Com o episódio de Dragons’ Den prestes a ir para o ar, Natalie Cartwright está tensa. Não pela exibição do programa em si – semelhante ao reality show de TV Shark Tank, no qual empreendedores fazem o pitch de suas ideias a investidores. A filmagem correu bem, e ela tinha se sentido confortável diante das câmeras. O que a preocupa é que ela e seu sócio, Jake Tyler, são as únicas pessoas na sala cientes de que a empresa está à beira de um colapso. Um total de 40 pessoas, entre funcionários, amigos e investidores se juntou para assistir ao programa com eles e desconhece o fato de que o Payso, o app de celular que criaram para enviar dinheiro entre amigos, só tem recursos para se manter por algumas semanas.
Natalie e Jake tinham pré-gravado o episódio, um ano antes, quando o Payso estava em um movimento de alta. Eles receberam uma oferta de capital no programa, equivalente a US$ 70 mil por 10% da empresa, mas recusaram. Até fizeram uma festa para celebrar o interesse despertado, embora não tenham divulgado a notícia por conta do embargo previsto no contrato com a emissora de TV.
A injeção de capital teria ajudado a evitar o colapso? Sim. Mas não teria mudado o fato de que o negócio do Payso não crescia rápido o suficiente. Depois de o programa de TV ser exibido, agora em 2016, Natalie e Jake vão ter de reunir a equipe para dar a má notícia: estão fechando a firma.
**DOIS ANOS MAIS TARDE…**
Estamos em 2018. Jake, agora com 35 anos, é o CEO da Finn AI, startup de Vancouver pioneira em inteligência conversacional em apps bancários de escala global. A Finn comercializa um software de inteligência artificial (IA) para instituições financeiras – bancos e cooperativas de crédito. O software dá aos clientes dessas instituições um melhor acesso a suas contas e várias ferramentas de finanças pessoais.
Natalie, também com 30 e poucos anos, é a COO da Finn e, nos últimos oito meses, viu a equipe passar dos dois fundadores para mais de 50 funcionários, e nenhum sinal de arrefecimento no ritmo de crescimento. Um dos investidores da nova empresa, o cofundador do Hootsuite David Tedman, anda dizendo que é “o negócio de crescimento mais rápido” do qual ele já fez parte.
A Finn atua em uma área concorrida, uma vez que o capital de risco está fluindo para a inteligência artificial no mesmo ritmo que fluiu para as ponto.com no passado. Nela atuam players gigantes, como IBM e Microsoft. Mas, tendo um produto altamente verticalizado, a Finn concorre com poucas empresas.
Por mais que Finn e Payso pareçam diferentes, elas são a mesma empresa. Não houve grandes desvios de rota entre o app de transações e a plataforma de IA de ponta B2B. Na verdade, essa é uma história que de alguma forma refuta a ideia do fundador que tem uma repentina visão do tipo iPhone e habilmente a conjura em algo palpável. A narrativa reforçada no caso Payso-Finn é de que energia, persistência e principalmente agilidade são elementos obrigatórios para levar uma startup a se tornar “stayup”, neologismo para designar uma empresa novata que permanece crescendo no mercado.
**COMO COMEÇOU**
A jornada da Payso-Finn começou em 2014 quando Jake chamou Natalie, sua ex-colega na escola de negócios espanhola IE Business School, e lhe perguntou: “Vocês têm o Venmo no Canadá?” Venmo era um app de pagamento para celular líder de mercado nos EUA, e Jake viu uma oportunidade de replicar aquele modelo de negócio em outro país.
Natalie e Jake mal se conheciam, mas Natalie sentiu o compromisso de Jake com a ideia e respondeu, meio brincando: “Se você vier até o Canadá para fazer isso, estou dentro!” Duas semanas depois, Natalie estava no aeroporto para receber Jake, que foi morar no porão da casa dos pais dela. Ali ele desenhou o projeto do Payso, o app que anteviu como o Venmo do Canadá.
Em 2015, era cada vez mais forte a crença de que os grandes bancos sofreriam – e alguns morreriam – conforme as fintechs gradualmente atraíssem os clientes com a oferta de experiências melhores. O Payso foi aceito na aceleradora nacional Highline e no programa Dragons’ Den. Natalie se aconselhou com o irmão Jon Cartwright, bem-sucedido criador de startups, que os apresentou a David Tedman – responsável pelo primeiro investimento no Payso.
Tedman não foi arrebatado pelo pitch inicial do Payso. Os fundadores disseram que estavam criando “o Uber do setor financeiro” e Tedman geralmente é cético em relação a quem presume que um negócio bem-sucedido e conhecido vai funcionar em outro contexto. Mas gostou da equipe diversificada e trabalhadora do Payso. Na época, o CTO Guru Sivananda Atlu morava na Índia e programava sem parar para conseguir uma versão beta do Payso a fim de testá-la no mercado. Tedman entendeu que o genial e supercomprometido Guru era a “terceira perna do banquinho”, e aprovou a humildade, a ética de trabalho e o respeito mútuo do time.
O problema do Payso é que o Canadá não é um mercado grande o suficiente para ter uma versão própria do Venmo. Jake e Natalie se lembram de pitches para investidores nos quais disseram que, por sair na frente, o Payso tinha boa chance de ocupar o mercado canadense todo. “E daí?”, respondiam esses investidores. “Mesmo que isso aconteça, o retorno não será suficiente para justificar o valor que vocês querem levantar.” Os fundadores ouviram isso várias vezes e, apesar de se incomodarem, realmente não quiseram acreditar.
O lançamento do app ia bem. Ele permitia aos usuários enviar dinheiro entre celulares sem taxas de transação. O problema era que o Payso não recebia receita de seus clientes e cada novo usuário custava em média US$ 4 em propaganda para ser adquirido. Sem um modelo de receita imediato, o sucesso provavelmente teria exigido que a empresa fosse comprada por uma instituição financeira que visse valor nos usuários do Payso – e quisesse vender a eles outros produtos bancários.
Quando Jake e Natalie finalmente encerraram a operação, o Payso tinha 10 mil clientes que faziam cerca de US$ 1 milhão em pagamentos pela rede. Hoje, os clientes da Finn AI não passam de umas poucas dezenas – mas seu valor de mercado está próximo de US$ 150 bilhões. Não mais restrito à economia de uma única nação, tem uma base de usuários em cinco países e quatro idiomas.
Um passeio pelo escritório da Finn em
Vancouver revela a expectativa de crescimento. Há uma área grande sem uso, perto da mesa em que, dia e noite, Guru pode ser encontrado martelando código – mas agora como residente do Canadá, para onde se mudou com a esposa e seus filhos pequenos.
O modelo de negócio da empresa evoluiu drasticamente desde os tempos do Payso. Em vez de pagar do bolso para conquistar clientes que poderiam, um dia, ser comprados por uma instituição financeira, a Finn agora gera receita recorrente. Além disso, a exposição a seus milhões de clientes bancários permite à equipe continuamente melhorar a inteligência do sistema. Os dados anônimos que recebem em cada interação com clientes aumenta seu conjunto de dados sobre as necessidades de clientes bancários globais. Como Jake explica, “o que as pessoas na Nicarágua querem de seus bancos não é tão diferente do que querem os canadenses. E vemos tendências similares na Europa e na África do Sul, onde estamos aprendendo com outros clientes”.
Boa parte do negócio da Finn hoje é autofinanciado pela receita gerada. Mas isso não impediu que fundos venture capital conhecidos na América do Norte, como Yaletown Partners e Flying Fish Ventures, quisessem investir nela.
**ONDE ESTAVA O PIÃO**
Como uma pequena empresa sem dinheiro e essencialmente sem equipe como essa não só escapa do esquecimento como emerge com uma nova identidade em um dos setores de atividade mais disputados do momento? A resposta está na arte de pivotar, de girar como um pião – um recurso que poucos fundadores de startups têm a capacidade e a resiliência de executar.
A pivotagem começou com Jake voltando ao Vale do Silício, e fazendo isso sem preconceitos ou inibições. Na época, muitos CEOs de empresas de tecnologia estabelecidas tinham recursos para colocar no mercado de ferramentas de IA para bancos, mas Jake estava entre os poucos realmente preparados para o próximo grande passo.
Por essa época, o Facebook estava sinalizando que começaria a oferecer comércio em seu serviço de Messenger, e em sua conferência F8 de desenvolvedores formalmente convidou profissionais externos a construir chatbots para o produto. Com uma mistura de sorte e visão, a equipe do Payson tinha testado uma funcionalidade similar à oferecida pelo software de trabalho colaborativo Slack, que permitia aos usuários requisitar transferência de dinheiro enquanto continuavam conversando no Slack. A própria rede social profissional Slack constituía um bom estudo de caso para a equipe do Payso, porque tinha crescido muito rápido a partir de outro negócio que não decolou.
A Finn surgiu como um desdobramento disso, que ganhou raízes muito mais profundas do que se podia antecipar. Sentindo algumas mudanças iniciais no mercado, Tedman e Jake se perguntaram: “Podemos surfar a onda do Messenger para bancos?” Eles viram que o WeChat, o equivalente do Facebook na China, estava tendo um sucesso estrondoso com esse modelo e isso os estimulou.
Um traço que distingue Jake e Natalie de vários fundadores que não encontram seu caminho foi a capacidade deles de ouvir. Quando as críticas se acumulam, é comum que as pessoas – em especial, as motivadas e inteligentes – afastem-se do mundo e se apeguem ainda mais às visões que consideram verdadeiras. Mas a dupla não fez isso. A dupla ouviu.
No início de 2016, o Payso havia sido aceito na famosa aceleradora Plug and Play, do Vale do Silício, e Jake descobriu que as startups financeiras ali abrigadas estavam realmente entusiasmadas com a ideia de ter um “WhatsApp para serviços bancários”. É verdade que, ao invocar o nome do aplicativo global de mensagens que todos usamos e que o Facebook havia comprado por bilhões, Jake estava usando o “argumento Uber de outra coisa” que tanto incomoda Tedman. Mas o argumento funcionou. Ficou claro, ao longo de várias semanas, que “bots para bancos” logo teriam muita demanda.
Tedman comparou a nova estratégia a “vender picaretas durante a corrida do ouro”: tratava-se de ajudar os bancos em vez de concorrer com eles. Analisando o mercado, Tedman, Jake e Natalie descobriram que a Kasisto, fabricante da interface Siri da Apple no iPhone, era a única empresa de IA com presença significativa ali. O campo estava aberto.
A Finn ainda enfrentava um grande obstáculo, contudo. Seriam necessárias dezenas – talvez centenas – de milhares de dólares para testar adequadamente um chatbot. E seria difícil levantar dinheiro de novos investidores-anjo ou de novos fundos VC, porque muito capital já havia sido colocado em uma ideia que não deu certo.
Era preciso recorrer ao grupo existente de investidores. Em 22 de março de 2016, eles marcaram uma conference call com todos os investidores para apresentar o novo produto. Haviam trabalhado incessantemente na pivotagem e iriam para o tudo ou nada. Haviam mapeado os principais temas e os potenciais pontos de virada da conversa. Jon Cartright (o irmão de Natalie), Tedman e Jake tinham definido quem seria a pessoa a quem pediriam apoio primeiro, e como conseguiriam um impulso emocional dos investidores ao longo da reunião.
Quando chegou a hora e Jake fez a conexão, não havia como saber para que lado as coisas iriam. Ele teve quase uma sensação de desapego quando começou a traçar o novo business plan da empresa.
O grupo reunido foi circunspecto em seus comentários, mas positivo em geral. No fim, os esforços da equipe da Finn foram suficientes: começou a chover cheques – esporadicamente no começo, e depois feito um dilúvio. Os níveis de aprovação dos clientes começaram a subir, mais e mais – primeiro no Canadá e depois em outros países –, e a Finn foi construindo resultados cada vez mais robustos.
**JORNADA MÍTICA**
Hoje, a Finn está assentada em uma base sólida de tecnologia e dados. Precisa continuar se movendo rapidamente, é claro, para conquistar o máximo possível do crescente mercado de IA financeira. Em outubro de 2018, captou US$ 11 milhões com Yaletown Partners, Flying Fish Partners, Women in Technology Fund – WIT e 1843 Capital, além de investidores-anjo. Isso vai lhes trazer um novo conjunto de desafios, mas os fundadores parecem mais preparados do que nunca para aproveitar os pontos fortes da empresa e levá-la ao próximo nível. Para Natalie, o sinal claro do preparo é “a qualidade das pessoas atraídas para trabalhar na Finn”.
No programa Dragons’ Den, Jake e Natalie utilizaram um sabre cerimonial para abrir uma champanhe de modo teatral antes de apresentarem seu projeto do Payso. Hoje, esse sabre está pregado em destaque em uma parede da sede da Finn. Ele traz à mente lendas de cavaleiros que lutam por seus ideais, porém, mais do que isso, é um modo de ver o caminho sinuoso de toda startup: uma jornada mítica moderna, que requer coragem e resiliência.
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