No excelente artigo “[Saindo da crise](https://www.revistahsm.com.br/post/saindo-da-crise)”, publicado na [edição 141](https://www.revistahsm.com.br/edicoes/141-e-141-extra) da HSM Management, Dave Ulrich, professor da Ross School of Business (University of Michigan) e considerado ainda hoje o guru dos RHs, afirma ter identificado na sua consultoria RBL nada menos que 20 vírus organizacionais e convida o leitor a uma faxina corporativa das boas, daquelas que matam qualquer prática mofada responsável pelo adoecimento das organizações.
Quando li o artigo, parei para pensar nas muitas conversas que tenho feito com profissionais de recursos humanos durante esta pandemia e constatei: esta é uma ótima oportunidade de colocar sua empresa no divã.
O distanciamento social convida todos nós a refletir sobre nossa vida – a começar pela nossa própria sobrevivência e prioridades que estabelecemos à valorização ou extirpação das pequenas coisas que nos passavam despercebidas. O mesmo processo de autoconhecimento acontece (ou deveria acontecer) nas empresas. Afinal, todos nós saímos da nossa zona de conforto.
Fomos obrigados a criar um novo ritmo de trabalho, a estabelecer as próprias fronteiras e adotar ferramentas até então desconhecidas. Se o profissional pode reconhecer suas limitações e comemorar seus avanços tecnológicos nesses cinco meses de reinvenção, o que diremos das organizações?
O primeiro passo para identificar os vírus organizacionais é conhecer os principais sintomas. Abaixo, listei alguns dos mais comuns percebidos e reconhecidos por vários líderes na pandemia.
## 1. Comando e controle
Sentimento de posse, desejo em controlar os times, busca intensa por documentos que comprovem o trabalho são sinais claros de que sua gestão era pautada no clássico comando e controle. Sem uma equipe presencial, é possível que o líder se sinta perdido e até mesmo angustiado por não saber como trabalhar.
O reconhecimento de que esse tipo de liderança não serve para o mundo hoje é um passo enorme para a transformação da sua empresa. Alguns líderes somente agora perceberam que não dá mais para fingir que esse comportamento não existia, reconhecendo ainda o quanto ele prejudicava a gestão.
Ao estabelecer – ainda que na marra – relações de confiança com seus times, vejo líderes percebendo que a gestão pode ser mais eficiente, além de aumentar o engajamento da equipe. Voltar ao clássico método capataz, portanto, não faz sentido nenhum.
## 2. Manda quem pode, obedece quem tem juízo
Outro sintoma bastante comum da gestão mofada é a evidência de hierarquias acentuadas, quase mini monarquias corporativas em que família real (diretoria) não se mistura à plebe (colaboradores).
Ao jogar todos numa mesma sala de zoom para tornar a comunicação mais fluida e eficiente, você pode sentir esse sintoma de duas formas: um desconforto por estar no mesmo local que seus subordinados mais distantes ou um estalo de lucidez ao perceber que boas ideias e soluções podem vir de qualquer pessoa, independentemente de sua função.
Por esse motivo, alguns teóricos do mundo do trabalho estão acreditando numa liderança mais humanizada pós-pandemia. Isso porque, ao reconhecer que todos na organização são peças importantes, alguns líderes podem se livrar do mau hábito de se dirigir apenas a mesma panela e plateia durante as reuniões – passando a permitir uma gestão mais inclusiva.
## 3. Manda por fax
Sabe aquele papel que precisa da assinatura do chefe do chefe ou a firma reconhecida em cartório? Então, muitos profissionais têm percebido que não é só possível pular as etapas da burocracia, como é também saudável.
Ouvi outro dia de uma diretora de RH que havia tanto processo e etapas para contratar novos funcionários que, num primeiro momento, a empresa suspendeu qualquer contratação – embora fosse de um setor que não retrocedeu com a pandemia.
Até que decidiram pular etapas – A visita à planta da fábrica passou a ser feita por vídeo, por exemplo. A autorização do departamento *xpto* que demorava dias para chegar por e-mail para liberar o acesso do novo funcionário foi derrubada. Ele já pode começar a trabalhar imediatamente da casa dele, com o devido kit de boas-vindas entregue na sua porta. Nesse momento, você percebe alguns dos vírus organizacionais que podem ser evitados com uma boa dose de eficiência.
## 4. Não tem sala
As desculpas. Esse talvez seja o vírus mais comum nas empresas. Damos desculpas para tudo: o excesso de trânsito, a falta de tempo, a falta de sala de reunião, o preço da passagem aérea, o RH lento, o jurídico burocrático, o financeiro cruel. De repente, você tem sala de reunião disponível 24 horas por dia; nenhum carro à sua frente, nenhuma viagem programada.
Perdemos as clássicas desculpas para procrastinar nosso trabalho. Ainda assim corremos, claro, o risco de encontrar outras (e é fácil): a pia está cheia de louça, o filho chamou porque não consegue entrar no link da vídeo-aula; a conexão da internet caiu pela terceira vez. O momento convida ao autoconhecimento e entender que muitas das nossas desculpas podem ser eliminadas quando as reconhecemos.
## 5. Aqui não funciona assim
Por fim, um sintoma que pode saltar neste momento é a famosa resistência. Quem nunca ouviu ou proferiu algumas dessas frases: “nós nunca fizemos isso”; “não vai dar certo”; “os líderes não gostam disso”; “não arrisque”; “o seguro morreu de velho”. Bom, os focos de resistência, receio, medo e pessimismo estão em todas as organizações.
Se em time que está ganhando não se mexe, em time que está perdendo (e muito) precisa mexer. Nem sempre sabemos como; apenas que é preciso se mover. E foi isso que a pandemia mostrou.
Que devemos testar, experimentar, arriscar independentemente do nosso passado e da nossa história. Ouvi organizações surpresas com o sucesso de suas convenções de venda online (que nunca foram sequer pensadas no passado).
Ouvi cases e cases de empresas que desengavetaram os projetos digitais que ali estavam pois o foco era manter o outro negócio ou porque os vícios burocráticos emperravam.
As organizações, ao descobrirem que estamos na era da experimentação de forma forçada, entenderam que é preciso mexer sempre – até em time que está ganhando.