Já parou para pensar em quando foi a última vez que você aprendeu algo completamente novo? Do zero, mesmo. Algo que você nunca fez antes, sem nenhuma referência, sem “dom” ou “facilidade natural”? Foi exatamente isso que me propus a fazer ao começar a aprender bateria no terceiro trimestre de 2024.
E não foi por acaso. Escolhi esse desafio por três razões muito claras: primeiro, porque sempre quis tocar um instrumento – meu pai toca violão e meu irmão domina a guitarra, eu sentia vontade de participar de alguma forma dessa musicalidade familiar. Segundo, eu queria, nessa altura do campeonato, aprender algo totalmente do zero, viver realmente uma experiência que me tirasse da minha zona de conforto. E, terceiro, buscava uma atividade que envolvesse o corpo inteiro – já tentei beach tennis, mas o inverno de São Paulo não me ajudou a manter o ritmo –, sentia que isso me ajudaria a colocar para fora sentimentos e emoções que reprimia ao longo dos dias e semanas.
O que eu não esperava era que essa experiência me ensinaria muito mais do que música. Aprender algo novo me fez revisitar aspectos fundamentais do lifelong learning, da humildade para receber feedback à necessidade de confiança no processo, da importância de diferentes perspectivas ao poder da prática constante. E, no meio dessa jornada, me deparei, na prática, com um conceito essencial para qualquer aprendizado, que uma vez ouvi em um TED Talk: a diferença entre zona de desempenho e zona de aprendizagem.
Neste artigo, vou compartilhar quatro aspectos que hoje percebo fundamentais nesses quase seis meses de aprendizagem, e que podem ser extrapolados em aspectos cruciais para quem deseja crescer e se desenvolver, também, no mundo corporativo. Te convido a refletir sobre estes pontos e repensar suas ações de autoaprendizagem para a vida.
O que faz alguns crescerem mais rápido do que outros? Abertura ao feedback
Desde o primeiro dia de aula, entrei com o único compromisso que podia ter: aprender tudo, até onde eu conseguisse ir. Parece óbvio, mas nem sempre é. Eu não estava entrando para trocar experiências – afinal, eu nada tinha para compartilhar. Então, fui com a cabeça aberta para absorver e tentar. Isso fez toda a diferença, porque comecei em uma posição de muita humildade, sabendo que eu não sabia nada e me colocando 100% aberta aos comandos e feedbacks do meu professor.
Quando estamos aprendendo algo novo, muitas vezes carregamos uma resistência ao erro, pensamos apenas no acerto, temos uma dificuldade de admitir que não sabemos e, principalmente, sentimos uma espécie de vergonha por receber feedbacks – o que vira uma dificuldade em aceitá-los. No meu processo, em cada aula, eu recebia feedbacks a cada 5 minutos, ajustava, errava de novo, testava, acertava um pouco, errava outra vez – e, nesse ciclo, minha evolução foi rápida. Não porque eu tenho alguma aptidão especial para a bateria (longe disso), mas porque estava 100% receptiva ao que meu professor me dizia. Não criei barreiras, não relativizei os feedbacks, não tentei justificar meus erros. Apenas ouvi, assimilei e executei.
No mundo do trabalho, vejo que nem sempre temos essa postura. Ficamos na defensiva quando alguém nos dá um feedback, desqualificamos a crítica porque “não veio de alguém que conhece nossa trajetória”, ou, pior, ignoramos os sinais que poderiam nos ajudar a crescer. E isso me fez pensar: o que faz alguém evoluir mais rápido do que outro no trabalho? Muitas vezes não é talento, mas talvez o nível de abertura para se ajustar rapidamente e testar de novo.
Minha provocação: como você lida com feedbacks no seu trabalho? Você escuta para aprender ou para se defender? O que mudaria se você encarasse cada crítica como uma ferramenta para acelerar sua evolução?
A riqueza das diferentes perspectivas: aprendemos muito mais quando ampliamos nosso repertório
Outro aprendizado inesperado surgiu quando precisei repor aulas, por questões de agenda, com professores diferentes. No início, confesso que fiquei apreensiva – pensei: “e se eu perder o ritmo que já estava construindo?”. Eu já estava acostumada com a didática de um, e mudar significava recomeçar essa adaptação. Mas, na prática, foi o contrário.
Cada professor trouxe um olhar novo sobre minha técnica, deu orientações diferentes, enxergou nuances que o outro não havia percebido. No fim, acredito que essas mudanças me fizeram evoluir muito mais do que se eu tivesse ficado só com um único professor – e isso não é demérito do professor principal, nem mérito meu. Penso que é mérito da estratégia de ter acesso a um maior e mais diverso repertório.
Essa experiência me fez refletir sobre como, no trabalho, muitas vezes ficamos presos às mesmas referências. Só buscamos validação do nosso gestor direto ou confiamos apenas na opinião das mesmas pessoas. Mas será que assim não estamos limitando nossa aprendizagem? Aprender com diferentes fontes e visões nos desafia a experimentar novos caminhos e práticas, a questionar os antigos e a ampliar nossa visão de como as coisas podem ser feitas, com maior qualidade ou de uma forma mais fácil e, no fim, ter o resultado desejado ou ainda melhor.
Provocação: você tem buscado aprender com pessoas que pensam diferente de você? Ou está sempre ouvindo os mesmos pontos de vista?
Confiança e segurança psicológica: o quanto confiamos e o quanto inspiramos confiança?
Um dos fatores mais importantes no meu aprendizado de bateria, sem dúvida, foi a confiança. Confiar no meu professor me fez sentir segura para errar. Eu sabia que ele não esperava perfeição imediata e que eu poderia testar sem medo. Isso me deu liberdade para realmente me entregar ao processo: não buscar só acertar, mas testar, experimentar e me divertir. A cada autocrítica que eu fazia, ele me lembrava o quanto de uma semana para outra eu evolui e que isso era mais importante do que acertar 100% das vezes.
Esse paralelo com o mercado de trabalho é menos óbvio, mas tão importante quanto os outros: a confiança tem um papel determinante no nosso desempenho. Adoro o trabalho da Tonia Casarin, autora do livro “xxxxxxx”, que fala sobre como a confiança entre líderes e liderados é um dos pilares de uma liderança humana e eficiente. Afinal, se eu não confio que meu gestor ou minha gestora quer meu crescimento, por que eu ouviria seus feedbacks? Se eu não confio na minha equipe, por que daria espaço para sugestões?
Esse ponto me remete, também, ao conceito de segurança psicológica, que Amy Edmondson, professora de Harvard, define como a “crença compartilhada pelos membros de uma equipe de que o time é um ambiente seguro para se tomar riscos interpessoais”. Assim como no meu processo de aprender bateria, no trabalho também nos desenvolvemos mais e melhor em ambientes psicologicamente seguros, onde as pessoas se sentem confiantes para expressar ideias, preocupações e até discordar, sem medo de julgamentos ou punições. Isso sim promove uma cultura de aprendizado contínuo, inovação e alta performance.
Provocação: em quem você confia hoje? Quem são as pessoas de quem você aceita feedbacks sinceros no trabalho e na vida? E quem será que confia em você para ouvi-los?
Zona de aprendizagem x zona de desempenho: onde você está hoje?
Um dos insights mais inesperados que tive nessa jornada veio de um TED Talk que adoro, do Eduardo Briceño, sobre a diferença entre zona de desempenho e zona de aprendizagem. Ele fala sobre como passamos a maior parte do tempo em nossos trabalhos na zona de desempenho, tentando executar bem, entregando resultados, mostrando que sabemos. Mas que o verdadeiro crescimento acontece quando nos permitimos sair desse lugar e entrar na zona de aprendizagem – onde nos colocamos em posição de humildade para reconhecer nossos erros, identificar onde podemos experimentar coisas novas e onde estamos realmente abertos a ouvir feedbacks e, então, evoluir.
Na bateria, durante os momentos iniciais da aula, onde aprendo novas coisas e pratico o que já aprendi anteriormente em um artefato chamado paddle (que para quem não conhece, pode imaginar como um hexágono de madeira com uma borracha de eva em cima para diminuir o barulho), eu claramente estou na zona de aprendizagem, ouvindo, tentando e errando – algumas vezes acertando. E quando vamos para a bateria de verdade, aí sim entro na zona de desempenho e busco colocar tudo o que aprendi em prática – e sim, acertar.
Isso me levou a um questionamento forte: no ambiente de trabalho, será que estamos transitando entre essas duas zonas? Será que temos esses dois espaços? Se não temos, será que estamos mesmo aprendendo? Ou estamos apenas tentando não errar? Sem treino, sem experimentação, sem um espaço seguro para falhas, dificilmente saímos do lugar. E a zona de aprendizagem é isso.
Provocação: no seu trabalho, você está na zona de desempenho ou na zona de aprendizagem? Você tem espaço para testar e errar, ou apenas para entregar?
Ainda estou no início do meu processo de aprender bateria, longe de subir num palco (esse é um dos objetivos), mas posso te dizer que já avancei muitas casinhas na jornada de aprender a aprender. Aprender a tocar bateria me relembrou algo de que não quero mais esquecer: desenvolvimento não é sobre saber tudo de cara, mas sobre se permitir não saber, ouvir, testar e repetir até se tornar bom naquilo.
Colocar-nos na zona de aprendizagem é essencial. Abrir-se para o feedback com humildade, confiar nas pessoas ao nosso redor, criar espaços para errar e treinar continuamente são os pilares do aprendizado real. Isso é lifelong learning: um processo contínuo de aprender em lugares inesperados, com pessoas diferentes, por meio de tentativas, erros e acertos constantes. Será que você tem se permitido aprender de verdade?