuque ninguém.

O problema é que somos influenciados pelas pesquisas e workaholics da nova era, que exibem indicadores e rotinas produtivas, a acreditar que se não estamos dando conta do recado é porque alguma coisa está errada. E a culpa é nossa e não do mundo, claro.

A patrulha da produtividade impera nas mídias e nas falas de muitos líderes que amam ressaltar como tiveram ganhos em eficiência ao colocar parte ou todo time para trabalhar de casa. Vários estudos nos últimos meses têm buscado apontar que a produtividade de quem trabalha de forma remota é maior de quem trabalha presencialmente.

## Looping da exaustão

Um dos estudos, desenvolvido pela Stanford com 16 mil trabalhadores durante nove meses, revelou que trabalhar em casa aumenta a produtividade em 13%. Este aumento de desempenho ocorreu por causa de um número maior de chamadas por minutos. Essas chamadas são atribuídas a um ambiente de trabalho mais silencioso e mais conveniente, além de acumular mais minutos de trabalho por turno, devido à diminuição dos períodos de pausa e dias de licença médica.

A conclusão soa, no mínimo, alarmante: mais minutos de trabalho, menos pausa, menos médico. É como se entrássemos numa avalanche de tarefas e compromissos emendando turnos e negligenciando os respiros. E pior: [estamos vendo vantagens nesse looping eterno](https://www.revistahsm.com.br/post/ate-quando-os-cansados-serao-exaltados). Contudo, vejo pelo menos duas consequências catastróficas para esse ritmo que parece ser louvado por muitos no momento.

A primeira delas é o desinteresse e consequente desengajamento pelo trabalho. No lugar de fonte de realização, o trabalho passa a ser motivo de desespero. É nessa hora que identificamos fuga de talentos, mesmo num cenário de desemprego como o que vivemos.

Há empresas relatando aumento de turnover voluntário sem entender muito bem como isso é possível num país onde a taxa de desemprego em 14,7% acaba de atingir novo recorde. Uma das explicações possíveis é essa: à medida que o trabalho vira fonte de estresse e consome todas as outras atividades da vida, ele deixa de fazer sentido, forçando a busca por outros lugares ou alternativas de trabalho.

Uma recente pesquisa da EY com mais de 16.200 funcionários em todo mundo descobriu que mais da metade consideraria abandonar o emprego após a pandemia se não fosse oferecida flexibilidade suficiente sobre onde e quando trabalham.

### Transtornos de saúde mental

A segunda consequência já vem sendo observada com mais atenção: o impacto do trabalho sem diversão e sem pausa na saúde mental dos profissionais. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) ao menos 18,6 milhões de brasileiros (cerca de 9% da população), sofrem de algum transtorno de ansiedade.

Uma pesquisa realizada pelo Ministério da Saúde no final de 2020 detectou ansiedade em 86,5% dos indivíduos pesquisados, transtorno de estresse pós-traumático em 45,5% e depressão grave em 16% dos participantes do estudo. Uma outra pesquisa do instituto Ipsos, encomendada pelo Fórum Econômico Mundial, revelou que 53% dos brasileiros declararam que seu bem-estar mental piorou um pouco ou muito no último ano. E por aí vai.

O que não faltam são dados e estudos mostrando que, dentre outros fenômenos que a pandemia catalisou, a [saúde mental dos trabalhadores](https://www.revistahsm.com.br/dossie/saude-mental-nas-empresas) foi um dos mais afetados. E não precisamos fazer contas para saber que profissionais doentes não rendem e estão longe de ser símbolos dessa produtividade tão alardeada pelos entusiastas do trabalho sem limites.

## Empresas que navegam na contramão

Algumas empresas já perceberam esses sinais. Começamos a observar casos pontuais de companhias monitorando mais o descanso do que o trabalho, na contramão do enredo pregado no início da pandemia. Dentre as melhores empresas para trabalhar, percebemos uma [preocupação crescente](https://mitsloanreview.com.br/post/autocuidado-nao-e-skincare-e-ambiente-seguro) em diminuir reuniões, fixar horários de almoço, criar “feriados institucionais”, ceder dias de folga, encurtar jornadas às sextas-feiras e proibir a emenda de reuniões.

Essas empresas que já perceberam que a nova ordem do trabalho exige mais flexibilidade e menos autoridade e que o melhor indicador não é o de produção, mas o de confiança. A frase “quero trabalhar para viver (e viver bem), e não viver para trabalhar” nunca fez tanto sentido como hoje. As empresas que não entenderem isso correm o sério risco de perder seus melhores profissionais – seja pela fadiga ou pelo próprio mercado.

*Gostou do texto do Daniela Diniz? Saiba mais sobre gestão de pessoas assinando [nossas newsletters](https://www.revistahsm.com.br/newsletter) e escutando [nossos podcasts](https://www.revistahsm.com.br/podcasts) em sua plataforma de streaming favorita.*

Compartilhar:

Artigos relacionados

Calendário

Não, o ano ainda não acabou!

Em meio à letargia de fim de ano, um chamado à consciência: os últimos dias de 2024 são uma oportunidade valiosa de ressignificar trajetórias e construir propósito.

Empreendedorismo
Um guia para a liderança se antecipar às consequências não intencionais de suas decisões

Lilian Cruz e Andréa Dietrich

4 min de leitura
ESG
Entre nós e o futuro desejado, está a habilidade de tecer cada nó de um intricado tapete que une regeneração, adaptação e compromisso climático — uma jornada que vai de Baku a Belém, com a Amazônia como palco central de um novo sistema econômico sustentável.

Bruna Rezende

5 min de leitura
ESG
Crescimento de reclamações à ANS reflete crise na saúde suplementar, impulsionada por reajustes abusivos e falta de transparência nos planos de saúde. Empresas enfrentam desafios para equilibrar custos e atender colaboradores. Soluções como auditorias, BI e humanização do atendimento surgem como alternativas para melhorar a experiência dos beneficiários e promover sustentabilidade no setor.
4 min de leitura
Finanças
Brasil enfrenta aumento de fraudes telefônicas, levando Anatel a adotar medidas rigorosas para proteger consumidores e empresas, enquanto organizações investem em tecnologia para garantir segurança, transparência e uma comunicação mais eficiente e personalizada.

Fábio Toledo

4 min de leitura
Finanças
A recente vitória de Donald Trump nos EUA reaviva o debate sobre o protecionismo, colocando em risco o acesso do Brasil ao segundo maior destino de suas exportações. Porém, o país ainda não está preparado para enfrentar esse cenário. Sua grande vulnerabilidade está na dependência de um número restrito de mercados e produtos primários, com pouca diversificação e investimentos em inovação.

Rui Rocha

0 min de leitura
Finanças
O Revenue Operations (RevOps) está em franca expansão global, com estimativa de que 75% das empresas o adotarão até 2025. No Brasil, empresas líderes, como a 8D Hubify, já ultrapassaram as expectativas, mais que dobrando o faturamento e triplicando o lucro ao integrar marketing, vendas e sucesso do cliente. A Inteligência Artificial é peça-chave nessa transformação, automatizando interações para maior personalização e eficiência.

Fábio Duran

3 min de leitura
Empreendedorismo
Trazer os homens para a discussão, investir em ações mais intencionais e implementar a licença-paternidade estendida obrigatória são boas possibilidades.

Renata Baccarat

4 min de leitura
Uncategorized
Apesar de ser uma ferramenta essencial para o desenvolvimento de colaboradores, o Plano de Desenvolvimento Individual (PDI) vem sendo negligenciado por empresas no Brasil. Pesquisa da Mereo mostra que apenas 60% das companhias avaliadas possuem PDIs cadastrados, com queda no engajamento de 2022 para 2023.

Ivan Cruz

4 min de leitura
Tecnologias exponenciais
A inteligência artificial (IA) está revolucionando o mundo dos negócios, mas seu avanço rápido exige uma discussão sobre regulamentação. Enquanto a Europa avança com regras para garantir benefícios éticos, os EUA priorizam a liberdade econômica. No Brasil, startups e empresas se mobilizam para aproveitar as vantagens competitivas da IA, mas aguardam um marco legal claro.

Edmee Moreira

4 min de leitura
ESG
A gestão de riscos psicossociais ganha espaço nos conselhos, impulsionada por perdas estimadas em US$ 3 trilhões ao ano. No Brasil, a atualização da NR1 exige que empresas avaliem e gerenciem sistematicamente esses riscos. Essa mudança reflete o reconhecimento de que funcionários saudáveis são mais produtivos, com estudos mostrando retornos de até R$ 4 para cada R$ 1 investido

Ana Carolina Peuker

4 min de leitura