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Aceleração de consciência

Além de fazer as empresas impulsionarem sua transformação digital, a pandemia também está influenciando a visão dos líderes. uma conversa com blackrock brasil, sistema b e capitalismo consciente brasil revela que o consenso quanto à mudança está aumentando
CEO e cofundador da Humanizadas, startup de impacto tecnológica que instrumentaliza lideranças e investida pelo Instituto Capitalismo Consciente Brasil (ICCB), coautor do livro Empreendedorismo Consciente, pesquisador da Universidade de São Paulo e diretor de educação do ICCB.

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Discretamente, a Covid-19 está nos fazendo olhar, mundialmente, para múltiplas formas de distanciamento e para novos números.
O primeiro número é 60%. Um total de 2.153 bilionários concentra a riqueza equivalente à renda de 60% da população mundial como um todo, segundo cálculo da organização não governamental Oxfam, dedicada à redução da desigualdade no mundo. No Brasil, é pior: seis pessoas concentram 50%. O distanciamento social é nosso velho conhecido.

O segundo número é 1,5, já que atualmente consumimos recursos equivalentes a 1,5 planetas, como média mundial. (Se falássemos apenas dos EUA, o número teria de subir proporcionalmente para 5.) Essa mensuração do distanciamento ecológico é apresentada por Otto Scharmer, professor da MIT Sloan School of Management.
O terceiro número é 800 mil. Trata-se de um dos indicadores mais precisos de distanciamento espiritual, ao representar o número de pessoas que cometem suicídio todos os anos no mundo – motivadas por estresse, depressão e, por que não dizer, falta de significado.

Ao nos forçar a parar, a pandemia está trazendo – ao menos, a uma parcela da população – uma nova consciência sobre as consequências dessa separação em relação aos outros, o planeta e a nós mesmos, nas mais diversas arenas. E isso também é percebido no meio empresarial.

O que acontecerá a partir de agora? No Brasil, já vemos algo diferente acontecendo. Há uma aproximação inédita, declarada, de empresas conscientes – em termos de afinidades, colaboração e reciprocidade de ações. Pode ser uma junção de forças promissora. Ela acontece diretamente, como o fundo de investimentos BlackRock, ou por meio de movimentos empresariais conscientes, como o Instituto Ethos, o Capitalismo Consciente Brasil e o Sistema B. Essas organizações não só coordenam manifestos e campanhas, como ensaiam ampliar a discussão para o que seria uma possível estratégia comum e também uma operação conjunta das comunidades.

Observando a aproximação, que em outros países é menos nítida, HSM Management convidou lideranças de três organizações para conversar – Francine Lemos, diretora-executiva do Sistema B no Brasil; Dario Neto, diretor-geral do Instituto Capitalismo Consciente Brasil (ICCB) e colunista desta revista; e Carlos Taka­hashi, CEO do fundo de investimentos BlackRock Brasil. A pauta? Suas afinidades e um MVP de empresa com uma perspectiva mais sistêmica, interdependente, coletiva e de longo prazo. Os highlights da conversa você confere a seguir.

## __O MODO DE COMPETIR PERMANECE IGUAL? __

> As cartas do Larry Fink, CEO global da BlackRock, parecem documentar um ponto de inflexão do capitalismo, do paradigma da economia de shareholders para o da economia de stakeholders. Mas isso está longe do consenso, as tensões resistem. No Brasil, por exemplo, ainda há a luta da Escola de Chicago contra Keynes (ou contra o marxismo). Um dia chegaremos a um consenso? Para onde isso vai?

__Carlos Takahashi -__ A BlackRock, desde a origem, escolheu ser totalmente fiduciária, trabalhar com recursos de terceiros. É importante dizer isso para ter um entendimento de que as coisas têm a ver com um forte respeito ao investidor. Se trabalhamos com investimento, trabalhamos para o bem-estar financeiro das pessoas, então ter visão de longo prazo é algo lógico, necessário. No início da BlackRock, talvez não estivesse tão evidente a necessidade de integrar os negócios com questões de ESG [ambiente, sociedade e governança]. Mas, em determinando momento, o Larry [Fink, CEO] chegou e falou: “Se tenho missão, preciso ter propósito, não pode ser só missão sem propósito”. E em 2012 ele começou com as cartas em caráter inspiracional.
Talvez o jeito “old school” de fazer negócios precise desse tipo de lapidação ao longo da jornada, em todas as empresas. E, na hora que a BlackRock começou a efetivamente executar essa mudança, apareceram os incômodos. É importante reconhecer que uma pessoa, o Larry, começou esse caminho, como líder.

__Dario Neto -__ Esse movimento de contracultura comprova que a mudança está realmente ocorrendo. A gente está questionando talvez o maior paradigma social reinante no capitalismo, que é o ótimo individual, comparando-o com o ótimo coletivo, entendendo que o melhor para um indivíduo não necessariamente é o melhor para o coletivo. E essa consciência mais sistêmica faz nascer de fato a economia dos stakeholders. Para nós, do Capitalismo Consciente, tão importante quanto a mudança dos negócios, é a mudança dos hábitos de investimento. Trata-se de priorizar o longo prazo em detrimento do curto prazo, de ter consciência de que é necessário cuidar de todos os stakeholders em vez de cuidar só do acionista. Se quem detém o capital financeiro não está educado sobre essas escolhas conscientes de investimento, a atuação em direção ao novo capitalismo é muito limitada. Mas reeducar dá muito mais trabalho do que fazer tudo igual.

__Francine Lemos -__ No Brasil, existem vários fundos de investimento de impacto, obviamente menores que a BlackRock, que já operam nesse novo paradigma. E quando a gente vê uma instituição financeira relevante como a BlackRock apontando esse caminho, para mim, é quase um atestado de que não é mais tendência, e sim uma realidade sem volta. A gente já conseguiu provar que dá resultados, que vale a pena conciliar o interesse das pessoas com o interesse dos negócios. A tensão entre negócios e sociedade nunca deveria existir.

## __A MUDANÇA DA LIDERANÇA__

> Há indícios de que a mudança de paradigma está sendo acelerada pela pandemia: mudanças no mercado de trabalho, novos hábitos de consumo, novos hábitos de investimento, pressões sociais, mudanças políticas etc. O C-level já não consegue ficar alheio à realidade no entorno. Diante da pandemia e dessas pressões, que recomendação vocês dariam para a liderança de uma organização tradicional responder a isso e facilitar a transição, trabalhando em um MVP de empresa mais consciente?

__Takahashi -__ Um líder não é um super-herói, mas precisa reconhecer, com humildade e coragem, que sua capacidade de influência dentro de uma corporação é incrível. Muitos chamam isso de “poder da caneta”. Hoje, o poder da caneta não deve ser mais “eu uso a caneta da forma que eu quero e penso”; ele vem acompanhado da consciência da responsabilidade, e essa é uma questão fundamental. Além disso, eu diria que é preciso conseguir migrar a visão da corporação de uma visão de curtíssimo prazo para uma visão de longo prazo. Esse é outro desafio. Ainda temos corporações e CEOs que se comportam para construir o resultado de curto prazo que garantirá seu bônus, quando deveriam estar construindo o resultado para as próximas gerações, com uma visão de longo prazo.

__Lemos – __ Vou fazer um exercício de me pôr na pele dessa pessoa para poder responder. De fato, não é uma decisão fácil, pois tem muita incerteza envolvida. E é preciso ter muita coragem para exercer uma visão nova, algo que empreendedores fazem bem. É preciso, então, essa coragem de empreendedor para olhar para o futuro, compreender o melhor caminho e confiar nas decisões.
Por exemplo, com a pandemia, pode ser que essa empresa que conseguir ter uma boa ação com os consumidores, os fornecedores e a sociedade tenha um baque no curto prazo. Mas novas possibilidades lhe serão abertas no longo prazo. Ela vai acabar criando uma lealdade enorme de longo prazo. As pessoas estão identificando claramente quem de fato está junto para ajudar a superar a crise, e com quem você pode dialogar.

__Neto -__ Vou dar um exemplo envolvendo a pauta racial, um problema centenário no País, e que carece de posições e metas concretas sobre como promover a inclusão de pessoas negras nos times, nos conselhos e nos cargos de liderança. Foi interessante conversar com várias lideranças empresariais sobre o tema e ver como elas conseguem ter um comportamento de coragem e humildade. Algumas dizem “reconheço minha fraqueza na pauta, vou me informar melhor e depois me posicionar”. E se posicionar não é pouco: significa ir para o LinkedIn falar sobre o tema, fazer uma live, postar no Instagram. Quando a liderança faz isso, o faz não apenas na pessoa jurídica, mas também na pessoa física. Três minutos depois você pode receber milhares de comentários a favor ou contra seu posicionamento.
Se, no passado, as culturas organizacionais eram caixas-pretas, hoje são caixas de vidro. Tudo está à vista. E tudo acontece rápido. No próprio ICCB, a gente foi se posicionar e veio o primeiro questionamento do conselho: “Mas a gente não tem pessoas negras aqui”. Eu falei: “Pois é, que ótima oportunidade para a gente dizer que vai se transformar”. Então, apoiamos a causa antirracista e assumimos o compromisso de nos transformarmos.

## __A MUDANÇA DO BRASIL__

> O mundo parece de fato estar acelerando essas mudanças rumo a negócios mais conscientes, mas e o Brasil? Quais os sonhos de vocês para o futuro do nosso País e qual a possibilidade concreta de vingarem?

__Lemos -__ Na campanha antirracismo deu para sentir o medo que as pessoas têm de se posicionar. Foi uma mobilização histórica – em uma semana, tivemos mais de 260 de empresas signatárias e 40 mil pessoas assumindo compromisso –, mas gerou muito receio. Não deveria. Então, o que eu gostaria de ver é mais lideranças corajosas para assumir compromissos e para a gente fazer as mudanças sistêmicas que precisamos fazer. Para esse sonho virar realidade, defendemos no Sistema B três elementos: propósito de gerar impacto positivo na sociedade, seja ele ambiental ou social; responsabilidade para incorporar elementos de governança e se responsabilizar pelo propósito, incluindo a voz dos stakeholders na tomada de decisão; transparência, mensurando e reportando os resultados em relação a isso. Empresas como Natura, Danone e Movida, por exemplo, já estão nesse caminho. Eu também adoraria ver mais empresas medindo seu impacto. As lideranças já têm várias ferramentas para isso, inclusive o Sistema B tem um instrumento para mensurar o impacto.

__Takahashi -__ Acho que, no fim das contas, estamos vivendo um tremendo alerta, e a grande questão é como encontrar o equilíbrio entre compaixão e pragmatismo. Nós temos que ter a compaixão para cuidar e, ao mesmo tempo, pragmaticamente construir uma economia forte e uma sociedade mais sustentável. Aí vem a agenda ambiental, na qual o Brasil tem uma oportunidade enorme – não só na Amazônia; outras regiões de mata também são muito importantes sob o ponto de vista ambiental. E temos uma população que, na média, é aberta e jovem, o que traz imensas oportunidades. Do lado do investidor, temos essa enorme massa de jovens investidores que cada vez mais pensa no seu bem-estar futuro.
Com as empresas incorporando as questões de ESG, os portfólios ficam melhores, mais resilientes. Vários estudos que fizemos nesse período mostraram que portfólios que têm o olhar de sustentabilidade se comportaram melhor. Para vocês terem um exemplo, no primeiro trimestre de 2020, os fundos abertos globais sustentáveis (fundos mútuos e ETFs) captaram US$ 40,5 bilhões em novos ativos, um crescimento de 41% em relação ao ano anterior.

__Neto -__ Eu sempre olho para a agenda 2030 ali das Nações Unidas, e fico pensando quais ODS [sigla de objetivos de desenvolvimento sustentável] mais se conectam com o Brasil. O primeiro que eu olho sempre é o ODS 10, redução das desigualdades. Tivemos agora R$ 5,5 bilhões de filantropia, algo inédito no Brasil, algo que a gente precisa celebrar. Agora, essa compaixão precisa ganhar contornos estruturais, porque se as empresas não se engajarem mesmo nessa causa a gente não reduz desigualdades. O segundo é o ODS 13, a ação contra a mudança global do clima. Hoje, o Brasil perde muitos investimentos por não ter uma agenda concreta quando a gente fala de Amazônia ou de preservação da natureza.
E, por último, vejo o ODS 8, que é trabalho decente e crescimento econômico. O Brasil já entrou nessa crise com o maior desemprego juvenil do bloco do G20, e ele vai sair com esse índice muito maior. A gente precisa do engajamento do setor público e da iniciativa privada na criação de empregos. A gente vai precisar criar demanda de empregos para poder cooperar com essa retomada da economia. Mas uma retomada de um novo jeito, alinhada com novos parâmetros e um novo perfil de consumo.

O dilema de Santo Agostinho

por Celso Grecco

Conta a história que durante um período da vida, Agostinho, aquele que viria a ser proclamado Santo, rezava a Deus pedindo: “Senhor, dai-me a continência e a castidade. Mas não agora”. Agostinho vivia um dilema. Quanto mais estudava as cartas do apóstolo Paulo, mais admirava o cristianismo. Mas não havia ainda encontrado uma maneira de libertar o seu espírito do turbilhão de seus sentidos. Prazeres e impulsos o faziam, ainda, preso ao pecado.

Empresas precisam entregar resultados financeiros, porém buscam cada vez mais um propósito que as faça ir além do lucro. Para nós, isso ficou mais evidente quando a BlackRock apresentou um estudo sobre esse tema no painel “Liderando Empresas com Propósito” do Fórum Econômico Mundial na América Latina. Outros fundos de investimentos também passaram a trazer para o centro das decisões de investimentos os aspectos ESG (sigla em inglês de ambiental, social e governança), enviando uma mensagem clara às companhias investidas.

No entanto, grande parte das empresas ainda vive o mesmo dilema de Agostinho. Admiram a ideia de um capitalismo consciente e sustentável, mas não sabem como se libertar dos outros prazeres e impulsos. Anseiam pelo patamar que as coloque no topo da admiração de stakeholders. No entanto, ao se darem conta do caminho difícil a ser seguido e das renúncias requeridas por essa construção de longo prazo, ainda pedem: “Mas não agora”.

A pandemia provocou uma onda de solidariedade e de reflexões sobre o papel das empresas e dos sistemas financeiros em uma intensidade nunca vista, que, num gráfico, seria uma curva ascendente e acentuada.

Não queremos que essa curva seja achatada, ao contrário do que precisa acontecer com curva de contágio pelo novo coronavírus. O “novo normal” não pode ser o normal de novo. Queremos um “outro normal”, em que o capitalismo consciente e novos instrumentos financeiros se tornem realidade, não apenas aspiração.

No início não vai ser perfeito. Muitos vão custar a aceitar. Vai doer um pouco. É uma jornada longa, na qual se dá um passo a cada vez. Mas há alguma redenção no caminho e ao final. Não sei se nos tornaremos santos. Mas não tenho dúvidas de que nos tornaremos bem melhores.

Fellow Ashoka, Celso Grecco atua há 20 anos como consultor de desenvolvimento socioambiental.Ele é o criador da primeira Bolsa de Valores Sociais do mundo, em 2003, para a então BM&FBOVESPA, hoje B3. Foi adotada como estudo de caso e recomendada para todas as bolsas de valores do mundo pela Organização das Nações Unidas.

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