Uncategorized

Chega de tanta felicidade

A atual onda do imperativo da felicidade é mau remédio para os novos tempos
Psicanalista e psiquiatra, doutor em psicanálise e em medicina. Autor de vários livros, especialmente sobre o tratamento das mudanças subjetivas na pós-modernidade, recebeu o Prêmio Jabuti em 2013. É criador e apresentador do Programa TerraDois, da TV Cultura, eleito o melhor programa da TV brasileira em 2017 pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA).

Compartilhar:

Estamos lotados de felicidade, melhor dito, de promessas de felici­dade, de obrigações de felicidade. Tem gente que gosta de dizer que está cada vez mais feliz e, nesse acúmulo progressivo, fica igual a sapo inchado prestes a explodir.

Felicidade não é isso, não, companheiro, não é um estado que se compra, se conquista ou se aprende. Felicidade surge em momentos fugidios de satisfação plena que não se deixam captar em nenhuma fórmula prêt-à-porter de livros de autoajuda, ou de sessões de coaching propagandeadas nos aeroportos, pelas melhores empresas do ramo. Há quem goste de afirmar com uma certeza disfarçadamente humilde: “Eu mereço ser feliz”, como se felicidade fosse fruto do merecimento, prêmio aos esforçados, troféu dos moralistas. Se quisermos associar uma virtude à felicidade, que seja a coragem e não o esforço. Coragem de poder suportar esse sentimento fruto do acaso e da surpresa, que nos desloca das acomodações identitárias habituais da vida. Quando temos um momento feliz, mordemos o dedo para ver se ainda somos nós mesmos.

De onde vem essa epidemia de felicidade, esse, diríamos em uma palavra feia, “felicidadismo” que nos assola? Vem, penso eu e alguns filósofos como meu amigo Luc Ferry, da revolução tsunâmica pela qual passamos e que nos autoriza afirmar que não vivemos mais na mesma Terra, que saímos de TerraUm e chegamos a TerraDois, planeta que envelheceu nossas costumeiras maneiras de ser, obrigando-nos a um reaprendizado geral. 

Desde os primeiros registros filosóficos das maneiras de organização do laço social entre os humanos, há 2.800 anos, até 30 ou 40 anos atrás, sempre nos ajeitamos em uma arquitetura vertical, padronizada, em torno a algum elemento transcendental que variou com as épocas: natureza, divindade, pensamento (iluminismo). Hoje, na desconstrução das transcendências que nos desbussola, que nos desorienta, vemos cada um medir o mundo por seu umbigo, o que não é lá muito animador. Nessa medíocre tentativa, surgem palavras de ordem de uma questionável psicologia positiva que busca convencer os perdidos em TerraDois de que tudo só depende de você, de que só não é feliz quem não quer, de que seu ego é seu reino, e “é nóis e tâmo junto”.

É mau remédio para a nova época essa obrigação de ser feliz. O tiro acaba saindo pela culatra, pois uma vez que a promessa de felicidade não se cumpre, a pessoa começa a se deprimir, o que leva muitos a engrossarem o cordão dos consumidores de antidepressivos, em um círculo vicioso que acaba no coitadismo reinante. Mas essa já é outra história.

Compartilhar:

Artigos relacionados

A ilusão que alimenta a disrupção

Em um ambiente onde o amanhã já parece ultrapassado, o evento celebra a disrupção e a inovação, conectando ideias transformadoras a um público global. Abraçar a mudança e aprender com ela se torna mais do que uma estratégia: é a única forma de prosperar no ritmo acelerado do mercado atual.

De olho

Liderança, ética e o poder do exemplo: o caso Hunter Biden

Este caso reflete a complexidade de equilibrar interesses pessoais e responsabilidades públicas, tema crucial tanto para líderes políticos quanto corporativos. Ações como essa podem influenciar percepções de confiança e coerência, destacando a importância da consistência entre valores e decisões. Líderes eficazes devem criar um legado baseado na transparência e em práticas que inspirem equipes e reforcem a credibilidade institucional.

Passa conhecimento

Incluir intencionalmente ou excluir consequentemente?

A estreia da coluna “Papo Diverso”, este espaço que a Talento Incluir terá a partir de hoje na HSM Management, começa com um texto de sua CEO, Carolina Ignarra, neste dia 3/12, em que se trata do “Dia da Pessoa com Deficiência”, um marco necessário para continuarmos o enfrentamento das barreiras do capacitismo, que ainda existe cotidianamente em nossa sociedade.

ESG
Investimentos significativos em tecnologia, infraestrutura e políticas governamentais favoráveis podem tornar o país líder global do setor de combustíveis sustentáveis

Deloitte

Estratégia, Liderança, times e cultura, Cultura organizacional
À medida que o mercado de benefícios corporativos cresce as empresas que investem em benefícios personalizados e flexíveis não apenas aumentam a satisfação e a produtividade dos colaboradores, mas também se destacam no mercado ao reduzir a rotatividade e atrair talentos.

Rodrigo Caiado

Empreendedorismo, Liderança
Entendimento e valorização das características existentes no sistema, ou affordances, podem acelerar a inovação e otimizar processos, demonstrando a importância de respeitar e utilizar os recursos e capacidades já presentes no ambiente para promover mudanças eficazes.

Manoel Pimentel

ESG, Liderança, times e cultura, Liderança
Conheça e entenda como transformar o etarismo em uma oportunidade de negócio com Marcelo Murilo, VP de inovação e tecnologia da Benner e conselheiro do Instituto Capitalismo Consciente.

Marcelo Murilo

ESG
Com as eleições municipais se aproximando, é crucial identificar candidatas comprometidas com a defesa dos direitos das mulheres, garantindo maior representatividade e equidade nos espaços de poder.

Ana Fontes

ESG, Empreendedorismo
Estar na linha de frente da luta por formações e pelo desenvolvimento de oportunidades de emprego e educação é uma das frentes que Rachel Maia lida em seu dia-dia e neste texto a Presidente do Pacto Global da ONU Brasil traz um panorama sobre estes aspectos atuais.

Rachel Maia

Conteúdo de marca, Marketing e vendas, Marketing Business Driven, Liderança, times e cultura, Liderança
Excluído o fator remuneração, o que faz pessoas de diferentes gerações saírem dos seus empregos?

Bruna Gomes Mascarenhas

Blockchain
07 de agosto
Em sua estreia como colunista da HSM Management, Carolina Ferrés, fundadora da Blue City e partner na POK, traz atenção para a necessidade crescente de validar a autenticidade de informações e certificações, pois tecnologias como blockchain e NFTs, estão revolucionando a educação e diversos setores.
6 min de leitura
Transformação Digital, ESG
A gestão algorítmica está transformando o mundo do trabalho com o uso de algoritmos para monitorar e tomar decisões, mas levanta preocupações sobre desumanização e equidade, especialmente para as mulheres. A implementação ética e supervisão humana são essenciais para garantir justiça e dignidade no ambiente de trabalho.

Carine Roos

Gestão de Pessoas
Explorando a comunicação como uma habilidade crucial para líderes e gestores de produtos, destacando sua importância em processos e resultados.

Italo Nogueira De Moro