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Como Davi pode vencer o entrante Golias (contraintuitivamente)

Entenda por que você precisa analisar o padrão de concorrência do seu mercado e não apenas as elasticidades de preço; isso é valioso quando há novos entrantes peso-pesados
Diego Henrique Pinto Zanardi é mestre em administração pelo Insper e gestor na área de marketing. Guilherme Fowler de A. Monteiro é doutor em administração pela Universidade de São Paulo (USP) e professor associado do Insper, onde coordena a cátedra Endeavor. Este artigo foi escrito com exclusividade para HSM Management.

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Era uma vez uma empresa de produtos de limpeza. Há mais de 40 anos no mercado nacional, especializou-se na criação de produtos de alto rendimento que solucionavam problemas específicos do dia a dia do consumidor. Com isso, conseguiu se consolidar como líder em um grupo de categorias. Tal liderança, porém, lhe parecia pequena. As categorias em que atuava ainda eram pouco desenvolvidas no cenário brasileiro. Por essa razão, a empresa decidiu que lhe faltava algo muito importante: atuar, de alguma forma, no segmento de cuidados com a roupa, a categoria de maior relevância de Home Care do Brasil. Embora instigante, essa missão não seria fácil, dado que o mercado era dominado, há anos, por verdadeiros gigantes da indústria de limpeza. 

De maneira estratégica, a empresa decidiu não criar um produto igual aos existentes, mas oferecer algo diferente, com um benefício complementar. Nascia, assim, a categoria de tira-manchas. A lógica é simples: da mesma maneira que um antisséptico bucal não substitui um creme dental, mas oferece uma série de benefícios adicionais e complementares à escovação; ou que um creme de tratamento não substitui um shampoo, mas traz maciez e renovação à rotina de cuidados capilares, o mesmo ocorre com um tira-manchas. Embora detergentes para roupa e amaciantes tenham a capacidade de limpar, aromatizar e reforçar os tecidos, eles são pouco eficazes contra a remoção de manchas adquiridas com o uso contínuo das roupas.

Por 13 anos, foi um verdadeiro Oceano Azul. Com taxas de crescimento constantemente acima de 10%, o segmento se desenvolveu rapidamente no Brasil, com a empresa pioneira sempre na vanguarda dessa expansão. É evidente que novos players entraram no mercado ao longo dos anos, afinal, estamos falando de um segmento com baixas barreiras de entrada. Todavia, o renome da marca e sua qualidade superior blindaram a empresa dessa concorrência. Ao final do 13º ano, as vendas de nossa empresa pioneira representavam mais de 75% do mercado de tira-manchas.

Se, por um lado, tudo eram flores para a empresa em questão, por outro, as mudanças que ela implementou afetaram todo o mercado de cuidados com a roupa. Apesar de ser um bem complementar, o tira-manchas impactou fortemente a dinâmica do seu bem primário (ou seja, o detergente de roupas). Ao entender que havia um produto que oferecia uma especialização extra e benefícios particulares, o consumidor passou a redirecionar gastos do bem original para comprar o bem complementar, que era novidade no mercado. Fazendo um paralelo com os exemplos anteriores, seria como se, ao comprar um antisséptico bucal que oferecesse combate ao mau hálito, redução da placa e da gengivite, uma família passasse a comprar a marca mais barata e simples de creme dental, porque não precisa mais desses benefícios nessa categoria. Ou uma consumidora reduzisse o uso de shampoo, aceitando até comprar uma marca mais acessível para a limpeza básica do cabelo, já que seu creme de tratamento preferido garante brilho, maciez e  renovação dos fios. 

Como era de se esperar, isso não agradou em nada os gigantes do mercado de detergentes de roupa. Um deles, especificamente, entendeu que não poderia deixar a situação como estava.  Foi então que, no décimo quarto ano de existência da nova categoria, esse gigante decidiu que entraria no mer­cado do bem complementar com todo o peso de sua marca do mercado primário. Essa decisão mudaria para sempre a dinâmica da categoria e o destino da nossa querida empresa pioneira.

**ANALISANDO PADRÕES DE CONCORRÊNCIA**

Desde 1980, acadêmicos do mundo todo tentam entender como se dá a concorrência entre as firmas. De análises do mercado automobilístico ao setor de empréstimos bancários, passando até pelo universo de bebidas gaseificadas, diversos trabalhos, teses e papers buscaram estabelecer padrões de como as companhias traçam suas estratégias à luz das movimentações de seus concorrentes. Mesmo em mercados extremamente concentrados, há sinais de concorrência perfeita? Ou posso sempre esperar uma situação que beira o cartel, com conluio de preços entre os líderes? Como choques exógenos de alterações regulatórias ou mudanças econômicas são capazes de modificar os padrões de concorrência? Todas essas perguntas foram investigadas em análises empíricas de certos setores da economia. 

Entretanto, talvez mais atual, eficaz e essencial para a área de gestão é o questionamento de quais decisões as firmas efetivamente tomarão com base no conhecimento sobre o padrão de concorrência vigente no mercado em que atuam. Pode parecer simples: supondo que todas as empresas buscam a maximização de lucros e estabelecendo um padrão de concorrência para o segmento em questão, todos os players conseguiriam antever as ações de seus concorrentes a partir de suas próprias movimentações estratégicas. No entanto, a literatura atual demonstra que essa questão não é tão fácil. Fatores como maximização de market share (e não do lucro), redução de estoques e incapacidade do corpo gerencial acabam impossibilitando a previsibilidade de reação pela tradicional teoria dos jogos. Em diversas ocasiões, as decisões são tomadas tendo em vista muito mais o passado – como o mercado e os concorrentes se comportaram – do que pensando estrategicamente o futuro – ou seja, como as minhas próprias decisões afetarão o mercado. 

**DUELO DE GIGANTES**

Foi justamente esse ponto que examinamos em nossa pesquisa empírica sobre o mercado de cuidados com a roupa. Procuramos entender como se estabeleceu o padrão de concorrência em um cenário no qual a empresa pioneira e líder do segmento de tira-manchas passou a brigar com uma marca entrante que trazia consigo todo o equity de uma das maiores categorias do país (a de detergentes de roupa). 

Para entender a dinâmica de preços entre as duas marcas, analisamos os principais itens de seus portfólios (que concentram mais de 80% das vendas da categoria). Especificamente, examinamos como se dava a relação entre a quantidade vendida e o próprio preço das empresas (elasticidade própria), e a quantidade vendida e o preço dos demais SKUs da categoria (elasticidade cruzada). Para entender o resultado que esse tipo de análise traz, caso um item possua elasticidade de -2,0, isso mostra que a cada 10% de aumento no preço, ele perde 20% em volume de vendas, sendo que o mesmo racional de aplica para o conceito de elasticidade cruzada. Quanto maior o aumento de preço de um SKU similar, maiores são as vendas do item em análise. Grandes elasticidades cruzadas indicam alta similaridade entre items. Vale destacar que essa abordagem deve ser feita no nível do item, dado a diferentes dinâmicas, características e comportamentos de venda. No caso do tira-manchas, esse fenômeno fica muito evidente, não só porque os itens são muito diferentes entre si em suas características básicas (por exemplo, embalagens), mas também porque apresentam níveis de elasticidade consideravelmente diferentes entre si. 

A fim de deixar esse conceito mais claro, apresentamos  a matriz de elasticidades que norteou nosso estudo no quadro abaixo. 

![](https://revista-hsm-public.s3.amazonaws.com/uploads/f99014ba-6072-4db6-ab99-2accc5e00469.png)

Ao analisar com maior detalhe as elasticidades de cada item, chegamos a duas principais conclusões: (1) apesar de diferentes características, aos olhos do consumidor os itens de nosso estudo possuem certa similaridade: além de todos os itens responderem de maneira elástica às suas próprias movimentações de preço, todos eles também possuem elasticidades cruzadas com seus rivais; (2) em teoria, não existiriam incentivos para a empresa entrante iniciar uma guerra de preços contra nossa pioneira, dado que esta tem um efeito muito maior nas quantidades vendidas da entrante, do que o contrário. Enquanto uma redução de preço de 10% da pioneira reduziria as vendas da entrante em 7,4%, a mesma redução da entrante afetaria a empresa pioneira em apenas 2,2%.

Se seguíssemos, portanto, a teoria econômica “tradicional” e partíssemos do pressuposto de que as empresas buscam sempre maximização de seus lucros, analisando apenas a Matriz de Elasticidade, poderíamos concluir que a empresa entrante não entraria em guerra de preços, e se entrasse, sairia perdendo. Mas foi isso mesmo que aconteceu na prática, no dia a dia do mercado? A identificação das interações de preço por si só é capaz de ilustrar exatamente qual o padrão de concorrência existente na categoria?

Para responder a essas perguntas, adicionamos ao estudo uma análise VAR (vetores autorregressivos), que busca determinar, com base em todas as movimentações passadas de preço dos itens da categoria, os comportamentos de preço entre os diversos SKUs e como se influenciam. Esse tipo de técnica é utilizada no exame de ativos financeiros e pode ser aprendida por meio de livros de econometria e/ou em tutoriais online. Nessa análise dinâmica, entendemos como cada competidor efetivamente reage às movimentações de preço de sua concorrência e identifica as movimentações futuras mais prováveis com base no passado.

A conclusão do estudo foi surpreendente. O fabricante entrante, mesmo com menor poder de mercado, menor market share e menor poder de retaliação por meio de preço (menor elasticidade cruzada), atua justamente como se fosse a líder de preço da categoria. Enquanto isso, a empresa que criou a categoria, com seus invejáveis mais de três quartos do mercado e maior poder de retaliação por preço, atua como follower, seguindo as movimentações de preço de seu concorrente. 

Dos oito SKUs analisados no estudo, um único item da empresa entrante (item 6 na Figura) possui influência sobre as decisões de preço de outros seis itens da categoria. Enquanto isso, o SKU da empresa pioneira com maior número de interações só influencia o preço de três itens da categoria – metade da influência da entrante. 

Por meio de simulações, também constatamos que, quando o item da empresa entrante apresentava uma redução de, por exemplo, 20% em seu preço, duas semanas depois todo o restante do portfólio no mercado reduzia seu preço, em média, em 2%. Essas movimentações, atreladas à elasticidade da categoria, faziam com que o mercado como um todo crescesse 2,3%. Claramente, o item da gigante do mercado primário decidia as movimentações de preço do mercado, e a empresa pioneira somente seguia as tendências semanas depois. Uma líder não devia comportar-se assim.

![](https://revista-hsm-public.s3.amazonaws.com/uploads/a818b66b-68b7-46ce-b71b-11a9d922b441.png)

**USANDO TEORIA DOS JOGOS**

Apesar de contraintuitiva à teoria econômica tradicional, a prática descrita nesse caso não é nada incomum: ser maior e entrar em um mercado novo com preços mais competitivos, para ganhar market share mais rápido ou para 

proteger produtos relacionados preexistentes, não é uma prática inusitada no mundo do consumo. Nem é incomum a reação do competidor tradicional de seguir as reduções de preço da concorrência frente a essa nova ameaça. O diferencial deste estudo é mostrar como superar essa “estratégia comum” e buscar uma estratégia vitoriosa.

O primeiro passo é entender qual seu real poder de retaliação por preço, e como as movimentações de precificação afetam suas próprias quantidades e a de seus concorrentes (representado nesse caso pelas elasticidades). Essa já é uma prática muito difundida nas empresas, e deveria reger as decisões de precificação dos fabricantes. O segundo passo, talvez não tão comum ou difundido atualmente, é entender como tais movimentações realmente serão recebidas pela sua concorrência. Ou seja, após sua variação de preço, o quanto a concorrência reduzirá de seu próprio preço?

Tal entendimento é de vital importância, uma vez que prever o que a concorrência fará em seguida é essencial para formar sua decisão presente. Para que o exemplo fique mais tangível: imagine que um item custe R$ 20,00, tenha uma venda de 1.000 unidades/R$ 20.000,00 e uma elasticidade própria de -1,5 (ou seja, com uma redução de preço de 10%, suas vendas crescem 15%). Por essa relação, seu preço ótimo de maximização de lucro seria R$16,60, uma redução de 17% no preço que traria uma venda de 1.255 unidades/R$ 20.833,00. 

No entanto, toda vez que você reduz seu preço, seu concorrente em seguida faz o dobro de redução e há uma elasticidade cruzada de +0,5 entre ambos (quando ele reduz o preço em 10%, você perde 5% de vendas). Ou seja, se você reduzir 17% do preço, ele reduzirá 34% de seu próprio preço. Suas vendas a R$ 16,60 passam a ser, portanto, 1.085 unidades por R$ 18.011,00 nesse cenário. 

Conclusão? Analisando apenas as elasticidades, você reduziria 17% de seu preço; analisando o padrão de concorrência, você está melhor com o preço como está hoje. Com essa fórmula, as movimentações futuras dos concorrentes decidem a estratégia presente, para que seja realmente vitoriosa. É o modo de usar a teoria dos jogos no mundo real, e sair ganhando.

**O QUE APRENDEMOS**

Apesar de parecer uma situação deveras específica, o conto da empresa pioneira que “despertou” o gigante da concorrência e se viu em uma verdadeira guerra (de preços) tem muito a ensinar aos gestores do mundo corporativo atual. O principal ensinamento se deve justamente à conclusão mais contraintuitiva do estudo: mesmo sendo pioneira no mercado, e apresentando um potencial de retaliação muito maior (inclusive comprovado pelas elasticidades cruzadas de seus itens), a empresa líder de tira-manchas se comporta como follower em uma estratégia de precificação maléfica para a margem de todos os players em questão. 

Não deveria. Ela se esquece da teoria dos jogos e passa a sensação de que apenas uma regra impera: preciso repetir o que a concorrência fez, do mesmo modo que ela fez, ainda que semanas ou meses depois.  

Atire a primeira pedra o gestor que, independentemente do mercado de atuação, nunca viveu esse tipo de situação. A contribuição do nosso estudo é essa: para não cair nas armadilhas, é preciso entender o padrão de concorrência e prever a ação dos concorrentes com base nele. Isso exige sangue-frio e foco estratégico considerável, mas, em cenários competitivos mais desafiadores, ou se entende isso ou todos vão perecer em uma guerra de preços sem fim. 

E qual o fim da história da nossa empresa pioneira do mercado de tira-manchas? Após a entrada da concorrente gigante e de passar meses se comportando como follower de preço, a líder passou a prever as reações da concorrente e determinar preços ótimos por meio da abordagem aqui proposta. Nesse duelo entre Davi e Golias, novamente foi Davi quem levou a melhor.

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