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Conhece teus concorrentes como a ti mesmo

Definir o posicionamento mercadológico de uma marca requer muita informação sobre a concorrência, algo frequentemente subestimado; para tomar decisões estratégicas, é preciso usar uma ferramenta que cruze dados quantitativos e qualitativos dos rivais, descobrindo as lacunas a explorar

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> Vale a leitura porque… 
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> … o discurso hegemônico sobre a orientação ao consumidor tem feito as empresas se esquecerem dos concorrentes, mas uma profunda análise destes pode apontar as maiores oportunidades e as ameaças ao crescimento. … este artigo ensina a fazer tal análise passo a passo, cruzando dados quantitativos (preço) e qualitativos (diferenciais) de produtos/serviços, e também mostra em que circunstâncias três companhias – JBS, Flow Executive Finders e Angelus – a fizeram.

Para vencer é importante conhecer a si e a seu adversário, ensinava o general chinês Sun Tzu 500 anos antes do início da era cristã. Para afastar o risco de derrotas, há que avaliar corretamente as próprias forças e as do oponente, completou Nicolau Maquiavel, o precursor da ciência política, na Itália dos 1500. A Olimpíada que acabamos de acompanhar mostrou que nos esportes, como na competição de vela que ilustra este artigo, também é crucial conhecer os rivais. E nos negócios não é diferente, por mais que o discurso atual, centrado no consumidor, exclua a concorrência: ter uma visão clara dos players do setor é obrigatório para nortear ações estratégicas e aumentar as chances de sucesso. 

Só que, dada a multiplicação dos concorrentes existentes, essa tarefa ficou tremendamente difícil. Não é apenas o maior número de players que complica as coisas; a pouca diferenciação entre as marcas torna vários elementos intangíveis e/ou difíceis de comparar. Pense bem: você realmente conhece seus concorrentes? Consegue dizer que preços praticam? Quais as características de cada produto do segmento? Em que nichos estão posicionados? Que nível de serviço oferecem?  E sabe onde está posicionada sua marca comparativamente à concorrência?  

Muitos gestores até têm essas respostas, mas de maneira isolada, o que – Sun Tzu e Maquiavel concordariam – ajuda pouco na decisão sobre seu posicionamento no mercado. Para tomar decisões mais precisas, devem-se cruzar todas as informações disponíveis sobre os rivais e compará-las com as de sua empresa, sempre levando em conta aspectos quantitativos e qualitativos. Em 2007, durante um curso em Chicago, nos EUA, precisei fazer uma análise sobre potenciais fusões e aquisições para uma empresa e tive de levantar os dados das concorrentes. Deu trabalho, mas rendeu um insight: eu podia desenvolver uma ferramenta para posicionar uma empresa no mercado. De volta ao Bra sil, concebi e refinei a ferramenta e comecei a aplicá-la em meus projetos de consultoria estratégica, para analisar diferentes elementos da proposta de valor das marcas, suas relações e combinações entre si, cruzando-as com as diferentes faixas de preços. Registrei sua propriedade intelectual como “Vectors of Differentiation and Pricing” (hoje a disponibilizo gratuitamente).

**COMO FUNCIONA**

Visualize um gráfico com dois eixos: o vertical é quantitativo – de faixas de preços –, e o horizontal, qualitativo, representando qualquer diferencial que deseje analisar. Isso vai da qualidade do produto aos serviços prestados, do atendimento ao cliente à área geográfica de atuação, do prestígio da marca à relação com o consumidor. Os dados virão de múltiplas fontes: pesquisas de mercado, análise da concorrência, tendências futuristas, mapas de mídias sociais que levantem necessidades não atendidas etc. A matriz resultante leva os gestores a enxergar os espaços de ameaças e oportunidades de mercado que antes passavam despercebidos e, assim, fica mais fácil decidir ampliar o portfólio de produtos em determinada direção ou reposicionar uma marca. Usando uma metáfora em voga, a ferramenta confere aos disputados oceanos vermelhos uma cor  azulada. Essas informações tendem a impactar desde a área de pesquisa e desenvolvimento – que mais facilmente identificará novos nichos a explorar – até os departamentos de marketing e de vendas. Estes farão uma comunicação mais persuasiva se puderem enfatizar seus diferenciais em relação aos rivais.

A real compreensão dos “inimigos” e de “si mesmo” não serve só a grandes corporações. Qualquer empresa que comercialize um produto ou serviço em um mercado concorrido terá vantagem em usar essa análise – e não importa o porte.

**QUANDO USAR**

Como uma empresa de produto B2C, uma B2B e uma de serviços aplicariam a ferramenta? A JBS, a Angelus e a Flow Executive Finders me autorizaram a contar suas experiências. Cerca de dois anos atrás, a JBS havia decidido segmentar sua marca Friboi, da divisão de carnes, em diferentes marcas endossadas. Seus gestores tinham uma pergunta a responder: qual seria a melhor arquitetura de marcas para o reposicionamento dos produtos Friboi, de modo que não houvesse sobreposição? 

Maria Eugênia Rocha, gerente-executiva de marketing da divisão de carnes da JBS, conta que, com dados extraídos de pesquisas de mercado e análise da concorrência, a empresa cruzou atributos como canal de distribuição, tipo de produto e raça do animal com os preços. “Enxergamos os gaps e isso facilitou a elaboração da proposta de valor para cada marca da família Friboi”, reconhece ela, ressaltando o impacto sobretudo na marca Angus Friboi, cujo posicionamento quanto ao canal e à faixa de preço era uma incógnita para a empresa. Em março de 2016, a JBS anunciou as novas bandeiras: Reserva Friboi, para carnes selecionadas e com cortes diferenciados; Maturatta Friboi, para churrasco; Do Chef Friboi, para o mercado de food service; e Angus Friboi, produto premium com cortes certificados pela associação de criadores de gado Angus. 

A marca guarda-chuva Friboi, mantida, ganhou nova identidade visual. A Angelus, empresa brasileira de soluções de odontologia fundada em 1994, recorreu à ferramenta quando se preparava para estrear no mercado B2B com uma linha de clareador dental para uso profissional e kit para continuidade do tratamento pelo paciente em casa. Com dados obtidos em pesquisas de campo com distribuidores, em entrevistas feitas com dentistas e distribuidores de produtos odontológicos e em estudos de mercado, a ferramenta surpreendeu Roberto Alcântara, presidente da Angelus. 

“Muitas de nossas impressões e conceitos não batiam  com a realidade”, relembra. “Um exemplo foi o atributo funcional de ‘dessensibilização’; seu peso mostrou ser muito maior que o esperado.” Isso fez a empresa voltar ao laboratório para aperfeiçoar a fórmula química do produto. Ela ainda reorganizou o modelo de vendas e desenvolveu embalagens mais inovadoras, em especial para o tratamento continuado em casa. E decidiu buscar o mercado internacional, além do doméstico.

![](https://revista-hsm-public.s3.amazonaws.com/uploads/992ee249-a771-4292-b587-e28984b4e08a.jpeg)

A Flow Executive Finders, empresa de seleção de executivos, foi um caso diferente: pouco tempo depois de iniciar operações, em 2011, quis refinar seu modelo de negócio. Para isso, fez três pesquisas: uma de dados secundários com fontes especializadas, uma quantitativa com mais de 130 executivos (entre CEOs, CFOs e gestores de RH de empresas médias e grandes, nacionais e internacionais) e entrevistas qualitativas com cerca de cem executivos contratados pelo método de executive search. Descobriu que só 18% dos candidatos consideravam os players do setor profissionais, competentes e eficientes e que apenas 27% haviam desenvolvido um relacionamento com seus headhunters. Dados como esses, inseridos na ferramenta, permitiram à Flow buscar um posicionamento novo. 

“Ao compreendermos como nossa marca seria percebida, nos diferenciamos”, diz Luiz Gustavo Mariano, sócio-fundador da empresa. O esforço de diferenciação começou pela governança – a Flow criou um sistema de partnership aberto (em vez de propriedade de cotas) que garantiu igualdade de oportunidades para que os headhunters da equipe se tornassem sócios da empresa. Assim, as relações dos clientes e dos candidatos com a Flow ficaram mais institucionais – e perenes – e menos individuais. A percepção de má qualidade do mercado de executive search, evidenciada pela ferramenta, também levou a empresa a adotar uma  abordagem de avaliação que, segundo Mariano, reduziu o custo para os clientes e incluiu a compreensão do risco financeiro da contratação errada de um executivo. 

**FAZENDO VOCÊ MESMO**

Você pode fazer uso de nossa ferramenta de maneira prática e intuitiva utilizando apenas um flip chart ou algumas folhas de sulfite. Basta desenvolver seus próprios vetores, como no esquema apresentado na página anterior, com o conhecimento que tem acerca do mercado onde  sua empresa está (ou pretende estar, um dia) e, a partir disso, decidir sobre seu posicionamento. 

Por exemplo, imagine que sua empresa fosse uma fabricante local de calçados esportivos e desejasse, um ano atrás, com vistas às vendas na Olimpíada Rio 2016, reposicionar seus tênis de corrida no mercado disputado com outras 19 concorrentes, com o objetivo de ganhar maior visibilidade. 

A primeira coisa a fazer teria sido montar o eixo vertical com o preço ao consumidor dos modelos de tênis, que variam entre R$ 150 e  R$ 850: você dividiria o eixo em cinco faixas de apreçamento. Em seguida, você estabeleceria o atributo que desejasse comparar entre sua marca e as outras 19 – por exemplo, o sistema de amortecimento – e colocaria, no eixo horizontal, suas variações – com sistema em todo o solado, com sistema só no calcanhar e sem sistema (apenas EVA – etileno vinil acetato). Note que você certamente teria essas informações e dados à mão, ou na memória de seus vendedores ou por conta de pesquisas de mercado. 

Cruzando os preços com os atributos, você logo descobriria os espaços mais e menos ocupados no mercado em relação ao sistema de amortecimento. Se seguisse o mesmo procedimento com outros atributos que julgasse relevantes, mantendo as mesmas faixas de apreçamento, em poucas horas encontraria o lugar que sua marca poderia passar a ocupar, evitando os espaços superpovoados e rumando para as lacunas à espera de serem exploradas. Acabou a Olimpíada e, se você é fabricante de calçados esportivos ou de qualquer outro produto ou serviço, meu conselho é que refaça essa análise em uma frequência compatível com o dinamismo de seu segmento. É necessário sempre atualizar as informações – se possível, fazendo sua equipe captá-las in loco –, porque os concorrentes se movimentam constantemente e novos players surgem a cada dia. 

(É bem capaz que seu novo maior concorrente tenha acabado de entrar no mercado, inclusive.) Repita a análise com seus outros produtos – outros tênis e talvez roupas e acessórios, no caso hipotético tratado – e explore cada diferencial competitivo que puder encontrar. 

**A LIÇÃO ESSENCIAL**

Volto à pergunta: você realmente sabe quem são seus concorrentes e qual é o melhor espaço para sua empresa no mercado? Você precisa saber. Utilize os vetores aqui descritos – os dados quantitativos e qualitativos seus e dos rivais – e você descobrirá uma série de oportunidades para crescer. E de ameaças. Não acredita em mim? Creia em Sun Tzu e Maquiavel

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