O trabalho remoto imposto pela pandemia abriu espaço para o resgate de um prazer antigo: tocar guitarra. Com a lembrança de sua primeira banda – de rock de garagem, com outros adolescentes cheios de sonhos –, ele se mantém focado na desafiadora realidade de conduzir a ICL no cenário ainda mais desafiador trazido pelo coronavírus. É uma banda muito maior, com impacto mundial. CEO da companhia de fertilizantes israelense na América do Sul, Gustavo Vasques aprendeu com o vírus a importância de equilibrar os diversos campos da vida para manter a saúde mental e a energia que move sua carreira. “Estabeleci alguns objetivos, como ‘tirar’ uma música, aprender a fazer uma escala diferente na guitarra. Esse é um exemplo de buscar equilibrar um pouco do dia a dia e ajudar a minha saúde mental”, conta.
Neste bate-papo com Carmen Raygada, diretora de recursos humanos e comunicação corporativa da empresa, Vasques aponta a área de RH como vanguarda na construção de inovação nas empresas – ou seja, a área deve ser pioneira em boas práticas organizacionais. Em sua avaliação, o exercício da liderança hoje passou a ser impactado diretamente pela tecnologia. “Ter a habilidade de se dirigir às pessoas e coordenar grupos em um ambiente virtual virou algo fundamental hoje”, avisa. Vasques também avalia os desdobramentos da pandemia e destaca que é preciso abrir a cabeça.
__Carmen Raygada – O que você pode contar sobre a bagagem que adquiriu nesses mais de 30 anos de mercado que eu ainda não sei?__
__Gustavo Vasques –__ Que tive sorte ao longo da minha carreira. [risos] Trabalhei em empresas e com pessoas de alto nível, onde aprendi muito. Já no início, na Monsanto, me beneficiei de um programa de job rotation, que expunha as pessoas a diferentes desafios de trabalho. Ali trabalhei em segmentos muito diversos: fluidos para aeronaves, especialidades químicas, ingredientes alimentícios e biotecnologia, uma diversidade que acelera o aprendizado. Depois, aos 33 anos, atuei na Georgia-Pacific Resinas, como diretor geral. Ali, aprendi o valor de trabalhar muito próximo de todos os níveis na organização, em especial dos níveis operacionais, de gente com décadas de experiência e que têm muito a ensinar. Também foi um desafio de turnaround do negócio. Já na Sumitomo Chemical, um dos principais desafios foi unir várias empresas pertencentes ao mesmo grupo econômico, mas localizada em diferentes países, em um único time e propósito. Fizemos isso, e tenho bastante orgulho do que a equipe conquistou. Na ICL América do Sul [anteriormente Compass Minerals], fizemos a transição de uma cultura de empresa familiar para uma organização multinacional e, agora, estamos pilotando uma transformação profunda no negócio e no mercado de nutrição de plantas.
__Você vê uma relação entre a diversidade de experiências e o sucesso da sua carreira?__
Sim, sou muito agradecido, porque isso fez diferença no meu crescimento profissional. Trabalhar com pessoas diferentes foi uma das coisas que mais me abriram a cabeça para encarar desafios que não estavam dentro de minha expertise. Hoje consideramos na diversidade e na inclusão valores universais e damos justa importância a eles. Outra coisa que a diversidade trouxe à minha bagagem profissional foi a noção de que os negócios, independentemente do segmento em que estejam, seguem princípios muito semelhantes.
__Quais sejam…__
Essencialmente, pessoas motivadas em torno de um propósito e uma visão têm condições de conquistar muito.
__Nesse contexto, o que é sucesso?__
É trabalhar com aquilo que se gosta e em algo que você esteja construindo. Isso mantém a motivação. É conseguir enxergar o trabalho em andamento lá na frente e sentir orgulho. Já trabalhei em situações nas quais minha missão era desconstruir algo e isso não foi legal.
Outro ponto é passar, graças ao trabalho, por situações interessantes para a vida: viagens, encontros com pessoas fantásticas, situações do dia a dia do trabalho que enriqueçam sua vida. Nem sempre soube valorizar isso, mas hoje procuro me atentar a esses momentos e valorizá-los.
__É como criar um crédito emocional? E isso colabora para a saúde mental… Como você cuida da sua?__
Isso mesmo. Faço essas coisas que descrevi e tenho objetivos em outras áreas da vida. Tocar um instrumento, aprender uma língua, fazer um curso sobre algo que eu goste, buscar uma habilidade nova. Agora, na pandemia, comprei uma guitarra nova; na adolescência eu fazia parte de uma banda de rock de garagem, mas, depois que comecei a trabalhar, ela acabou. Agora retomei o antigo gosto e estabeleci alguns objetivos, como “tirar” uma música, aprender a fazer uma escala diferente na guitarra.
__O que você acredita que vem por aí em liderança?__
Um ponto que tem um papel importante na liderança atual é a tecnologia. Ter a habilidade de saber se dirigir às pessoas e coordenar grupos em um ambiente virtual é fundamental hoje. Outro ponto fundamental que o novo líder tem de ter é a cabeça cada vez mais aberta em relação a tudo aquilo que as pessoas podem entregar, individual ou coletivamente, independente de seu credo, da orientação sexual, da bagagem étnica, social etc. Essa questão talvez fosse, há 10, 15 anos, vista como uma habilidade adicional para um executivo; agora é tão obrigatória como falar inglês.
Mas quem olha para o novo não pode descuidar do velho. Acho que existem práticas de liderança que não caducam com o tempo, como agir eticamente com todos.
__Nossos trending topics atuais talvez sejam pandemia, trabalho híbrido e seu impacto nas pessoas e no negócio. Qual é seu olhar sobre isso?__
Sou muito otimista em relação ao momento que vivemos. Tivemos uma espécie de pêndulo durante a pandemia. Todo mundo foi para casa e, diferentemente do que se pensava que fosse acontecer, todos passaram a trabalhar mais e, embora seja uma regra não escrita, convencionou-se que era o normal. Ao longo da pandemia, que ainda não acabou, estamos tirando um aprendizado sobre como equilibrar isso. Quando acabar, teremos outra jornada e vamos equilibrar.
__Você vê o RH influenciando a liderança? Como?__
O papel do RH para mim sempre foi e continuará sendo o de ponta de lança em todas as práticas que queremos implementar. O RH é o pioneiro de boas práticas organizacionais; nunca pode vir atrás. Ele dita tendências por meio da prática.
__Nossa empresa tem crescido nos últimos anos, com resultados visíveis. Isso remete a engajamento?__
Com certeza. Sem engajamento, você não consegue resultado em nenhuma empresa. No nosso caso, somos uma companhia que precisa de pessoas para gerar demanda. Não desenvolvemos coisas que se colocam na prateleira e se vendem sozinhas. São coisas que precisam de explicação, persuasão, comprometimento de pós-venda com aquilo que se vendeu. Nesse tipo de negócio, o engajamento das pessoas é fundamental para o sucesso. Você não consegue fazer nada se de fato as pessoas não acreditarem no que fazemos. Como os agrônomos têm o costume de dizer, o sucesso está em “acreditar no produto” e “fazê-lo funcionar”.
__Hoje, quando se fala em ESG, fala-se muito em agricultura. O que ICL América do Sul faz em ESG?__
Nós desenvolvemos fertilizantes especiais para que os produtores rurais produzam mais com menos insumos; a sustentabilidade tem de estar presente o tempo todo no que fazemos. Um exemplo? Contribuímos com as comunidades que estão ao nosso redor, como em Suzano (SP), onde temos uma de nossas fábricas. Frequentemente, contribuímos com escolas, com formação complementar. Na pandemia, fizemos muitas doações de material hospitalar e sanitizantes. Mas sinceramente acho que temos de nos desafiar mais em ESG.
__Como o RH se conecta com os valores da empresa?__
O RH tem papel líder. Deve procurar ter ferramentas mais simples, não necessariamente mais modernas, para as pessoas poderem praticar os valores no dia a dia. Saber se comunicar é o fundamental para o RH conseguir fazer isso.
__Qual seu estilo de liderança?__
Tento comunicar com o máximo de frequência possível a visão do negócio e, então, obter feedbacks para ajustes. Gosto de pensar que sou de valorizar [coisas, pessoas] e de colocar em prática. Meu time sabe que, seja lá o que formos fazer, usaremos justiça como parâmetro. Não me orgulho do número de horas trabalhadas, mas tenho tentado ser mais hands off.
__GUSTAVO VASQUES__
Gosta de conversar com a filha adolescente para entender a nova geração.
__CARMEN RAYGADA__
Fez carreira em várias multinacionais de farma e agro, e também na Tigre.