Liderança

A verdade sobre os inovadores

Liderança e originalidade não bastam. O que o sucesso ao inovar exige mesmo é capacidade de execução, conduzida por pessoas com um dinamismo radical

Compartilhar:

Ao falar sobre sucesso, líderes empresariais costumam citar a inovação. Embora a inovação radical seja uma aspiração comum, a inovação incremental é que faz a diferença. Poucos produtos ou serviços são realmente inovadores.

De quem é a culpa? Da liderança? Rakesh Khurana, professor da Harvard Business School, estima que entre 30% e 40% da performance de uma empresa são atribuíveis a “efeitos do mercado”, 10% a 20% a mudanças econômicas cíclicas e talvez 10% ao CEO.

A culpa é da falta de originalidade? Não, essa é superestimada. Um estudo de Costas Markides e Paul Geroski, da London Business School, salientou o “mito do pioneirismo”, apontando que a Amazon se limitou a usar tecnologia já existente e levá-la ao mercado de massa. Então se liderança e originalidade não bastam, o que leva ao sucesso inovador?

A maioria das empresas inovadoras se caracteriza, a nosso ver, por uma execução persistente, conduzida por pessoas com uma atitude de dinamismo radical e com aptidão.

Foi o caso de Henry Ford, que revolucionou a indústria automobilística no início do século 20 e alcançou o sucesso sem depender da originalidade. Seu celebrado processo de produção de carros não passava de uma adaptação da linha de montagem usada na indústria norte-americana de processamento de alimentos desde 1870.

Vê-se, assim, que inovação e empreendedorismo são cruciais, mas não determinam o sucesso comercial de uma empresa. Amazon e Ford mostram que vale mesmo a arte de fazer as coisas acontecerem. Ou seja, é preciso colocar a inovação em ação na vida real. A execução persistente da inovação tem cinco características-chave:

**CLAREZA**

Corte atividades supérfluas e foque todos os recursos de uma empresa no que realmente importa para que as coisas sejam feitas. 

A Ofo, empresa chinesa de compartilhamento de bicicletas, foi criada em 2014 na China quando o CEO Dai Wei viu uma oportunidade de utilizar a tecnologia para incentivar o uso de bicicletas como meio de transporte sustentável. Como a Ford, a Ofo não foi original; em 2007 a rede de bike sharing Velib já existia na França. O diferencial da Ofo foi usar uma tecnologia “sem estação de entrega”. Ao terminar a corrida, os usuários fecham um cadeado na bicicleta e a deixam em qualquer lugar onde seja permitido estacioná-la. O sucesso em qualquer grande mercado competitivo requer dinamismo constante e execução continuada, liderada por clareza de propósito. 

**REDEFINIÇÃO DE FOCO**

“É necessário priorizar sempre”, costuma dizer David Marlow, líder de transformação empresarial na Bristol-Myers Squibb. “Em toda empresa sempre há atividades concorrentes em ação, sempre há funções diferentes disputando prioridades. Isso exige que a equipe de gestão tenha uma visão geral da empresa para fazer uma avaliação anual ou bianual que priorize as coisas. Isso garante que o foco esteja onde estão os direcionadores de valor e que eles tenham a prioridade e os recursos necessários”.

O foco é uma arma de negócios poderosa, mas precisa ser adaptado com o passar do tempo. Isso era algo que Jack Welch fazia muito bem nos anos 1990, como CEO da GE. Ele destilava a estratégia da empresa criando e divulgando slogans como “Seja o número um ou número dois em todos os mercados”, dando foco à empresa. E, depois, partia para o próximo foco.

Abordagem similar foi adotada pela fabricante de eletrodomésticos Haier, que se expandiu pelo mundo desde que o CEO Zhang Ruimin passou a mudar sequencialmente o foco da empresa.

Nos anos 1980, a Haier focou a construção da marca quando percebeu que para competir internacionalmente precisava melhorar a qualidade de seus produtos. Em 1990 a empresa chinesa focou a diversificação e começou a fabricar outros eletrodomésticos além de geladeiras.

Em seguida, a Haier pôs foco na internacionalização. Ignorou mercados mais fáceis e próximos e mirou a Europa e os EUA, mercados competitivos e exigentes. Depois dessa fase, a Haier focou a construção da marca global, sua aceitação como marca forte no mundo todo.

Em dezembro de 2012, a Haier entrou em nova fase: networking estratégico. Ruimin explica: 

“A internet eliminou distâncias físicas e permitiu que empresas se interligassem em rede. A tensão competitiva entre uma empresa, seus parceiros e seus funcionários deve ser diminuída com o objetivo de construir um ecossistema colaborativo onde todos ganhem”.

**COMPROMISSO COM A MUDANÇA**

Esse compromisso deve ser real e constante. Quanto mais uma empresa cresce, maior deve ser seu apetite por mudanças. Como diz Reed Hastings, CEO da Netflix: “É preciso combater a ideia de que, quando uma empresa cresce, sua cultura piora. Na Netflix, somos significativamente melhores [do que éramos] porque temos mais cérebros dedicados a pensar sobre a questão. Algumas empresas seguem o princípio do líder genial na direção. Existe essa ideia de que para ser um grande CEO você precisa ser um grande criador de produtos. Isso pode ser inebriante e divertido, mas faz com que as pessoas se tornem dependentes de você. Você se torna muito mais forte quando constrói equipes de grandes pensadores”.

**ACEITAÇÃO DO FRACASSO RADICAL**

O dinamismo radical pode levar a fracassos. Porém, como afirmou James Quincey quando se tornou CEO da Coca-Cola em 2017, “se não estamos errando, não estamos nos empenhando o suficiente”. Jeff Bezos, da Amazon, também foi claro ao dizer que fracassar é parte de chegar ao sucesso. “Se você vai apostar alto, suas ações serão experimentos. E, se são experimentos, não há como saber antes se vão dar certo. Mas alguns sucessos compensam dúzias e dúzias de ações que deram errado.”

A Netflix, cuja cultura é a da “empatia assertiva”, defende o fracasso. “Conforme uma empresa cresce, a tendência à conformidade é grande. Como líder, você precisa incentivar as pessoas a correr mais riscos”, observou Hastings. Ele acrescentou, numa conferência recente: “Nossa taxa de sucesso anda alta demais. Sempre pressiono os criadores de conteúdo. Precisamos arriscar mais. Temos de tentar coisas mais loucas – deveríamos ter uma taxa de cancelamento mais alta, no geral”.

**APROXIMAR-SE DO CLIENTE E PERMANECER PERTO DELE**

A mentalidade do dinamismo radical exige um conhecimento profundo do que os clientes querem. “O conhecimento das necessidades dos clientes e dos movimentos da concorrência, aliado à rapidez e à capacidade de capitalização desse conhecimento, será um fator essencial para o sucesso competitivo”, preveem Perry Keenan e seus colegas do Boston Consulting Group. 

Nesse sentido, é interessante observar o trabalho da atual Ford Motor Corporation. “A missão de Henry Ford era ajudar as pessoas a se locomoverem. Essa ainda é nossa prioridade, mas buscamos agora uma visão mais abrangente do que significa ‘mobilidade’”, observa Jamel Seagraves, engenheiro de pesquisa avançada da montadora norte-americana. 

A reconexão com seu propósito inicial fez a Ford abrir em 2015 o Ford Innovation and Research Center, que tem entre seus projetos veículos autônomos e métodos para que ciclistas e motoristas dividam estradas. 

Essas cinco características baseiam-se na crença de que as coisas podem e devem melhorar e de que, ao longo do caminho, alguns fracassos serão inevitáveis. Mas, como indicam as empresas mencionadas neste artigo, a sorte favorece os ousados.

© Rotman Management

Editado com autorização da Rotman School of Management, da University of Toronto. Todos os direitos reservados.

Compartilhar:

Artigos relacionados

Inovação
25 de agosto de 2025
A importância de entender como o design estratégico, apoiado por políticas públicas e gestão moderna, impulsiona o valor real das empresas e a competitividade de nações como China e Brasil.

Rodrigo Magnago

9 min de leitura
Cultura organizacional, ESG, Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho
25 de agosto de 2025
Assédio é sintoma. Cultura é causa. Como ambientes de trabalho ainda normalizam comportamentos abusivos - e por que RHs, líderes e áreas jurídicas precisam deixar a neutralidade de lado e assumir o papel de agentes de transformação. Respeito não pode ser negociável!

Viviane Gago, Facilitadora em desenvolvimento humano

5 minutos min de leitura
Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho, Estratégia, Inovação & estratégia, Tecnologia e inovação
22 de agosto de 2025
Em tempos de alta complexidade, líderes precisam de mais do que planos lineares - precisam de mapas adaptativos. Conheça o framework AIMS, ferramenta prática para navegar ambientes incertos e promover mudanças sustentáveis sem sufocar a emergência dos sistemas humanos.

Manoel Pimentel - Chief Scientific Officer na The Cynefin Co. Brazil

8 minutos min de leitura
Inovação & estratégia, Finanças, Marketing & growth
21 de agosto de 2025
Em tempos de tarifas, volta de impostos e tensão global, marcas que traduzem o cenário com clareza e reforçam sua presença local saem na frente na disputa pela confiança do consumidor.

Carolina Fernandes, CEO do hub Cubo Comunicação e host do podcast A Tecla SAP do Marketês

4 minutos min de leitura
Uncategorized, Empreendedorismo, Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho
20 de agosto de 2025
A Geração Z está redefinindo o que significa trabalhar e empreender. Por isso é importante refletir sobre como propósito, impacto social e autonomia estão moldando novas trajetórias profissionais - e por que entender esse movimento é essencial para quem quer acompanhar o futuro do trabalho.

Ana Fontes

4 minutos min de leitura
Inteligência artificial e gestão, Transformação Digital, Cultura organizacional, Inovação & estratégia
18 de agosto de 2025
O futuro chegou - e está sendo conversado. Como a conversa, uma das tecnologias mais antigas da humanidade, está se reinventando como interface inteligente, inclusiva e estratégica. Enquanto algumas marcas ainda decidem se vão aderir, os consumidores já estão falando. Literalmente.

Bruno Pedra, Gerente de estratégia de marca na Blip

3 minutos min de leitura
Cultura organizacional, Estratégia, Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho
15 de agosto de 2025
Relatórios de tendências ajudam, mas não explicam tudo. Por exemplo, quando o assunto é comportamento jovem, não dá pra confiar só em categorias genéricas - como “Geração Z”. Por isso, vale refletir sobre como o fetiche geracional pode distorcer decisões estratégicas - e por que entender contextos reais é o que realmente gera valor.

Carol Zatorre, sócia e CO-CEO da Kyvo. Antropóloga e coordenadora regional do Epic Latin America

4 minutos min de leitura
Liderança, Bem-estar & saúde, Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho
14 de agosto de 2025
Como a prática da meditação transformou minha forma de viver e liderar

Por José Augusto Moura, CEO da brsa

5 minutos min de leitura
Cultura organizacional, Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho
14 de agosto de 2025
Ainda estamos contratando pessoas com deficiência da mesma forma que há décadas - e isso precisa mudar. Inclusão começa no processo seletivo, e ignorar essa etapa é excluir talentos. Ações afirmativas e comunicação acessível podem transformar sua empresa em um espaço realmente inclusivo.

Por Carolina Ignarra, CEO da Talento Incluir e Larissa Alves, Coordenadora de Empregabilidade da Talento Incluir

5 minutos min de leitura
Saúde mental, Gestão de pessoas, Estratégia
13 de agosto de 2025
Lideranças que ainda tratam o tema como secundário estão perdendo talentos, produtividade e reputação.

Tatiana Pimenta, CEO da Vittude

2 minutos min de leitura

Baixe agora mesmo a nossa nova edição!

Dossiê #169

TECNOLOGIAS MADE IN BRASIL

Não perdemos todos os bondes; saiba onde, como e por que temos grandes oportunidades de sucesso (se soubermos gerenciar)

Baixe agora mesmo a nossa nova edição!

Dossiê #169

TECNOLOGIAS MADE IN BRASIL

Não perdemos todos os bondes; saiba onde, como e por que temos grandes oportunidades de sucesso (se soubermos gerenciar)