Um vice-presidente responsável pela região da Ásia de uma multinacional previa uma manhã difícil. Depois de uma reunião na matriz, ficou decidido que o CEO da Índia deveria ser “convidado” a assumir uma posição de staff, pois não tinha as habilidades necessárias para uma fase mais empreendedora da empresa. Cabia ao vice-presidente a missão de comunicar ao CEO a decisão. Foi mais fácil do que ele imaginou. Tudo correu tranquilamente, o CEO recebeu a notícia calado e não manifestou nenhuma indignação. Satisfeito, o vice-presidente voltou para sua base em Singapura, achando que tinha dado tudo certo.
“Essa certeza se evaporou quando recebi um e-mail do CEO”, me confidenciou ele. “Era uma mensagem longuíssima, li e reli muitas vezes e não entendi nada. Pedi explicações, recebi outro e-mail ainda mais longo e indecifrável. Senti que tinha de voltar para Índia e ter uma nova conversa. Chegando lá, fui falar diretamente com o CEO e ele, com um misto de embaraço e desconforto, me explicou que aceitava até uma redução em seu salário, mas me pedia encarecidamente que não tirasse de nenhuma maneira seu título de CEO. Resolvi a situação transferindo-o para a regional de Sri Lanka e trazendo outro executivo como CEO da Índia para acelerar os negócios.”
Todo mundo ficou feliz! Mas não acabou ali. “Dois meses depois, fui convidado para uma festa na casa do CEO dos e-mails indecifráveis, em um bairro sofisticado de Nova Délhi. Foi ali que entendi de verdade a situação. No muro da casa tinha uma placa de metal dizendo ‘aqui mora fulano de tal, CEO’. Ainda espantado, reparei que nas casas vizinhas placas reluzentes deixavam clara a posição de cada morador no mundo corporativo.”
Essa primeira história – e a revelação de que já nasceu o bebê que vai viver 150 anos – me provocaram uma profunda reflexão sobre nossa jornada profissional.
É fato que o avanço da medicina ampliou consideravelmente nossa expectativa de vida. E, mesmo que aqui no Brasil não vejamos placas-ostentação como as daquelas casas chiques de Nova Délhi, posso afirmar que o apego de quem ocupa posições de destaque no ambiente corporativo também é muito grande em nosso país.
Adicionamos a esse cenário o alto turnover de posições de CEO que permanecem em média quatro anos em suas cadeiras, e a política de aposentadoria de várias empresas, que aposentam compulsoriamente seus executivos aos 60/65 anos. E aí temos um cenário alarmante: maior expectativa de vida + apego à posição + alto turnover + aposentadoria forçada = vai sobrar tempo, vai faltar posição, pode faltar receita para manter padrão de vida, e a frustração tende a ser generalizada.
Considerando todo esse contexto, minha proposta é redesenhar o curso de nossas carreiras. Ao invés de desacelerar, precisamos encontrar motivos e caminhos para sermos mais produtivos, relevantes e maximizarmos nossa experiência. Ainda temos muito tempo de vida para virarmos generais de pijama, que recitam os feitos do passado de forma saudosa.
Ao invés da famosa frase menos é mais, para quem já está no segundo tempo da vida, como eu, o lema é mais é mais. Mais interesses, mais projetos, mais impacto e mais significado.
**A METODOLOGIA**
Sempre fui apaixonado por parques de diversão. Quando ia com a família ficava admirado com as luzes, inebriado com o cheiro da maçã-do-amor e animado com todos aqueles brinquedos. E foi em um parque em Chicago que tive o insight de usar a roda gigante como metáfora das minhas metodologia e visão de evolução de carreira. Além de aplicar em minha vida, hoje ajudo executivos que, mesmo após os 50 anos, querem continuar ativos e produtivos. A metodologia em si é composta por três grandes etapas:
**1. (Re)Conhecer-se:** aprofundamento do autoconhecimento, ampliação de quem você é, compreensão de seus motivadores, do que energiza e conecta você, de suas principais competências e ativos, de seu propósito (como quer ser percebido por si próprio e pelo mundo). Um inventário pessoal de quem você é e de como você funciona.
Essa dinâmica é baseada em um instrumento chamado Biográfico, uma reflexão da vida ao longo dos setênios (ciclos de sete anos), muito utilizado por profissionais que atuam com a antroposofia, concebida por Rudolf Steiner no início do século 20.
**2. Explorar:** proposição de várias opções de papéis que alguém pode desempenhar, potencializando suas competências e ativos que formalizamos na etapa 1. As situações são descritas com detalhes para perceber grau de excitação, a energia e a vontade de desempenhar cada um dos papéis. Prototipa-se os finalistas para chegar aos verdadeiros vencedores, que dão subsídios para a etapa seguinte.
**3. Tornar-se:** com os papéis finalistas bem mais detalhados e amadurecidos, cria-se o plano de ação. Como viabilizá-lo? Quais as etapas que precisam ser seguidas e qual o cronograma? Como mapear sua rede e abordá-la de maneira construtiva e engajadora? Como gerenciar frustrações e conflitos internos, mas também formalizar a alocação do tempo nas várias dimensões de sua vida: família, bem-estar, aprendizado relevante, criação de iniciativa social etc.?
A ideia de não usar o termo transição e sim evolução de carreira vem da convicção de que tudo na vida tem um ciclo. É claro que podemos tentar controlar esse fluxo, mas nunca conseguiremos um controle absoluto sobre esse tempo. E tentar controlar as coisas de maneira muito intensa gera um apego extremo. Aprendi que na carreira, ou em qualquer momento da vida, o apego extremo é a raiz do sofrimento.
Transição significa sair de uma coisa e ir para outra. E quando essa coisa se fecha e você está dedicado exclusivamente a ela, vem o sofrimento pelo apego. Já evolução é diferente. Basta reparar em nossa aparência, nossos sentimentos e nossas experiências para percebermos que tudo está sempre em movimento. Quer a gente queira, quer não. E penso que aplicar esse conceito à carreira é muito saudável. Então, quando mapeamos nossas possibilidades na etapa 3 e construímos nossa roda-gigante, esse conceito fica mais tangível e gera mais tração.
**NA PRÁTICA**
Depois de concluir as três etapas, é hora de estruturar sua roda gigante. Seus verdadeiros valores são colocados na base. Não falo daqueles que considero higiênicos, tipo honestidade ou integridade, mas em um conjunto específico de valores que são referência em momentos de tomada de decisões, sobre como agimos.
No centro da roda-gigante destaco o propósito. Palavra tão falada, desejada, mas que pouca gente trabalha de verdade para encontrar e tangibilizar o seu. Propósito para mim é: por que você faz o que faz, como quer ser reconhecido e o que quer deixar neste mundo quando partir.
E, com os valores e os propósitos definidos, plotamos cada nova atividade em uma cadeira dessa roda-gigante. As cadeiras são conectadas ao propósito e amparadas pelos valores que nos tornam únicos.
Para exemplificar, sempre compartilho minha própria roda-gigante. Na base, destaco impacto, consistência e simplicidade como meus verdadeiros valores. No centro, o meu propósito: “levar pessoas e organizações a outros patamares de performance”. Nas cadeiras, meus diferentes papéis: coach de CEOs e empresários, conselheiro de três empresas, mentor de empreendedores, educador/coach de jovens em estado de vulnerabilidade social, conselheiro de ONG, coach de treinadores de esporte de alto rendimento e colunista sobre liderança em jornais e revistas.
Parece muita coisa, e é! Mas nem todas têm a mesma intensidade. A ideia é que quando uma cadeira da roda-gigante está descendo, a outra está subindo. Por isso a visão da descida não é ruim. E quando a gente trabalha no que gosta, acredita e sente que tem um significado, a energia vem e conseguimos realizar muito mais! Aprendi isso fazendo minha roda gigante girar.
Aprendi também que estresse é resultado de falta de escolha. E felicidade é colocar uma ou duas coisas que você faz bem em prol do mundo. Esses dois conceitos se integram na roda-gigante da evolução da carreira. E então: vale a pena começar a pensar na sua?