Falar sobre agronegócio no Brasil é também falar em agricultura familiar, afinal a produção feita por pequenos proprietários representa uma importante e crescente parcela do rendimento agropecuário em todo o país.
A agricultura familiar alimenta a população, movimenta o mercado local e a economia dos municípios. Em complemento, esse modelo colabora para a exportação, gera riqueza e ganha espaço em diversas cadeias produtivas.
Quem conhece meu trabalho sabe que sou um entusiasta da agricultura familiar e este entusiasmo vem de saber que é esse o meu lugar, meu propósito, onde posso contribuir de alguma forma. E, na minha vida profissional, tive o privilégio de fazer aquilo que gosto. Trabalhando em instituições públicas ou sem fins lucrativos, pude contribuir para o desenvolvimento de agricultores familiares em várias regiões do país.
Observei que esse é um dos principais desafios na maioria dos municípios brasileiros, um país no qual a maioria das localidades tem a produção agropecuária como a principal fonte econômica e de motor social. Assim, a agricultura familiar se faz forte e presente em todas as regiões.
## Comunidades antifrágeis
O desafio de promover o desenvolvimento da agricultura familiar recebeu grande atenção nos últimos 20 anos, tendo em vista o acesso mais amplo de milhares de famílias às políticas públicas em âmbito nacional e estadual. Alguns exemplos nesse sentido são os programas de crédito rural e assistência técnica de qualidade. No entanto, quando se dá um zoom nesse cenário, observa-se que algumas comunidades estão se fortalecendo, e outras não.
Como gestor público local, sempre tive como objetivo fortalecer a agricultura familiar nos municípios, mas recentemente lendo o livro “Cidades Antifrageis” de Caio Esteves – e fazendo um curso de verão denominado de gestão de PME’s e territórios da Università degli Studi di Padova, em parceria com o Instituto Italo-Latinoamericano (IILA) e a Universidad Técnica Nacional (UTN) de Costa Rica –, percebi que aquilo que ainda denomino de desenvolvimento rural sustentável é um conceito que precisa ser compartilhado.
Por isso, este artigo tem como propósito ser um instrumento para gestores públicos e de organismos não governamentais que buscam fortalecer a agricultura familiar em seus municípios. Assim, descrevo algumas sugestões de como transformar comunidades rurais.
### 1 – Fortalecer cooperativas
Primeiramente é importante entender o porquê de trabalharmos num nível local, na promoção do desenvolvimento de comunidades rurais sustentáveis, e não apenas no desenvolvimento individual de cada família agricultora. Com isso, cito frase da professora Patrizzia Messina que diz: “para que um empreendimento seja competitivo, é importante que a localidade como um todo esteja desenvolvida”.
Dada a natureza de pequena escala da produção familiar para conseguir recursos, mercado e se manter competitiva, é muito mais difícil se o(a) agricultor(a) trabalhar isolado. Assim, é fundamental que o pequeno agropecuário esteja inserido em algum grupo produtivo. Além disso, quando impulsionamos o desenvolvimento da comunidade como um todo, os indivíduos, em sua maioria, tendem a se desenvolver também.
### 2 – Mapeamento e liderança
Um segundo ponto é entender e conhecer a comunidade a qual se deseja promover o desenvolvimento rural sustentável. Nesse caso, o primeiro passo seria delimitar a localidade, seja geograficamente ou por objetivos comuns de produção. Em um segundo momento, é preciso mapear os pontos fortes e fracos da comunidade, registrando ameaças e oportunidades, além de conhecer sua história, crenças e valores.
Muito embora eu seja entusiasta das metodologias ágeis, nesse caso prefiro, ainda, aderir ao uso de metodologias tradicionais de diagnóstico comunitário. Esse modelo metodológico leva mais tempo para ser concretizado, mas, a meu ver, possibilita a criação de um diagnóstico da comunidade muito mais rico. Metodologias utilizadas por empresas de assistências técnicas e extensão rural, como o Mexpar, são ferramentas que contribuem para isso.
Outro ponto fundamental na fase de diagnóstico é descobrir, conhecer e até formar lideranças. Essa é uma questão de grande importância, pois identificar as lideranças locais ajuda no protagonismo de projetos.
Nesse processo, o ideal a busca por lideranças entre jovens, mulheres, trabalhadores, artesãos, empreendedores, produtores tradicionais. Em síntese todos os grupos devem ser identificados. Nesse conceito de liderança, o fundamental é identificar quem está disposto a servir à comunidade, e não dela se servir.
### 3 – Legitimar um pacto local
A terceira fase é da validação. Acredito ser possível utilizar metodologias ágeis de envolvimento participativo da comunidade, principalmente quando se apresenta o resultado do diagnóstico realizado com a comunidade e dados diversos que ajudem na sua caracterização.
Nessa fase, a comunidade como um todo é convidada a visualizar esse “mapeamento” e pensar o futuro, como desejam estar. Nessa etapa, o ideal é a criação de um pacto local onde todos tenham o entendimento dos objetivos e sejam convocados a alcançá-los em conjunto.
### 4 – Execução do projeto
A quarta fase começa a execução do projeto. Nessa etapa não há muito o que ser exemplificado. Em síntese, é preciso haver dedicação e coordenação. O sucesso dessa fase dependerá muito do comprometimento com o projeto.
Na maioria das vezes, como os desafios serão maiores que a capacidade da localidade de enfrentar seus obstáculos, a coordenação e suas lideranças devem sempre pensar na busca por parcerias com organizações não governamentais, órgãos públicos, empresas e universidades, como objetivo de alcançar conhecimento técnico, recursos, infraestrutura e articulação para que todas demandas possam ser atendidas. Nesse caso, o tamanho do sucesso é proporcionalmente igual número de parceiras que o projeto conseguir atrair.
Com tantas organizações procurando projetos comunitários para apoiar, se desenvolver de forma isolada representa um erro estratégico, e isso vale tanto para o agricultor, quanto para uma comunidade.
### Desenvolvimento sustentável
Embora possa parecer já muito conhecido, esse passo a passo é difícil de ser encontrado nas localidades. As pequenas comunidades agropecuárias estão muitas vezes preocupadas em apagar incêndios e resolver os problemas do dia a dia, e não se preocupam em pensar o seu futuro.
Por outro lado, os exemplos de comunidades que estão desenvolvendo planos integrados com o objetivo de promoção de comunidades rurais sustentáveis são extremamente animadores e mostram que o fortalecimento das comunidades é uma forma eficaz de apoio à agricultura familiar nos municípios.
## UM PAÍS DE REFERÊNCIAS
Por fim, para citar alguns exemplos, esse modelo proposto cria verdadeiros oceanos azuis: como o da canastra no interior de Minas Gerais, o vale do São Francisco na produção de uvas, o norte pioneiro do Paraná na valorização dos cafés e frutas, a produção orgânica no município de Poço Fundo e a de mel em Bocaiuva, ou a Cooperativa Central de Produção Orgânica da Transamazônica e Xingu em Altamira, no Pará.
Nessas localidades a atuação comunitária da agricultura familiar extrapolou as questões relacionadas ao agronegócio, impactando em toda a sociedade. Isso demonstra que investir na agricultura familiar é sempre um bom negócio.
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