Gestão de Pessoas

Aparência importa?

A repercussão negativa da cartilha de estilo do banco Inter, divulgada recentemente nas mídias sociais, mostra como a sociedade mudou e está mais flexível e o mundo corporativo precisa acompanhar essas mudanças
Jornalista, com MBA em Recursos Humanos, acumula mais de 20 anos de experiência profissional. Trabalhou na Editora Abril por 15 anos, nas revistas Exame, Você S/A e Você RH. Ingressou no Great Place to Work em 2016 e, desde Janeiro de 2023 faz parte do Ecossistema Great People, parceiro do GPTW no Brasil, como diretora de Conteúdo e Relações Institucionais. Faz palestras em todo o País, traçando análises históricas e tendências sobre a evolução nas relações de trabalho e seu impacto na gestão de pessoas. Autora dos livros: *Grandes líderes de lessoas*, *25 anos de história da gestão de pessoas* e *Negócios nas melhores empresas para trabalhar*, já visitou mais de 200 empresas analisando ambientes de trabalho.

Compartilhar:

Em 2006, o título deste artigo (sem interrogação) chamava para uma reportagem que escrevi após alguns meses levantando pesquisas sobre imagem e comportamento no trabalho e entrevistando headhunters, consultores de carreira e imagem e diretores de recursos humanos. O objetivo era descobrir o quanto a aparência de um candidato pesava na hora de uma entrevista de emprego.

Não bastasse o trabalho de apuração, fizemos uma simulação com dois executivos – um homem e uma mulher – que passaram pelo teste da entrevista em dois momentos diferentes. No primeiro, eles estavam estrategicamente “relaxados” em sua imagem. O homem tinha a barba por fazer, usava a barra da calça grande e uma camisa que não combinava muito com a escolha do terno marrom. A mulher estava vestida num terninho azul piscina, um pouco justo, usava brincos grandes de argolas em strass e uma maquiagem que se propunha combinar com o tom da roupa. Não era nada demais, mas foi o suficiente para ambos terem sido ignorados em suas entrevistas.

No segundo momento, houve outro tipo de banho de loja. O terninho da executiva era preto, ela trocou a regata de decote V por uma camisa branca e optou pela maquiagem em tons pasteis. O executivo fez a barba, mudou o corte do terno e trocou o sapato de sola de borracha por um de couro. O efeito nas entrevistas foi imediato: o tempo de conversa com o recrutador foi no mínimo o dobro e a impressão que ficou é que os executivos eram mais competentes vestidos desta forma. Veja bem: eram as mesmas pessoas, com os mesmos currículos e o mesmo repertório na entrevista. Eu tinha a resposta para meu trabalho de apuração: aparência importava sim.

Dezessete anos após esta reportagem, que recebeu mais elogios do que críticas dos leitores, nos deparamos com a repercussão negativa que a cartilha de estilo enviada pelo banco Inter aos seus funcionários provocou nas mídias sociais. Com uma lista de itens denominados “inimigos da imagem”, que pontuava acessórios que devem ser evitados para o bem do relacionamento com o cliente, o banco viralizou na rede e passou a ser criticado de todas as formas. Afinal, o quanto a cartilha do banco estava interferindo na liberdade e até intimidade do funcionário? Que direito o banco tem de pedir que se evite chulé e troque a capinha do celular suja por uma nova? Como ousa falar do tamanho da unha, da camiseta amassada ou de sapato velho?

Sem entrar na polêmica dos detalhes do dress code sugerido pelo banco Inter, trago apenas uma reflexão para vocês: o que tanto mudou nesses dezessete anos, que passamos da informação segura para o leitor de que era melhor cuidar da sua aparência se quisesse ser bem-sucedido profissionalmente para uma enxurrada de críticas sobre a liberdade de expressão? Resposta: a sociedade mudou e, portanto, o mundo do trabalho também. Acompanhar essas mudanças e estar atento ao cenário externo é fundamental para promover novas políticas e práticas e atualizar velhas abordagens. E é aí que o banco Inter pode ter pecado.

Não se trata de sair por aí derrubando dress code ou ignorando o peso da imagem no ambiente corporativo – especialmente quando você está na linha de frente com clientes. Trata-se, porém, de como abordar essa questão diante de uma sociedade mais flexível e menos conservadora, que permite, por exemplo, a âncora do Jornal Nacional descer do salto (quem viu Renata Vasconcellos usando tênis à frente da bancada da Globo sabe a que estou me referindo). Trata-se de como adaptar as regras do jogo num mundo do trabalho que pede uma gestão humanizada, diversa, inclusiva e que estimula a individualidade de cada um. Trata-se de reconhecer que os mais de dois anos de pandemia trouxeram uma nova mentalidade sobre o trabalho (e um novo guarda-roupa). Não estou falando para começar a fazer reuniões com clientes de chinelos, mas será que aquela gravata é mesmo necessária?

A releitura das práticas de gestão de pessoas – incluindo aqui os códigos de vestimenta – é fundamental para permitir que sua empresa dialogue com as novas gerações. E a própria forma de dialogar passa por atualizações. Cartilhas impostas e generalistas podem não ser a melhor forma de comunicação nesses casos. Se existe a falta de bom senso de alguns funcionários que decidiram estender o expediente do sofá para o escritório (e sabemos que isso acontece), talvez valha um feedback individualizado. Usar o período de onboarding para revelar o “jeitão” da empresa também é uma forma de introduzir essa temática de forma mais leve e suave, sem ferir a individualidade de cada um e garantir que a mensagem seja passada. Há culturas mais e menos formais. E nenhuma está errada. O erro está em impor goela abaixo seu jeito de operar. Isso podia funcionar em 2006, mas vai ser difícil de engolir em 2023.

Por fim, vale atualizar também a palavra aparência. Mais do que o terno bem cortado e uma camisa de grife, a aparência que importa em 2023 tem mais a ver com comportamento, postura, empatia e a capacidade de resolver os problemas e trazer soluções – seja para o cliente ou para a empresa. Se você tiver esse perfil, ouso dizer que ninguém vai se incomodar com a cor da sua capinha de celular.

Compartilhar:

Artigos relacionados

A ilusão que alimenta a disrupção

Em um ambiente onde o amanhã já parece ultrapassado, o evento celebra a disrupção e a inovação, conectando ideias transformadoras a um público global. Abraçar a mudança e aprender com ela se torna mais do que uma estratégia: é a única forma de prosperar no ritmo acelerado do mercado atual.

De olho

Liderança, ética e o poder do exemplo: o caso Hunter Biden

Este caso reflete a complexidade de equilibrar interesses pessoais e responsabilidades públicas, tema crucial tanto para líderes políticos quanto corporativos. Ações como essa podem influenciar percepções de confiança e coerência, destacando a importância da consistência entre valores e decisões. Líderes eficazes devem criar um legado baseado na transparência e em práticas que inspirem equipes e reforcem a credibilidade institucional.

Liderança, Times e Cultura
Conheça os 6 princípios da Liderança Ágil que você precisa manter a atenção para garantir que as estratégias continuem condizentes com o propósito de sua organização.
3 min de leitura
Uncategorized
Há alguns anos, o modelo de capitalismo praticado no Brasil era saudado como um novo e promissor caminho para o mundo. Com os recentes desdobramentos e a mudança de cenário para a economia mundial, amplia-se a percepção de que o modelo precisa de ajustes que maximizem seus aspectos positivos e minimizem seus riscos

Sérgio Lazzarini

Gestão de Pessoas
Os resultados só chegam a partir das interações e das produções realizadas por pessoas. A estreia da coluna de Karen Monterlei, CEO da Humanecer, chega com provocações intergeracionais e perspectivas tomadas como normais.

Karen Monterlei

Liderança, times e cultura, Cultura organizacional, Gestão de pessoas
Entenda como utilizar a metodologia DISC em quatro pontos e cuidados que você deve tomar no uso deste assessment tão popular nos dias de hoje.

Valéria Pimenta

Inovação
Os Jogos Olímpicos de 2024 acabaram, mas aprendizados do esporte podem ser aplicados à inovação organizacional. Sonhar, planejar, priorizar e ter resiliência para transformar metas em realidade, são pontos que o colunista da HSM Management, Rafael Ferrari, nos traz para alcançar resultados de alto impacto.

Rafael Ferrari

6 min de leitura
Liderança, times e cultura, ESG
Conheça as 4 skills para reforçar sua liderança, a partir das reflexões de Fabiana Ramos, CEO da Pine PR.

Fabiana Ramos

ESG, Empreendedorismo, Transformação Digital
Com a onda de mudanças de datas e festivais sendo cancelados, é hora de repensar se os festivais como conhecemos perdurarão mais tempo ou terão que se reinventar.

Daniela Klaiman

ESG, Inteligência artificial e gestão, Diversidade, Diversidade
Racismo algorítimico deve ser sempre lembrado na medida em que estamos depositando nossa confiança na inteligência artificial. Você já pensou sobre esta necessidade neste futuro próximo?

Dilma Campos

Inovação
A transformação da cultura empresarial para abraçar a inovação pode ser um desafio gigante. Por isso, usar uma estratégia diferente, como conectar a empresa a um hub de inovação, pode ser a chave para desbloquear o potencial criativo e inovador de uma organização.

Juliana Burza

ESG, Diversidade, Diversidade, Liderança, times e cultura, Liderança
Conheça os seis passos necessários para a inserção saudável de indivíduos neuroatípicos em suas empresas, a fim de torná-las também mais sustentáveis.

Marcelo Franco