Dossiê HSM
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A urgência dos próximos 25 anos

Podemos contar duas histórias diferentes até 2050, envolvendo a sociedade e a economia: uma de colapso, outra de transformação. Em ambas, teremos de lidar com consequências das decisões tomadas, principalmente nos próximos oito anos

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As histórias que contamos sobre o futuro encaixam-se sempre em uma de quatro categorias. Ou contamos histórias em que as mudanças no presente continuaram acontecendo e acabaram gerando resultados maiores do que temos hoje, ou então contamos como essas mudanças serão contidas por forças internas e externas. Também contamos histórias de como essas novidades do hoje criarão uma quebra dramática e abrupta no sistema amanhã, e contamos ainda como mudanças no presente se conectarão de forma sem precedentes, criando um novo sistema.

Quando fazemos um exercício sério de prospectiva estratégica, é fundamental contarmos todas essas quatro histórias e fazê-las igualmente críveis e engajadoras, sob pena de nos tornarmos cegos para ameaças e oportunidades em vista de nossos vieses. Mas a humanidade está em uma encruzilhada. Mudanças climáticas e a catástrofe ambiental estreitaram significativamente o cone das possibilidades, a tal ponto que somente nos resta contar duas histórias sobre o mundo em 2050: a história do colapso e a história da transformação.

## A história do crescimento
Crescimento é até possível, mas não é viável. Acreditar na narrativa do progresso constante e infinito que pauta reuniões de acionistas e marca as estratégias das empresas é, no mínimo, ingênuo e cada vez mais eticamente condenável.
A história do crescimento é a história do aumento da desigualdade, da hipervigilância tecnológica, da automação e privatização do poder, do aprofundamento da crise climática e da fuga dos bilionários para comunidades isoladas até em outros planetas. Sustentabilidade não é sustentável no longo prazo. Compensar emissões de carbono, reduzir uso de plásticos, migrar a matriz energética para fontes verdes, entre tantas outras medidas sustentáveis, são ações que deveriam ter sido tomadas no fim dos anos 1970, quando da publicação de Os Limites do Crescimento. Hoje, sustentabilidade significa tentar empatar o jogo aos 44 minutos do segundo tempo do 7×1 climático.

Colapso, no entanto, é extremamente plausível. Basta nada ser feito e facilmente atingiremos entre 2,5°C e 3°C de aumento na temperatura da Terra. Mas é importante entender três coisas:

1. Esse número não significa que um domingo de sol no Rio registrará 43°C ou que o inverno em São Paulo será menos frio. O aumento da temperatura média na Terra amplifica exponencialmente a potência e a frequência de temperaturas e eventos extremos em diferentes geografias. Em 2050, “tempestades da década” acontecerão todo mês e “secas do século” se tornarão características permanentes do clima.
2. O colapso não é o apocalipse. Continuaremos vivendo e operando (por algum tempo), mas em sofrimento constante.
3. Para além do drama humano e ambiental, o colapso climático destruirá a economia brasileira, uma vez que suas bases estão localizadas em geografias e atividades extremamente sensíveis.

No cenário de colapso, as reservas de água da Cantareira estarão permanentemente, irrecuperavelmente, esgotadas. Os dois aeroportos que servem à capital paulista frequentemente serão fechados, sem teto para operar. O capital industrial e humano do Sudeste se refugiará em massa para centros urbanos climaticamente menos extremos. Os litorais estarão condenados. Cidades como Rio de Janeiro e Fortaleza perderão suas praias e portos graças ao avanço e à turbulência do mar. O calor constantemente acima dos 45°C tornará impossível trabalhar na rua durante o dia, fazendo com que várias atividades, como construção civil, tornem-se exclusivamente noturnas. Na região central do País, as temperaturas médias subirão até 5,5°C acima das atuais, tornando o agronegócio totalmente inviável.

## A história da transformação
No entanto, há uma outra história possível e bastante plausível. O problema é que ela é igualmente dramática e mexe profundamente nas bases da sociedade tal qual a entendemos hoje – em particular, no paradigma econômico do mundo. O cenário de transformação precisará de esforço e coordenação. Inovação em um sentido amplo e profundo. E tempo.

Criar novos sistemas requer uma geração para experimentar, aprender e aperfeiçoar. Dado que o relógio do colapso está bem perto da meia-noite, os próximos oito anos serão cruciais para a civilização humana. A boa notícia é que vários desses experimentos já começaram. Vemos sinais de mudança – que ainda são muito pequenos – na geografia e na escala, mas que contêm grande potencial para abrir novos futuros. A má notícia é que várias dessas inovações irão causar turbulência no percurso e mudarão a forma como nos relacionaremos no futuro.
Ao longo dos próximos anos, ficará evidente que as tentativas de tutelar a natureza e gerenciar os impactos da economia no meio ambiente tendem sempre ao fracasso. Formas radicais de reverter o colapso climático serão implementadas para segurar o aquecimento global em “apenas” 1,5°C.

## Pessoas ambientais
Em 2050, a governança da maioria dos ecossistemas será devolvida para os próprios ecossistemas, que, por intermédio de novos modelos de governança – suportados ou não por tecnologias emergentes –, farão com que pessoas ambientais sejam comuns. Rios, florestas e até mesmo árvores e polinizadores serão culturalmente enxergados como indivíduos e legalmente entendidos como cidadãos com direitos inalienáveis. Da mesma forma que pessoas jurídicas se diferenciam de pessoas físicas por representar a governança de um conjunto de interesses abstratos, haverá indivíduos não humanos representando os interesses de ecossistemas inteiros. O Rio São Francisco processará o Estado brasileiro argumentando que as hidrelétricas em seu curso tolhem seu direito de fluir naturalmente. Cidades como Recife incluirão árvores e abelhas à lista de cidadãos, para fins de planejamento urbano e políticas públicas. Até mesmo animais domésticos contarão com contratos claros estabelecendo sua relação com famílias. Nesse futuro transformador, a natureza deixará de ser uma fonte de recursos para ser stakeholder, parceiro, cliente ou concorrente de empreendimentos humanos.

Nesse contexto, empresas são extremamente diferentes. Contratos com a natureza exigirão que novos empreendimentos obedeçam aos ciclos naturais de crescimento, desenvolvimento e morte em seus planos de negócios. Circularidade de matérias-primas não será um diferencial de sustentabilidade, mas uma necessidade econômica para driblar fornecedores naturais cada vez mais exigentes – e um público cada vez mais sensível. Mais que isso, os negócios de 2050 serão regenerativos. A maioria dos produtos e serviços terá como efeito colateral restituir uma parte do que foi perdido nos últimos séculos. De sabonetes cujas espumas contêm probióticos capazes de devorar a poluição nos rios, a construtoras de corais, fábricas de captura de carbono e firmas de resselvagenização de geografias.

Há óbvios perdedores nesse futuro transformador. Praticamente todos os negócios atuais não cabem nessa perspectiva. Leis, modelos de governança e relações de consumo atuais não são compatíveis com esse cenário. A crise climática, no entanto, estreitou o cone de nossas possibilidades. Se esse futuro de transformação não for perseguido – e boa parte dele alcançada –, é possível que só nos reste o colapso. E no colapso, as condições serão infinitamente piores.

Os novos modelos de investimentos corporativos para o futuro

Por Carolina da Costa e Marcelo Orticelli
Relações humanas e desenvolvimento socioeconômico mudam a equação

Os últimos 25 anos foram marcados por avanços tecnológicos exponenciais que alteraram relações humanas e dinâmicas de trabalho, mercado e consumo. O crescimento econômico que se seguiu sobrevalorizou a tecnologia como principal motor de prosperidade. Ao frear essa lógica de crescimento, a pandemia revelou uma pobreza acumulada em outras dimensões: propósito de vida, cuidado com o humano e com o planeta, saúde integral. O fortalecimento da agenda ESG é um chamado para incluir essas dimensões negligenciadas em nossa equação de prosperidade futura.

Ainda que as agendas ambiental e social sejam igualmente relevantes, ainda são tratadas distintamente no balanço das empresas: a agenda ambiental, mais como capex (investimento), enquanto a social, como despesa operacional (opex). Lemos sobre cifras volumosas de investimentos voltados à descarbonização nas próximas décadas. Segundo a Gfanz (Glasgow Financial Alliance for Net Zero), liderada por Mark Carney, serão necessários recursos da ordem de U$ 130 trilhões para financiar a descarbonização em países emergentes e em desenvolvimento. Dados de 2020 do WRI – o World Resources Institute – apontam ganhos de investimento da ordem de R$ 2,8 trilhões em nosso PIB até 2030 via cadeias de infraestrutura inteligentes, inovação industrial e agricultura sustentável.

Novos investimentos geram mudanças de perspectivas e paradigmas. E nesse sentido, a agenda social também precisar ser tratada como capex. Hoje, algumas poucas empresas começam a entender o redirecionamento de parte do caixa ou balanço para modelos de investimento que financiam desenvolvimento socioeconômico de novos fornecedores, clientes e comunidades. Um movimento que cria novos mercados e receitas que superam o investimento feito.

Operando como “bancos de desenvolvimento”, essas empresas atuam como investidoras e/ou catalizadoras ao redirecionar verbas que seriam contabilizadas alternativamente como despesas na forma de capital catalítico. Com isso, criam mecanismos financeiros promotores de investimento de alto impacto. O mesmo raciocínio vale para o tema saúde mental. Quando tratado com alta relevância estratégica e direcionado a todo espectro de influência da organização – fornecedores, colaboradores, clientes –, o investimento em saúde mental impulsiona maior engajamento, confiança, inovação e, consequentemente, mais negócios.

Agenda social como capex significa posicionar o cuidado com as relações humanas no cerne dos negócios, reorientando tecnologias e instrumentos financeiros para estarem a serviço das pessoas e da redução das desigualdades em suas mais deletérias dimensões. Ao ressignificar seus sistemas de valores nessa direção, as organizações diversificam os negócios para novas concepções e mercados, novos papéis produtivos e de criação de valor que substituem modelos monotemáticos de produção e consumo em exaustão e tensão com o planeta. É o investimento social se tornando efetivo aliado do investimento ambiental.

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