Momento de questionamentos e reflexões; uma oportunidade para perceber que, mesmo em condições de extrema incerteza, adquirir novos hábitos é possível. E, então, sair de tudo o que está acontecendo como uma pessoa melhor. Se existe algo positivo em relação à pandemia de Covid-19, é exatamente isso. E muitos estão aproveitando essa oportunidade.
De 10 a 12 de junho de 2020, a empresa de pesquisa de mercado Opinion Box, em parceria com HSM Management, ouviu 2.054 pessoas sobre o que elas aprenderam nesse período de distanciamento social. “O momento é tenso e estamos lidando com uma nova realidade, mas muitos estão aprendendo, tendo um novo pensamento. Se o aprendizado continuar, novos hábitos vão surgir”, diz Felipe Schepers, COO da Opinion Box.
De acordo com Schepers, ao analisar os dados da pesquisa, as diferenças nos recortes etário e de gênero chamaram bastante atenção. Em quantidade, mulheres e pessoas mais velhas dizem ter aprendido mais do que homens e jovens, respectivamente. Já no recorte social, as classes AB apontaram uma tendência de redução no consumo, que também foi observada nas classes CDE, mas não no mesmo patamar.
*Os principais dados, divididos em três frentes e analisados por especialistas, você confere a seguir.*
## __FAMÍLIA E CONSUMO__
Entre todas as opções de respostas disponíveis neste bloco, “é possível viver bem consumindo menos” foi a mais selecionada pelo público. “É possível ser feliz assim. A noção do bem-estar era ‘ter’; e a sustentabilidade ficava em esfera oposta. O que precisamos é aproximar o bem-estar e a sustentabilidade”, diz Luciana Annunziata, sócia e diretora de estratégias digitais e conteúdos na Casa Causa. O consumo consciente, para ela, vai acontecer quando surgir uma consciência do “ter”.
O consumo desenfreado, inclusive, leva à maior produção de lixo, assim como ao acúmulo desnecessário. “Durante o isolamento, os resíduos e o acúmulo ficam mais evidentes. Mesmo ligada diretamente a isso, percebi melhor agora a quantidade de isopor que vem pelo delivery. Até estou acumulando para fazer um inventário”, revela Annunziata, que também é embaixadora do Instituto Lixo Zero Brasil.
Para ela, essa é uma “oportunidade de investirmos em nossas insustentabilidades”, por exemplo, fazendo uma revisão do volume de roupas e sapatos do guarda-roupa, tendo em mente que a moda é responsável por 20% do consumo industrial de água do planeta.
Em linhas gerais, o consumo como um todo caiu, já que a regra era evitar sair de casa. Com mais tempo de confinamento, muitos resgataram a arte de cozinhar e aprenderam que comer menos fora de casa também pode ser legal. Nessas incursões à cozinha, temos visto, pelas redes sociais, a quantidade de pessoas que estão se arriscando nesta quarentena. E como nem sempre o resultado sai como o esperado, já há perfis dedicados a mostrar, com muito humor, histórias de insucesso. Como é o caso da página do Instagram @chefsnaquarentena, que já ultrapassa os 260 mil seguidores e diverte o público repostando fotos e vídeos de receitas que deram errado.
Apesar da relevância de cozinhar mais em casa, os aplicativos de entrega e a atividade de delivery também passaram a ser parte essencial das vidas de uma grande parcela dos entrevistados durante a pandemia. Essa foi a alternativa que substituiu, principalmente, as saídas para os restaurantes, obrigados a trabalharem de portas fechadas neste período.
Se os aplicativos são uma boa alternativa para evitar o trabalho na cozinha, para quem não deseja fazer as atividades domésticas não sobra muita opção. Ou impera o trabalho em equipe, conforme apontado como importante por 44% das pessoas das classes AB e 34% das classes CDE, ou alguém se sentirá sobrecarregado com os afazeres da casa, atividades pesadas e pouco valorizadas, conforme indica a pesquisa.
“O que vejo é que são as mulheres que mais estão sofrendo com o trabalho doméstico. Com raras exceções, não se criou uma divisão das tarefas de casa”, analisa a psicóloga Cecília Russo Troiano, diretora da Troiano Branding.
## __SAÚDE E EQUILÍBRIO__
Especialistas afirmam que ainda está por vir o pico dos sintomas de sofrimento mental como consequência do novo coronavírus. O que é alarmente, porque, como destacado aqui em HSM Management na edição 135 (julho/2019), problemas como depressão, ansiedade, insônia, entre outros, só vêm aumentando no Brasil e no mundo. A notícia boa é que, pelo menos, as pessoas demonstram estar mais sensibilizadas em relação à urgência do tema. Não à toa o item “cuidar da saúde mental é tão importante quanto cuidar da saúde física” foi apontado como o maior aprendizado dentro do bloco saúde e equilíbrio, evidenciando também uma preocupação maior do público feminino em relação ao tema. Para 59% delas, essa lição se pronunciou na quarenta frente a 47% deles.
“A mensagem está chegando, felizmente. Entretanto, uma coisa é aprender, outra é praticar. As pessoas sabem há muito que têm de ter saúde física, por exemplo, mas não se cuidam”, opina Daniel Martins de Barros, médico psiquiatra do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas (IPq-HCFMUSP).
Outros aprendizados, como importância da qualidade do sono, atividade física praticada em casa e contatos com outras pessoas e com a natureza também evidenciam essa maior preocupação com temas que afetam as emoções.Barros lembra que “negligenciar os hábitos saudáveis do sono é fator de risco para uma série de problemas”, até porque fragiliza o sistema imunológico e também causa impactos negativos à saúde mental.
Além das noites bem dormidas, outro fator que ajuda na manutenção da saúde mental é ter relacionamentos significativos. “O distanciamento mostrou a importância da conexão entre as pessoas, o que inclusive revalorizou o estar em um grupo de conexão real”, complementa o especialista.
Isoladas em casa, as pessoas também despertaram para a falta que faz estar em contato com a natureza, assim como a importância do contato com plantas e animais domésticos. “A identificação com a natureza, principalmente no caso da mulher, acontece pela fertilidade, pela maternidade e a relação com sua cria. A criação e a manutenção da vida são valores encontrados na natureza e nas mulheres. Por isso, chamamos de mãe natureza”, afirma Wilma Bolsoni, terapeuta e colunista de HSM Management.
E é justamente essa sensibilidade, mais presente no público feminino, que pode deixar as mulheres mais vulneráveis quando o assunto envolve sentimentos negativos. O consumo excessivo de notícias ruins, por exemplo, pode levar a episódios de ansiedade. Portanto, consumi-las com moderação é necesssário, lição aprendida por 38% das mulheres e 29% dos homens.
“As mulheres são mais predispostas, por exemplo, a praticar ioga e meditação, e são mais cuidadosas também, pois vão a médicos e psicólogos com mais frequência”, pontua Troiano. Bolsoni complementa: “As mulheres têm mais sensibilidade para valores sutis”.
Os homens são maioria somente em um item: o de investir em autoconhecimento para ter mais êxito e alegria. Troiano acredita que esse resultado se deve à palavra “êxito”, que remete a “sucesso”, o que é mais atrativo para os homens. “Sucesso não está no mesmo patamar para homens e mulheres na escala de prioridades”, completa ela.
De qualquer forma, a pandemia trouxe uma série de imprevistos para as pessoas. Um deles, sem dúvida, foi no próprio bolso. Por isso, era de se esperar que as pessoas percebessem que ter reserva de dinheiro e educação financeira para lidar melhor com momentos de crise é um grande aprendizado.
Afinal, não é fácil para quem perdeu o emprego ou teve seu salário reduzido pela empresa, ou ainda quem tem receio de ser demitido, já que o caixa de muitas empresas está à beira do colapso. “E vai piorar! Entre agosto e setembro deve vir uma onda grande de demissões, como nos Estados Unidos, que teve 20 milhões de demitidos num único mês”, prevê Márcio Iavelberg, sócio da consultoria Blue Numbers.
O especialista em finanças explica que o assunto é indicado mais pelas mulheres na pesquisa, porque são naturalmente mais preocupadas com a segurança do emprego e porque, em muitas casas, a única renda é delas.
## __COMPORTAMENTO E SOCIEDADE__
Será que os hábitos e a relação do indivíduo com a sua comunidade vão mudar? Foi isso que este bloco sobre sociedade e comportamento buscou identificar na pesquisa. Os tipos de aprendizado são bem diversos, mas um ponto em comum conecta oito dos dez itens desta lista: o otimismo dos mais velhos, acima de 50 anos, prevaleceu em relação aos mais jovens, com idade entre 16 e 29 anos. Em sete itens a diferença chegou a ser de nove ou mais pontos percentuais de um grupo para o outro.
A maior diferença, porém, foi observada nos itens que falam de solidariedade e generosidade, sendo que no item “apesar de tudo o brasileiro é um povo muito generoso” a diferença ultrapassou 20%. “Aqui os mais velhos parecem enxergar melhor o altruísmo dos brasileiros, talvez porque os jovens achem que o mundo gira em torno deles mesmos. Já entre os mais velhos, é como se estivessem mais abertos para enxergar a generosidade e não olhar só para si”, opina Troiano. Outra hipótese, diz ela, é que talvez a nova geração seja mais cética em relação à generosidade.
## __E O FUTURO, COMO SERÁ?__
Para muitos entrevistados, a “ficha caiu” em diversos quesitos desta pesquisa. Mas será que os aprendizados vão perdurar?
Barros não acredita que virão mudanças na sociedade, pelo menos no que se refere aos cuidados com a saúde mental. Ele recorre ao que aconteceu com a Aids: “É uma pandemia, que se arrasta até hoje, que mudou o comportamento sexual, mas só por um tempo. Atualmente, cerca de 60% dos jovens não usam camisinha. Então, o aprendizado lá atrás foi se perdendo com o passar do tempo”. Não significa que não haverá avanços, diz ele, “veremos melhorias, obviamente, porque é para a frente que o mundo anda. Mas uma pandemia não é uma fada-madrinha que veio mudar tudo num passe de mágica”, conclui o psiquiatra.
Já Annunziata é otimista: “Acho que as pessoas vão acordar, que haverá mudanças de hábitos, porque não dá para manter o modo de consumo até então instaurado. Do lixo, por exemplo, só 7% são reciclados. Ele vai para algum lugar, e não é no espaço sideral, mas no nosso planeta. Então, ou cai a ficha ou as mudanças virão por mal”.
A visão de Bolsoni não é diferente. Para ela, o que a Covid-19 promete deixar de herança positiva é a valorização da vida no planeta, da natureza. “Foi tão chocante o que aconteceu quando as nossas atividades foram interrompidas. Nesse curto espaço de tempo, a Terra explodiu de vida, de forma fascinante e inesperada. Os céus ficaram mais azuis, as águas ficaram límpidas, os pássaros e os animais silvestres apareceram por todos os lados. Ficou evidente o quanto nossa atividade na Terra é destrutiva, é egoísta.”
Cecília Troiano, por sua vez, pondera ao considerar que “a pandemia permite, sim, uma reflexão sobre a vida, mas para aqueles que podem se permitir essa reflexão”. Como exemplo, voltamos ao quesito sobre ser possível consumir menos, o que é de fato possível para quem já tem suas necessidades básicas atendidas, está bem abastecido, já consumiu o que precisava. “Aqueles que estão de forma objetiva e subjetiva ‘abastecidos’ podem rever o conceito de consumo”, diz ela. Ao lado, porém, há uma multidão não saciada, e o consumo ainda está por ser plenamente realizado.
A falta de unanimidade entre os especialistas escancara uma das maiores lições que a pandemia tem deixado ao planeta: por mais que o ser humano queira controlar tudo e todos, as externalidades que podem afetar a sua existência na Terra são variáveis quase sempre incontroláveis. O que nos resta é aprender continuamente e usar esses aprendizados para nos adaptar e, assim, garantir a nossa sobrevivência e evolução como espécie.
## __7 Aprendizados sobre família e consumo __
*As opções mais assinaladas pelos respondentes no recorte classe social*
| | AB | CDE |
| ———- | ———- | ———- |
| É possível viver bem consumindo menos | 59,60% | 45,80% |
| Passar mais tempo com a família compensa e beneficia o trabalho | 48,70% | 42,50% |
| Cozinhar mais e comer menos fora de casa também pode ser legal | 47,90% | 41,70% |
| O trabalho doméstico, sem ajuda, é muito pesado e pouco valorizado | 46,70% | 36,40% |
| Os aplicativos de entrega e a atividade de delivery já são parte essencial das nossas vidas | 45,80% | 34,40% |
| O conceito de trabalho em equipe também precisa ser aplicado dentro de casa | 44,10% | 34,10% |
| Produzimos muito lixo e acumulamos muito | 47,00% | 32,00% |
*Fonte: Opinion Box e HSM Management, junho de 2020.*
## __11 Aprendizados sobre saúde e equilíbrio__
*As opções mais assinaladas pelos respondentes no recorte de gênero*
| | Feminino | Masculino |
| ———- | ———- | ———- |
| Cuidar da saúde mental é tão importante quanto cuidar da saúde física | 59,10% | 47,50% |
| Dormir e ter qualidade de sono é muito importante para equilibrar a vida | 54,90% | 46,80% |
| Precisamos ter reserva de dinheiro e educação financeira para lidar melhor com momentos de crise | 53,30% | 43,70% |
| O contato com a natureza é importante e faz falta | 49,10% | 38,70% |
| Redes sociais são boas para nos manter em contato com os outros, mas é preciso ter moderação | 47,90% | 37,80% |
| O contato físico (encontros pessoais, abraços etc.) faz mais falta do que imaginávamos | 44,90% | 35,90% |
| A cultura (filmes, séries, música) é essencial para nos ajudar a enfrentar momentos de adversidade | 44,40% | 36,40% |
| Fazer atividade física em casa é possível | 39,40% | 38,40% |
| É preciso consumir notícias ruins com moderação. Falar em excesso sobre morte, doença e mazelas da sociedade só aumenta a ansiedade | 38,80% | 29,40% |
|Investir em autoconhecimento é fundamental para ter mais êxito e alegria | 31,90% | 33,30% |
| Lidar com plantas e animais domésticos nos integra ao planeta | 33,20% | 29,90% |
*Fonte: Opinion Box e HSM Management, junho de 2020.*
## __10 Aprendizados sobre comportamento e sociedade__
*As opções mais assinaladas pelos respondentes no recorte por idade*
| | 16-29 | 30-49 | 50+ |
| ———- | ———- | ———- | ———- |
| Precisamos ter um plano B para crises e situações que não controlamos | 44,90% | 47,60% | 51,70% |
| Atos de generosidade e solidariedade fazem bem a nós mesmos, além de obviamente fazerem bem ao outro | 37,60% | 41,10% | 51,10% |
| É possível, sim, jogar velhos hábitos fora e abrir mão de coisas que não me fazem bem | 37,80% | 41,20% | 47,20% |
| A nossa capacidade de adaptação é extraordinária | 34,50% | 38,40% | 49,20% |
| Devemos e podemos saber fazer mais com menos | 34,50% | 39,60% | 43,60% |
| Ter mais qualidade de vida é minha responsabilidade, e as mudanças estão ao meu alcance | 33,90% | 37,00% | 45,80% |
| Ter rotina é importante em qualquer modalidade de trabalho (presencial ou remoto) | 37,20% | 38,00% | 35,80% |
| Filtrar informações é fundamental para não sofrer por excesso e/ou falta de conteúdo | 33,70% | 35,70% | 42,50% |
| Apesar de tudo o brasileiro é um povo muito generoso | 24,00% | 32,60% | 43,90% |
| Fazer cursos online pode sim ser muito eficiente, depende mais da sua presença e entrega | 32,50% | 30,00% | 27,80% |
*Fonte: Opinion Box e HSM Management, junho de 2020.*
## __7 Aprendizados sobre trabalho__
*Do total de respondentes, 16% estão trabalhando em home office. A tabela abaixo reflete as lições que esse grupo tem tirado dessa experiência*
| | Geral* |
| ———- | ———- |
| É possível ser produtivo no home office | 65,00% |
| A flexibilidade no trabalho me ajuda a ter um desempenho melhor em outras partes da vida | 50,60% |
| Colaboração será a chave do sucesso no pós-crise | 46,10% |
| Somos mais autônomos e independentes do que pensávamos, mas é preciso ter disciplina | 45,50% |
| Ouvir é valioso. Fazer reunião usando a tecnologia ajuda as pessoas a desenvolverem a escuta ativa, em que ouvimos mais e interrompemos menos | 41,00% |
| A produtividade e o volume de trabalho não deveriam ser medidos por horas e sim por entregas | 40,40% |
| Trabalhar em home office exige da gente uma postura mais sênior | 37,40% |
*Considerando somente o grupo de respondentes que estão trabalhando home office .
*Fonte: Opinion Box e HSM Management, junho de 2020.*
A experiência de trabalhar em home office
Do dia para a noite, uma grande massa de colaboradores deixou os escritórios e passou a trabalhar de casa. O que eles aprenderam depois de meses vivendo nessa realidade? Foi o que a pesquisa captou no recorte feito com as 334 pessoas que declararam ter adotado o home office em função da pandemia.
Para 65% dos respondentes a experiência mostrou que é possível ser produtivo trabalhando de casa, mas que, para ter a autonomia e a independência necessárias, a disciplina é indispensável para 45% delas. Esse último fator pode ter sido o que levou cerca de 37% do público a aprender que é preciso ter uma postura mais sênior para lidar com os desafios que o trabalho remoto impõe.
Sobre como medir a produtividade, 40% declaram ter aprendido que as horas trabalhadas deveriam ser substituídas pelas entregas. Como afeta diretamente a cultura corporativa, esse fator também foi evidenciado como lição aprendida pelas empresas na reportagem da página 56.
Ter um melhor desempenho em outras partes da vida foi a lição que a flexibilidade proporcionada pelo home office ensinou para metade dos respondentes.
Por fim, o trabalho remoto trouxe descobertas interessantes para o mundo pós-pandemia. Cerca de 46% disseram que a colaboração será a chave do sucesso neste futuro que se aproxima, enquanto 41% interpretaram a utilização das videochamadas como uma poderosa ferramenta para treinar a escuta ativa. Ouvindo mais e interrompendo menos, a convivência no trabalho, no mundo físico ou virtual, tem tudo para ser mais harmônica e agradável.
Passada a fase árdua da adaptação, o home office deve deixar saudades.
__Confira [aqui](https://www.revistahsm.com.br/post/35-aprendizados-para-a-vida-resultado-completo-da-pesquisa) todas as tabelas da pesquisa (exclusivo para assinantes) __