Alguns anos atrás assisti a um filme sobre duas sociedades antigas. A primeira acreditava na profecia de um salvador que viria para libertá-la das coisas ruins. Era uma sociedade subdesenvolvida e, no dia a dia, lutava muito para sobreviver. A segunda era o contrário. Era bastante avançada em tecnologia, tinha recursos abundantes e grande poderio militar. Como a profecia na qual as pessoas acreditavam falava que uma maldição acabaria com tudo, todos se preparavam para isso.
O nome desse filme é 10.000 a.C., e eu já adianto que não se trata de nenhuma obra-prima. Ou seja, só veja em caso de extrema curiosidade. Mas essa passagem explica com perfeição a importância das histórias que a gente conta.
No mundo corporativo não há o misticismo, mas encontramos exemplos parecidos aos do filme. As histórias que as empresas contam acabam influenciando o futuro de funcionários e clientes, podendo levar ao sucesso ou ao fracasso. É por isso que o domínio do storytelling é cada vez mais importante – e os líderes que têm (ou querem ter) visão de longo prazo já entenderam isso.
## Ferramenta velha, uso novo
Embora não seja novidade, uma vez que Aristóteles já falava disso há mais de 2 mil anos, o storytelling vem chamando a atenção do mundo corporativo só nos últimos 20 anos.
Demorou. Segundo o psicólogo Jonathan Haidt, “a mente humana é um processador de histórias, e não de lógica”. Diversos estudos, da psicologia à neurociência, mostram que nós, seres humanos, enxergamos o mundo por meio de histórias, não de fatos, dados e números. Portanto, mesmo na era do big data e do analytics, líderes que se comunicam com essas técnicas pegam um “atalho” na mente de seus públicos para transmitir valores e, assim, criar uma cultura comum e um engajamento.
Porém, não é só para isso que as histórias servem. Quando uma empresa como a XP Investimentos adota o storytelling, por exemplo, ela está deixando claros os valores que devem guiar a construção do seu futuro.
E o futuro das empreas é desenhado por suas narrativas individuais e também pelas coletivas, embora estas sejam bem menos percebidas. Observei isso pela primeira vez em meados da década de 2000, quando ainda trabalhava no mercado publicitário. Houve uma hora na qual todas as campanhas que fazíamos estavam ligadas à causa do meio ambiente. Essa onda durou um bom tempo.
Cerca de uma década mais tarde, outra grande narrativa começou a ocupar esse lugar: diversidade. Até hoje, é basicamente impossível não falar sobre isso, e as empresas que tentam ir contra a maré são duramente cobradas.
Meu palpite é que a próxima grande narrativa, que já dá sinais claros, será a da saúde mental. É um tema cada vez mais presente em discussões, ligado à diversidade e que ficou mais urgente em 2020. Recentemente a Ambev anunciou a criação de uma diretoria para cuidar exclusivamente desse assunto, inclusive. (Não se trata de ser volúvel. Como tudo na vida, por mais importante que seja uma história, é natural que ela chegue a um ponto de saturação e abra espaço para algo novo. Isso não significa que a história anterior foi “resolvida”, ou mesmo que seja abandonada, mas acontece uma mudança de discurso.)
Uma coisa é certa: as empresas que sabem construir narrativas individuais e incorporar logo as narrativas coletivas têm muito mais controle sobre o futuro que estão criando, o que constitui uma real vantagem competitiva. Afinal, o psicólogo Jerome Bruner diz que uma ideia tem 22 vezes mais chance de ser lembrada se estiver embrulhada em uma história. Boas histórias são memoráveis, se espalham com facilidade e inspiram ação. Por isso que histórias são tão importantes para a construção do futuro de cada organização.
## Lideranças estão atentas
Certa vez, o diretor de uma companhia multinacional me ligou pedindo por um treinamento rápido e urgente em storytelling. Quando perguntei o motivo da urgência, ele me explicou que estava participando de um processo seletivo para se tornar CEO em uma das filiais, e na semana seguinte passaria por uma série de testes na matriz. Um dos testes passava por fazer uma apresentação no formato de história – já que ele teria de inspirar a empresa em direção ao futuro. De lá para cá surgiram mais clientes com desafios parecidos.
Isso significa que cada vez mais lideranças estão atentas às histórias e a sua utilidade para a construção do futuro. Sua empresa tem uma narrativa dela, individual, para moldar o futuro? Ao longo do tempo, ela tem se engajado nas grandes narrativas coletivas, sobre meio ambiente ou diversidade? Empresas que se engajam logo podem conquistar um papel relevante nessa história. Qual papel sua empresa terá na história da saúde mental?