ESG
4 min de leitura

As mulheres estão exaustas e são mal remuneradas 

Precisamos, quando se celebra o Dia Internacional das Mulheres, falar sobre organizações e lideranças feministas
Marcelo Santos é Head de Produto no Instituto Conhecimento Liberta (ICL) e professor do Master Foresight Estratégico e Design de Futuros da ESPM. Doutor em Semiótica, atua na área de educação há mais de 20 anos e no ecossistema de inovação desde 2003. Publicou dezenas de artigos em revistas científicas brasileiras e estrangeiras, foi professor de mestrado na Faculdade Cásper Líbero e nos últimos anos tem se especializado em soft skills.

Compartilhar:

O mercado de trabalho é ganancioso e, como regra, obriga as mulheres a decidirem entre as suas vidas privadas e as suas carreiras. Sobretudo quando elas desejam ocupar uma posição de liderança. 

Essa é uma das conclusões de Claudia Goldin, vencedora do Prêmio Nobel de Economia em 2023. No seu livro Career and Family (2021), Goldin explica que o sucesso profissional exige, na maioria das vezes, trabalhar até tarde, investir em educação superior e dedicar o tempo livre ao desenvolvimento da carreira. 

O modelo descrito acima funciona quase magicamente para os homens: eles correm atrás do pão enquanto alguém, nos bastidores, garante que a vida privada não entre em conflito com o trabalho. Para as mulheres, o cenário é muito diferente. 

O mundo do trabalho nunca foi feito para as mulheres 

“A entrada das mulheres no mundo do trabalho reproduziu os modos de conduta prescritos para homens, mas o trabalho do cuidado continuou sendo realizado apenas pelas mulheres”, nos conta Maria José Tonelli, professora titular no Departamento de Administração Geral e Recursos Humanos na FGV. 

Refraseando Tonelli: as mulheres foram admitidas no mercado, mas nunca foi criada uma estrutura que de fato as incluísse. O que aconteceu foi, como se sabe, um acúmulo de funções.  

Trabalhar fora não reduziu a carga doméstica. Ser competente não blindou as mulheres contra os vieses de gênero. Estar em um cargo de liderança não eliminou a necessidade de provar, todos os dias, que elas merecem estar ali. 

Essas não são frases de efeito ou palavras panfletárias, como algum cretino certamente poderia pensar. Mas a interpretação – simplista – do que nos contam os números: 

As mulheres dedicam quase o dobro do tempo dos homens ao trabalho doméstico e de cuidado – 21,3 horas semanais, contra 11 horas dos homens. (IBGE, 2023) 

Somente 39% dos cargos de liderança no Brasil são ocupados por mulheres, e quando chegam ao topo, elas recebem menos do que seus colegas homens (IBGE, 2023). 

A maternidade ainda é um fator de discriminação: mulheres com filhos pequenos enfrentam mais dificuldades para serem promovidas, enquanto homens com filhos são mais bem avaliados no mercado de trabalho. Porque são “homens família” e não mulheres com “crianças-problema”. Mas tem algo pior, cruel até: aproximadamente metade das mulheres é demitida ao voltar da licença-maternidade. O que deveria ser um benefício vira um cronômetro reverso para o desemprego.  

O que isso significa? A resposta é simples: não há equidade real no mercado de trabalho. 

Ao contrário. O que existe é um sistema que demanda das mulheres a mesma disponibilidade dos homens, ignorando que a sociedade ainda deposita sobre elas a responsabilidade do cuidado da casa, dos filhos e, não esqueçamos, o cuidado dos homens crescidos com os quais elas constituem família. 

O mito da supermulher 

Os eficientes imaginários corporativos tentam a todo custo esconder o abismo entre as oportunidades para homens e mulheres. Evocam, então, a falácia da “supermulher”. 

A supermulher, eis o mito laboral, dá conta de tudo e chega aos cargos de liderança – desde que ela “se esforce o suficiente”, não esqueçamos o subtexto meritocrático contado às meninas ainda na escola e repetido às graduandas e analistas com sangue nos olhos que sonham com cargos de gestão.  

Desenha-se, em verdade, um mito-convite ao burnout, criado para silenciar o óbvio: mulheres não precisam ser super-heroínas para ocupar posições de poder. Elas precisam, isto sim, de equidade real. 

Porque ainda vivemos em um mundo onde desmarcar uma reunião para cuidar de uma criança com febre é um pecado corporativo. E, como sabemos, o lugar de quem peca é no inferno. E o pecado do cuidado continua sendo, já dissemos aqui, uma função quase exclusiva das mulheres. 

O que é feminismo e por que ele importa no mundo do trabalho? 

Feminismo não é o contrário de machismo. Feminismo é um movimento social e político que luta pela equidade de gênero. No contexto do mundo do trabalho, ele questiona estruturas que perpetuam desigualdades e propõe mudanças concretas para que mulheres e homens tenham o mesmo acesso a oportunidades, reconhecimento e remuneração justa. 

Isso significa coisas que deveriam ser básicas e parecem luxos de startups modernosas ou de empresas campeãs do GPTW: salários iguais para funções iguais, critérios justos de promoção e reconhecimento, políticas reais de flexibilização para conciliar trabalho e vida pessoal e cultura organizacional que combata vieses inconscientes e discriminação de gênero.  

Construir organizações feministas, onde se materializem práticas como as descritas acima, não é responsabilidade apenas das mulheres. 

Por que os homens precisam ser aliados? 

Porque o machismo organizacional não prejudica apenas as mulheres – ele também sufoca os homens. 

A cultura corporativa ensina que uma liderança precisa ser implacável, sempre disponível e agressivamente competitiva. Isso gera ambientes tóxicos, onde homens também são pressionados a sacrificar tempo com a família, esconder vulnerabilidades e disputar cargos a qualquer custo. 

Um mundo do trabalho feminista, portanto, beneficia a todos. Não apenas às mulheres. 

Como seria um mundo do trabalho com equidade? 

  • Trabalho flexível e humano: onde a produtividade é medida por resultados e não por horas intermináveis de expediente. 
  • Igualdade salarial e reconhecimento: onde as mulheres não precisem trabalhar o dobro para ganhar a metade. 
  • Lideranças diversas: onde mulheres em cargos de poder não sejam exceção, mas uma realidade. 
  • Homens que dividem o cuidado: porque cuidar da casa e dos filhos não é uma “ajuda”, é uma responsabilidade compartilhada. 

A equidade não é um luxo, uma utopia, nem um capricho. É uma urgência que pode beneficiar todas as pessoas e reorganizar a maneira como nós todos nos relacionamos com o mundo do trabalho.  

Lembremos disso quando o Dia Internacional das Mulheres bate à porta e não deixemos a pauta cair no esquecimento no resto do ano. Porque esquecemos do que de fato importa com uma naturalidade assustadora e nada casual.  

Referências  

GOLDIN, Claudia. Career and Family: Women’s Century-Long Journey toward Equity. Princeton University Press, 2021. V1 p. 342. 

Tonelli, M. J.. (2023). Nada de Novo no Front: As Mulheres no Mercado de Trabalho. Revista De Administração Contemporânea, 27(5), e230210. https://doi.org/10.1590/1982-7849rac2023230210.por 

Compartilhar:

Marcelo Santos é Head de Produto no Instituto Conhecimento Liberta (ICL) e professor do Master Foresight Estratégico e Design de Futuros da ESPM. Doutor em Semiótica, atua na área de educação há mais de 20 anos e no ecossistema de inovação desde 2003. Publicou dezenas de artigos em revistas científicas brasileiras e estrangeiras, foi professor de mestrado na Faculdade Cásper Líbero e nos últimos anos tem se especializado em soft skills.

Artigos relacionados

Os sete desafios das equipes inclusivas

Inclusão não acontece com ações pontuais nem apenas com RH preparado. Sem letramento coletivo e combate ao capacitismo em todos os níveis, empresas seguem excluindo – mesmo acreditando que estão incluindo.

Reaprender virou a palavra da vez

Reaprender não é um luxo – é sobrevivência. Em um mundo que muda mais rápido do que nossas certezas, quem não reorganiza seus próprios circuitos mentais fica preso ao passado. A neurociência explica por que essa habilidade é a verdadeira vantagem competitiva do futuro.

Cultura organizacional
25 de setembro de 2025
Transformar uma organização exige mais do que mudar processos - é preciso decifrar os símbolos, narrativas e relações que sustentam sua cultura.

Manoel Pimentel

10 minutos min de leitura
Uncategorized
25 de setembro de 2025
Feedback não é um discurso final - é uma construção contínua que exige escuta, contexto e vínculo para gerar evolução real.

Jacqueline Resch e Vivian Cristina Rio Stella

4 minutos min de leitura
Tecnologia & inteligencia artificial
24 de setembro de 2025
A IA na educação já é realidade - e seu verdadeiro valor surge quando é usada com intencionalidade para transformar práticas pedagógicas e ampliar o potencial de aprendizagem.

Rafael Ferreira Mello - Pesquisador Sênior no CESAR

5 minutos min de leitura
Inovação
23 de setembro de 2025
Em um mercado onde donos centralizam decisões de P&D sem métricas críveis e diretores ignoram o design como ferramenta estratégica, Leme revela o paradoxo que trava nosso potencial: executivos querem inovar, mas faltam-lhes os frameworks mínimos para transformar criatividade em riqueza. Sua fala é um alerta para quem acredita que prêmios de design são conquistas isoladas – na verdade, eles são sintomas de ecossistemas maduros de inovação, nos quais o Brasil ainda patina.

Rodrigo Magnago

5 min de leitura
Inovação & estratégia, Liderança
22 de setembro de 2025
Engajar grandes líderes começa pela experiência: não é sobre o que sua marca oferece, mas sobre como ela faz cada cliente se sentir - com propósito, valor e conexão real.

Bruno Padredi - CEP da B2B Match

3 minutos min de leitura
Cultura organizacional, Liderança
19 de setembro de 2025
Descubra como uma gestão menos hierárquica e mais humanizada pode transformar a cultura organizacional.

Cristiano Zanetta - Empresário, palestrante TED e filantropo

0 min de leitura
Tecnologia & inteligencia artificial, Inovação & estratégia
19 de setembro de 2025
Sem engajamento real, a IA vira promessa não cumprida. A adoção eficaz começa quando as pessoas entendem, usam e confiam na tecnologia.

Leandro Mattos - Expert em neurociência da Singularity Brazil

3 minutos min de leitura
Cultura organizacional, Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho
17 de setembro de 2025
Ignorar o talento sênior não é só um erro cultural - é uma falha estratégica que pode custar caro em inovação, reputação e resultados.

João Roncati - Diretor da People + Strategy

3 minutos min de leitura
Inovação
16 de setembro de 2025
Enquanto concorrentes correm para lançar coleções sazonais inspiradas em tendências efêmeras, o Boticário demonstra que compreende um princípio fundamental: o verdadeiro valor do design não está na estética superficial, mas em sua capacidade de gerar impacto social e econômico simultaneamente. A linha Make B., vencedora do iF Design Award 2025, não é um produto de beleza – é um manifesto estratégico.

Magnago

4 minutos min de leitura
Cultura organizacional, Bem-estar & saúde, Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho
15 de setembro de 2025
O luto não pede licença - e também acontece dentro das empresas. Falar sobre dor é parte de construir uma cultura organizacional verdadeiramente humana e segura.

Virginia Planet - Sócia e consultora da House of Feelings

2 minutos min de leitura

Baixe agora mesmo a nossa nova edição!

Dossiê #170

O que ficou e o que está mudando na gangorra da gestão

Esta edição especial, que foi inspirada no HSM+2025, ajuda você a entender o sobe-e-desce de conhecimentos e habilidades gerenciais no século 21 para alcançar a sabedoria da liderança

Baixe agora mesmo a nossa nova edição!

Dossiê #170

O que ficou e o que está mudando na gangorra da gestão

Esta edição especial, que foi inspirada no HSM+2025, ajuda você a entender o sobe-e-desce de conhecimentos e habilidades gerenciais no século 21 para alcançar a sabedoria da liderança