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Em 1979, o pessoense Carlos Alberto de Oliveira Andrade, então com 36 anos, decidiu encomendar um Ford Landau na concessionária da marca em Campina Grande, na Paraíba. Chegou a antecipar o pagamento, mas não conseguiu receber o carro.
A revenda faliu antes. Propôs, então, ficar com a loja, como forma de ressarcir-se do prejuízo. Tomou gosto pela atividade e ampliou seus negócios no ano seguinte para Recife (PE), onde também passou a comercializar os modelos Ford, até chegar a São Paulo, em 1984, e tornar-se o maior revendedor da marca na América Latina e constituir o Grupo CAOA (suas iniciais).
Hoje, quase 40 anos depois da frustrada aquisição do Landau, a CAOA possui 130 concessionárias nas quais distribui veículos da montadora japonesa Subaru e da sul-coreana Hyundai, além dos da norte- -americana Ford que originaram o conglomerado. A tudo isso se acrescentam duas fábricas – de alguns modelos Hyundai e da marca chinesa Chery.
Mais de 7 mil funcionários se encarregam do dia a dia das operações do grupo, que incluem, ainda, serviços financeiros, administradora de consórcio e diversas atividades acessórias para dar suporte à venda anual de 130 mil veículos e realizar, mensalmente, 40 mil atendimentos nas ofi cinas das concessionárias.
**USANDO TALENTOS DE DOUTOR**
Quando não conseguiu comprar o Landau em Campina Grande e assumiu a revenda Ford, Andrade começou a empregar formas menos ortodoxas de comercialização e atendimento aos clientes. Depois de dar expediente no hospital em que trabalhava como cirurgião especializado em problemas abdominais, ia para a loja vender carros. Era muito atencioso, e muito bom de negociação. Em períodos de dinheiro curto, por exemplo, aceitava até cabeças de gado como forma de pagamento.
Ainda hoje, como presidente do conselho de administração do grupo, ele vai para o balcão em alguns momentos, fazer as vezes de vendedor, sem se identificar como fundador e controlador do grupo. Um dia desses, um cliente o abordou e, depois de muita negociação, sacramentou: “Olha, sou muito amigo do Dr. Carlos. Se não ceder um pouco mais no preço, vou me queixar diretamente a ele e você perderá sua comissão”. Andrade não se fez de rogado: “Se é assim, vou consultar o Dr. Carlos e já retorno”. Quinze minutos depois, ele voltou e disse ao cliente: “Dr. Carlos autorizou que a venda seja fechada pelo preço que o senhor propôs”.
Questionado pelos demais vendedores se o negócio teria sido bom também para a CAOA, Andrade informou que sim – o desconto fi cara dentro dos limites da margem de negociação que a empresa estabelece para sua equipe de vendas. E que não tinha nenhuma importância que as tratativas tivessem incluído o blefe do cliente de que “conhecia” o Dr. Carlos. O episódio passou a ser disseminado entre os funcionários como modelo a seguir, demonstrando a enorme importância que eles deveriam dar aos clientes.
Pode ser feita mais uma analogia entre o atendimento da CAOA e a medicina. É muito frequente, por exemplo, que consultores de venda e mecânicos forneçam o número de seu telefone celular aos fregueses para que os procurem quando precisarem. Esse é o genuíno marketing de relacionamento. Consegue-se estabelecer uma comunicação do cliente tanto com a empresa como com os funcionários e, mais ainda, uma relação de confiança.
Os funcionários dirigem-se a Andrade como Dr. Carlos – no caso, não se trata da reverência dos subordinados ao superior hierárquico tão comum no Brasil, já que ele é doutor de fato. Seus auxiliares diretos inclusive afi rmam que as habilidades inerentes
ANDRADE, UM CONDE MATARAZZO DO SÉCULO 21
Os grandes líderes empresariais são os que põem a inovação à frente de tudo, arriscam-se, atiram-se, enfrentam todo tipo de dificuldade e, assim, fazem a história do mundo dos negócios. “Carlos Alberto de Oliveira Andrade, da CAOA, é assim”, afirma Francisco Alberto Tripodi, da consultoria de inovação Pieracciani. “Pelo arrojo, pela força, pela qualidade das decisões que toma, ele é um conde Matarazzo dos dias atuais”, completa, referindo-se ao italiano proprietário de um colosso industrial em São Paulo que teve seu auge nas décadas de 1950 e 1960.
A Pieracciani começou a trabalhar com a CAOA em 2012, ajudando-a a desenvolver seu potencial de crescimento e a tornar-se mais competitiva, por meio da inovação de seus processos de gestão e de fabricação. Como conta Tripodi, em 2013 a CAOA montou um comitê de inovação que até hoje se reúne semanalmente e do qual participam executivos da alta cúpula da empresa. “A estratégia de nacionalização de componentes dos veículos produzidos na fábrica de Anápolis (GO) decorreu dessas reuniões, por exemplo”, explica o consultor. “Calculava-se o que era necessário nacionalizar em cada carro e de que forma isso seria desdobrado com os fornecedores locais.”
Agora, a CAOA se diz pronta para fazer um veículo brasileiro e pode combinar essa competência com as demais que já a notabilizaram, como o desenvolvimento de marcas no mercado brasileiro (como fez com Renault, Subaru e Hyundai) e a excelência no atendimento ao consumidor em suas lojas.
Para Paulo Cardamone, diretor de estratégia da Bright Consulting, o fato de o Grupo CAOA passar de uma empresa regional de concessionárias para uma montadora com fábrica de alto padrão demonstra dois importantes aspectos: a visão de seu proprietário (de desejar ser líder de seu segmento) e sua capacidade de reunir um grupo de profissionais experientes que permitiram essa mudança. “A meu ver, o que mais destaca a CAOA é sua estratégia de vendas e atendimento”, afirma Cardamone. “A relação com o cliente parece estar mais em linha com seu DNA.”
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Marcio Alfonso, diretor-presidente da CAOA Chery; Mauro Correia, presidente-executivo do grupo
O que dizer das relações com as montadoras estrangeiras? Segundo Milad Kalume Neto, da consultoria Jato Dynamics, a Chery, montadora asiática com a qual a CAOA firmou uma sociedade no Brasil, tem importante participação no mercado chinês, porém, até o momento, não emplacou por aqui. Já com a Renault e, mais recentemente, com a Hyundai há alguns desentendimentos.A opção estratégica da CAOA por ser concessionária de várias marcas e fabricante de automóveis (atualmente dos modelos Hyundai e Chery) ao mesmo tempo é sustentável? Kalume Neto diz ter dúvidas, mas ressalta que houve muito aprendizado das partes no relacionamento entre CAOA e Hyundai, aprendizado esse ao qual a Chery tem acesso. “Vamos lembrar que a Hyundai iniciou a produção no Brasil com o caminhão HR, o antigo Tucson e o IX35, sempre uma geração anterior ao que comercializava em outros mercados e hoje não é mais assim”, analisa Kalume Neto. “CAOA e Hyundai aprenderam com os erros no acordo que fizeram, e a Chery soube deles e não os cometerá.”
a quem ganha sua vida salvando a vida de outros em uma mesa de operação estão realmente presentes em seu dia a dia empresarial, como a rapidez na avaliação de riscos e no raciocínio. Seja no relacionamento com clientes, seja com os funcionários, seja no processo de tomada de decisões.
“Ele faz de cabeça contas para as quais precisamos de uma calculadora HP”, diz Mauro Correia, presidente-executivo do Grupo CAOA. “Ele sabe como poucos analisar o processo comercial como um todo, o que o torna um exímio comprador, vendedor e negociador”, completa Marcio Alfonso, diretor-presidente da CAOA Chery.
Correia e Alfonso são egressos da Ford, assim como Antônio Maciel Neto, presidente-executivo do Grupo CAOA de 2013 a 2016, no início da profissionalização da direção da companhia. Até cinco anos atrás, Andrade centralizava todas as decisões e cercava-se de auxiliares cuja confiança chegava a ter mais peso que a competência administrativa em sua seleção dos funcionários mais próximos. Porém concluiu que, para lapidar seus negócios com respaldo para continuar crescendo de forma sustentável, teria de buscar talentos de fora da empresa.
E o que fez com que esses e vários outros executivos de nível sênior da CAOA trocassem seu emprego anterior pelo atual? “Aqui, temos apoio para criar, desenvolver coisas novas, fazer diferente daquilo que o mercado faz normalmente”, responde prontamente Mauro Correia.
A ousadia de cirurgião talvez ainda seja traduzida na inovação, vista como impulsionador de crescimento. O grupo tem comitês de inovação que discutem periodicamente como aprimorar seus processos. Um exemplo é o sistema de lavagem dos veículos nas oficinas, que deixou de gastar 100 litros de água para limpar um carro e reduziu essa quantidade para 3 litros, ao empregar um método de lavagem a vapor, sem produtos químicos.
Nas revisões e manutenções de veículos, o processo se dá como em uma equipe de Fórmula 1. Dois mecânicos executam os trabalhos necessários com o auxílio de um equipamento desenvolvido internamente para erguer o carro, fixar os pneus e armazenar as ferramentas necessárias – tudo, para que o veículo seja entregue a seu proprietário o mais rápido possível. E o processo pode ser acompanhado pelo cliente.
Equipes de qualidade periodicamente vão a campo auditar as lojas, verifi car os problemas e oferecer planos de melhoria, além de fi xar metas de crescimento. Foi o que garantiu à CAOA, nos últimos anos, o primeiro lugar em satisfação do cliente – tanto nas vendas quanto em serviços de pós-venda – nas pesquisas da consultoria J.D. Power, especializada no setor. “Neste ano, fi camos atrás da Toyota, que é um exemplo de qualidade nesses quesitos”, diz Mauro Correia. “Nosso objetivo não é só ser o primeiro, e sim ter a garantia de que entregamos ao cliente o melhor serviço para que ele volte a ser atendido por nós e compre outro carro nosso”, esclarece.
**CONSTRUÇÃO DE MARCAS**
Esses cuidados de atendimento demonstram por que Andrade é considerado no mercado um notável desenvolvedor de marcas. Outra ferramenta é que a propaganda de veículos sob o guarda-chuva da empresa intencionalmente não exibe artistas, como boa parte do varejo de automóveis; as peças publicitárias usam os próprios veículos como personagens principais e destacam seus recursos em breves, porém consistentes, explicações.
Mais do que isso, todas as vezes em que é exibido um anúncio de uma das marcas da CAOA no intervalo do Jornal Nacional, da Rede Globo, ou quando é feita uma campanha digital, um exército de funcionários fi ca a postos nas concessionárias para atender às pessoas que querem receber informações adicionais sobre os produtos.
Depois de crescer vendendo carros da Ford, a CAOA decidiu fazer sua incursão no ramo de importados em 1992, ao tornar-se representante da francesa Renault. Em três anos, a marca passou a líder no segmento de importados e decidiu instalar uma fábrica no Brasil. Andrade tentou, inclusive, responder por essa planta, mas as negociações não prosperaram e a Renault tocou o projeto sem ele.
**Nas revisões, o objetivo é agir como uma equipe de Fórmula 1**
Em 1998, a CAOA se tornou importadora ofi cial da Subaru. As vendas da marca japonesa, antes com outro importador, triplicaram em menos de um ano e continuam signifi cativas até hoje.
Em 1999, foi a vez da Hyundai, que já havia sido representada por dois outros distribuidores sem sucesso. Com a CAOA, a marca sul-coreana tornou- -se líder no mercado de importados com o modelo Tucson, o que fez com que, em abril de 2007, Andrade inaugurasse a CAOA Montadora de Veículos S.A., um investimento de R$ 1,2 bilhão bancado exclusivamente pela empresa brasileira em Anápolis (GO). Ela passou a produzir caminhões e veículos utilitários esportivos (SUV, na sigla em inglês) da Hyundai, como a Tucson.
**FATOS E NÚMEROS DA CAOA
Destaques:** maior grupo de concessionárias da América Latina em vendas de automóveis e maior revendedor Ford da América Latina. Fundação: 1979, em Campina Grande, na Paraíba.
**Número de concessionárias:** cerca de 130, entre Hyundai, Subaru, Ford e Seminovos.
**Cronologia:** revenda da Ford (1979), revenda da Renault (1992), revenda da Subaru (1998), revenda da Hyundai (2000), fábrica de Anápolis (2007) e fábrica de Jacareí (2017).
**Quantidade de veículos vendidos:** 130 mil por ano; 1,2 milhão ao longo da história.
**Número de atendimentos em suas oficinas:** 40 mil por mês, entre revisões programadas e manutenções corretivas.
**Fábricas de automóveis:** em Anápolis (GO), com R$ 2,5 bilhões em investimentos e capacidade para 86 mil veículos por ano; e Jacareí (SP), em sociedade com a Chery International, cujas instalações permitem 50 mil unidades anuais, com a possibilidade de ampliação para 150 mil.
**Número de funcionários:** 7 mil, sendo mais de 800 vendedores e 2 mil técnicos em lojas.
Fonte: CAOA.
**CRIAÇÃO DE PARCERIAS**
Além dos talentos de doutor e da capacidade de construção de marcas, a CAOA mostrou habilidade para construir parcerias. Tanto que, em suas operações de varejo, ela representa diversas marcas concorrentes entre si. “O conflito é natural, tem é de ser bem administrado. E o grupo tem essa vocação de trabalhar com múltiplas marcas”, afirma Alfonso. “Na minha opinião, é importante ter essa diversificação. Uma empresa do porte da CAOA não pode ficar dependente de uma marca. Se essa marca prospera, ótimo. E se entrar em estagnação ou resolver tomar alguma outra decisão?”
Como administrar bem o conflito natural? Com orientações corretas aos vendedores. “Nosso esforço é para que todas cresçam. Nunca faremos uma Ford concorrer com uma Hyundai nem com uma Subaru dentro de nossas lojas. Cada gestão de marca tem um diretor no grupo”, explica o presidente-executivo da CAOA.
A sociedade na fábrica com a Hyundai foi uma parceria levada ao próximo nível em 2007. Por três anos, tudo correu bem, mas, em 2010, a Hyundai optou por erguer uma fábrica própria em Piracicaba (SP) para produzir outros modelos – a linha HB20 e o Creta, também vendidos nas lojas CAOA.
As duas fábricas (a CAOA Hyundai e a Hyundai) coexistem já há oito anos, mas, em 2017, a companhia sul-coreana informou à brasileira não ter mais interesse em renovar o contrato de produção e revenda de seus veículos pelo grupo de Andrade e o caso está sendo discutido na Justiça. A Hyundai recusa-se a fazer comentários a respeito do assunto. A CAOA fala, por meio de Mauro Correia: “Tenho certeza de que chegaremos a bom termo”.
Em outras palavras, a CAOA não foge dos conflitos naturais no varejo e também na área industrial, e se empolga cada vez mais com parcerias. No fi nal de 2017, anunciou uma sociedade em partes iguais com a chinesa Chery International, concorrente da Hyundai na Ásia, que já dispunha de uma fábrica em Jacareí (SP). A junção das competências de ambos os grupos deve possibilitar à nova empresa desenvolver carros mais adaptados ao mercado brasileiro e levar a CAOA a alçar um ambicioso voo como montadora.
Ao longo dos próximos cinco anos serão aplicados US$ 2 bilhões na nova marca, que começou este ano com 0,13% de market e, em junho, já tinha 0,3%. “Até 2020, chegaremos a 2%”, projeta Alfonso.