Artigo – Planejamento Estratégico

Como abrir caminho para a inovação radical

Planejar uma ambidestria estrutural equilibrada pode proporcionar os recursos e os resultados esperados, como mostra estudo que acompanhou empresas brasileiras inovadoras ao longo de 15 anos

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Plástico verde da Braskem, cosméticos com ingredientes naturais inovadores da Natura, autopeças com processos para reduzir peso e aumentar desempenho da Mahle e da Tupy e o “carro voador” (mais tecnicamente, o e-Vtol da EmbraerX) são exemplos de projetos desenvolvidos em unidades dedicadas à chamada inovação radical. A estratégia de separá-la das áreas de operações correntes e das de inovação rotineira-incremental (a chamada ambidestria estrutural) favorece a adoção de um modelo de gestão que ajuda a tornar o desenvolvimento das inovações radicais perene e sistemático, protegendo-o das demandas de curto prazo da organização. Mas se essa separação valoriza os projetos com maior incerteza traz o risco de perda de sinergia com outras unidades, das quais o uso dos recursos e de competências podem ser fundamentais para o novo projeto. Mas é possível sincronizar todas essas partes.

Um projeto de inovação radical pode levar décadas para ser desenvolvido. São tão inovadores que pode não haver dados para analisar sua viabilidade tecnológica e de mercado por muito tempo, o que impossibilita estimar custos e curvas de demanda (volume x preço). Nesses projetos há muito de exploração e de avanços no conhecimento e nas possibilidades da nova solução. A constante é a incerteza que, diferentemente do risco, não pode ser calculada, mas elencada qualitativamente para ser mitigada ao longo do desenvolvimento em um plano de aprendizado.

A falta de previsibilidade dos projetos de inovação radical, simbolizada por dúvidas sobre a rota tecnológica ou sobre qual a relação de novas soluções com mercados (in)existentes, torna impossível planejar e executar na mesma lógica a que a empresa já está habituada. Tais projetos são desenvolvidos passo a passo, às vezes com diferentes rotas tecnológicas desenvolvidas paralelamente. Com características tão díspares dos projetos de inovação incremental, ligados a tecnologias e mercados conhecidos, uma estrutura dedicada, com governança adequada, cria um contexto favorável para o seu avanço. São projetos raros e especiais, mas que podem abrir caminho para novas plataformas que sustentarão o negócio por longos períodos.

Se a diferenciação traz claros benefícios, não faz sentido isolar a área e duplicar os recursos que já existem na empresa, pois há grande dificuldade de projetar o que será usado no projeto radical – e quando. Em um dos casos que estudamos, uma metalúrgica se envolveu em um projeto que acabou demandando conhecimentos de biologia. É difícil prever quais serão os recursos necessários, bem como seu volume e momento de uso. Mas uma empresa bem estruturada, que desenvolve inovações incrementais, tem recursos humanos e infraestrutura em outras áreas que podem ser de grande importância para o desenvolvimento de projetos radicais, como engenheiros com profundo conhecimento técnico e equipamentos para testes. O “carro voador” pode requerer algumas horas de um especialista em aeroelasticidade para um projeto que pode levar anos. O desenvolvimento químico exige escalonamento, que pode ser feito em fábricas-piloto já existentes. Assim, é desejável que a área de inovação radical não seja totalmente isolada, mas, sim, integrada com as demais.

É uma espécie de diferenciação integrada: diferenciar para proteger e integrar para alavancar, com possibilidade real de a unidade de inovação radical “tomar emprestado” recursos de outros setores (com apropriação de custos ou transferência de recursos, se for o caso). Dessa forma, a capacidade organizacional existente fará parte dos recursos do projeto de inovação, exigindo alguma interação de recursos financeiros, humanos e de infraestrutura. Conflitos podem ocorrer, seja por disponibilidade, seja por agenda estratégica. Conhecer o que favorece ou dificulta o acesso a recursos das demais áreas ajuda no desenvolvimento dos projetos radicais.

Para compreender os pontos de conflito e o que facilita essa necessária integração, acompanhamos alguns casos ao longo dos últimos 15 anos. Aqui, destacamos empresas de grande porte que, no Brasil, adotaram a ambidestria estrutural para o desenvolvimento de projetos de inovação radical. Como ponto comum, as unidades dedicadas demandaram um sistema de gestão adequado para gerir projetos de inovação radical via ciclos de aprendizagem (e não em planejamento e controle predefinidos ao estilo PMBOK tradicional), com análise de viabilidade baseada em visão estratégica (e não em VPL ou ROI) e adequação de sistemas de RH para não penalizar gestores envolvidos em projetos que podem durar décadas, quando as avaliações de desempenho e pagamento de bônus costumam ser de base semestral ou anual (incompatível com resultados só alcançáveis no longo prazo). Ainda, é crucial ter sistema de alocação de recursos que viabilize alimentar os projetos radicais com competências e infraestruturas já existentes – afinal, projetos assim são poucos e com demandas não previsíveis, não faz sentido mobilizar ativos que podem ficar ociosos.

Destacamos a seguir cinco grandes eixos que influenciam a obtenção (ou o “empréstimo”) de recursos de outras áreas para o desenvolvimento de projetos de inovação radical:

## Percepção de ameaça ao negócio corrente
Quando o ambiente externo influencia a estabilidade no curto prazo, a captação de recursos para atividades de inovação radical pode ser impactada, pois a preocupação tende a ser a sobrevivência do negócio. Projetos ousados, cheios de incertezas, perdem espaço. Nesse caso, a unidade de inovação radical precisa entender o cenário para avaliar suas chances de acesso aos recursos. A empresa pode optar por aumentar a sua eficiência reduzindo custos e a disponibilidade deles. Para o gestor da unidade de inovação radical, será necessário considerar algum grau de flexibilidade ao longo do projeto.

Por outro lado, há ameaças externas que podem estar relacionadas ao surgimento de novas tecnologias ou de soluções mais inovadoras. Esse pode ser um caso de maior facilidade para o acesso a recursos, uma oportunidade de mostrar a inovação como um caminho para a empresa poder competir e crescer. Aqui, os projetos radicais podem despertar o interesse de funcionários, o que favorece a colaboração entre as áreas.

## Criação de unidade autônoma para projetos radicais
É mais um processo do que uma iniciativa pontual. É necessário criar consciência na empresa sobre o motivo de existir uma unidade específica, com gestores dedicados. A dinâmica pode envolver um processo de evangelização, principalmente da alta gerência. Sabendo-se que a unidade não vai duplicar todos os recursos disponíveis na empresa, esse processo de construção com envolvimento de outras áreas favorece relacionamentos para acessar recursos que podem ser necessários nos projetos radicais futuros.

No entanto, uma ideia não resiste sem estruturas e sistemas de gestão adequados para permitir que a área de inovação radical atue. Há várias formas para isso. A nova área pode ficar no P&D (separação fraca, tende a ter mindset mais de tecnologia do que de negócio), pode ficar em uma gerência, como na Tupy (acesso mais limitado ao C-level), em uma vice-presidência ou diretoria com assento no conselho, como fez a Braskem, ou mesmo como um empresa à parte, como fez a Embraer ao criar a EmbraerX e, depois, a Eve para comercializar o e-Vtol.

## Formalização dos mecanismos de integração e coordenação
No nosso estudo, dois sistemas de gestão se destacaram como facilitadores para se obter recursos para o desenvolvimento de projetos de inovação radical: alocação de recursos e RH. A unidade de inovação radical participa da orçamentação anual – início do processo de alocação de recursos – de maneira semelhante às demais unidades. Os gestores das áreas envolvidas se comprometem e passam a ser avaliados e a ter bônus atrelado ao cumprimento do acordo, ou seja, ao “empréstimo” de recursos para projetos radicais específicos.

O orçamento, que normalmente acontece uma vez por ano, baseia-se em previsões sobre quais recursos serão necessários. Não há certeza de quando a unidade os exigirá, nem sob quais condições (se os recursos demandados estão com folga ou não, se há outros projetos “normais” na fila no momento, entre outros inúmeros condicionantes). Assim, comunicação intensa, negociação e alinhamento direto entre os gestores das áreas que demandam e que são demandadas ajudam a acessar o recurso necessário no momento necessário. É uma espécie de desdobramento do orçamento, com ajustes periódicos (mensais, semanais).

## Gestores de boa reputação na empresa
O empréstimo de recursos envolve também um julgamento sobre o projeto e a equipe, o que significa que não se trata apenas de ter o recurso disponível ou perceber o cenário como positivo para inovar. Isso é importante para conseguir a alocação dos melhores técnicos, dos profissionais com perfis adequados – e não de “qualquer um”. A disposição de emprestar o recurso e se engajar no projeto passa pela percepção sobre a capacidade da equipe e a importância do projeto. Portanto, é fundamental que os gestores da área de inovação radical tenham um bom histórico de desempenho para dar maior confiança àqueles que vão colaborar.

É importante mostrar o valor do projeto comunicando o seu potencial para despertar o interesse dos profissionais da empresa em fazer parte dele. Profissionais STEM (sigla em inglês para ciência, tecnologia, engenharia e matemática) gostam de projetos desafiadores desde que sejam bem conduzidos. Lançar-se no futuro é bom, mas o sucesso depende da competência do piloto e das especificações da nave espacial.

## Cultura para inovação
É um tanto óbvio que uma cultura apropriada ajuda no desenvolvimento de projetos de inovação radical. O desafio é como fazer isso. Aqui, mais uma vez, falamos de um processo. Nos nossos estudos, captamos diversas iniciativas ao longo dos anos que foram pavimentando o caminho para a criação de unidades bem legitimadas para desenvolver inovação radical. Imersão em mecas da inovação, como o Vale do Silício, parceria com outras empresas e universidades, criação de programas internos de capital semente abertos (competição interna) para desenvolvimento de projetos inovadores, estudos sobre futuro dos negócios com envolvimento da alta gestão, seminários e eventos com convidados internos e externos contribuem bastante. Além disso, facilita muito se a empresa já tiver cultura de enfrentar desafios.

DADA A IMPORTÂNCIA QUE OS PROJETOS DE INOVAÇÃO RADICAL têm para a renovação e a sobrevivência das empresas no longo prazo, é crucial entender melhor como constituir e ajudar a área a ter sucesso. Os achados dos nossos estudos indicam o papel desempenhado por diferentes níveis de um sistema de inovação da empresa, fornecendo informações mais detalhadas de fatores que não são tão evidentes e explorados na literatura, mas que afetam diretamente o desenvolvimento de projetos dessa natureza. Há uma oportunidade constante de aprofundar a análise da interface entre as áreas para entender o dinamismo de tais facilitadores de recursos e restrições dentro do sistema de inovação.

Artigo publicado na HSM Management nº 155

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