Dossiê HSM
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Consciência, a nova eficiência na era da IA

O debate em torno da inteligência artificial começa a ter um efeito ainda pouco percebido: a defesa da inteligência humana. Aos poucos, nas empresas, veremos o foco em responsabilidades ESG, que hoje cabe a um departamento específico, transcender o silo e, assim como a eficiência, a consciência vai dando o tom

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É possível que o leitor já tenha visitado o Coliseu em Roma. Mas é pouco provável que tenha se feito uma pergunta que o filósofo americano e professor de Harvard Michael Sandel costuma fazer a seus alunos: “Em uma análise custo-benefício, o prazer da maioria dos romanos da plateia compensaria a dor e a morte da minoria de cristãos devorados pelos leões nos circos da Roma Antiga, certo?”.

Líderes e gestores das empresas em teoria chegariam a essa conclusão, na visão de Sandel. De muitas maneiras, é assim que as empresas e o capitalismo são operados hoje: as decisões de negócios se pautam pela análise custo-benefício de cada situação em conseguir criar valor. Elas são baseadas, portanto, na busca de eficiência, um raciocínio que remonta à filosofia utilitarista de Jeremy Bentham (1748-1832) e John Stuart Mill (1806-1873), para os quais maximizar o bem maior é a única forma de moralidade.

Não é difícil perceber como a automação crescente dos processos empresariais e, mais recentemente, a explosão da inteligência artificial elevam esse utilitarismo a um patamar sem precedentes. Não por acaso, cada vez mais, o discurso é pela “inteligência artificial responsável”, não pela inteligência artificial pura e simplesmente. Talvez por isso esteja começando a haver uma espécie de ricocheteio da análise custo-benefício, traduzida primeiro no discurso ESG (sigla em inglês que remete a responsabilidades ambientais, sociais e de governança das empresas).

Ao mesmo tempo que as pessoas do meio corporativo estão tratando de aprender a “engenheirar prompts” – ou seja, a fazer melhores solicitações nos modelos de geração de linguagem e imagem como ChatGPT, Midjourney e afins (com exemplos, comparações e símiles de raciocínios) –, elas estão, às vezes sem perceber, flertando com a ideia de substituir os parâmetros de eficiência pelos parâmetros de consciência em suas decisões. Consciência essa que não se limita mais ao jurídico, ao compliance e ao departamento de sustentabilidade, mas é transversal à organização.

Isso tem aparecido de maneira mais acintosa em quatro frentes:

– busca ativa de conselhos de administração mais conscientes;
– evolução do foco em experiências de “funcionários” e “consumidores” pela ideia de experiência de “pessoas”;
– gestão de uma evolução da web para web3 marcada por um foco em consciência;
– mudança gradual nos modelos mais admirados pelos profissionais do meio corporativo, passando de empresas do velho capitalismo para aquelas que se aproximem do modelo Teal, desenhado por Fréderic Laloux em *Reinventando Organizações.*

É dessas frentes que trata o presente *Dossiê* desta edição.

## Dilui-se a identidade moral
Não é difícil entender por que a explosão da inteligência artificial está acelerando isso mais do que, por exemplo, a emergência climática ou mesmo a pandemia – embora as coisas estejam todas conectadas. Julian Friedland, professor de ética na Trinity Business School do Trinity College, em Dublin, Irlanda, explica isso num artigo da *MIT Sloan Management Review*: é bem real o risco de os humanos se perderem na era da IA, maior até do que o risco mais discutido sobre a IA se tornar senciente.

Isso porque o que nos é atraente na tecnologia da IA é a promessa de ela lidar com os aspectos mundanos da vida, possibilitando-nos mais tempo e atenção para atividades mais recompensadoras. “A IA facilita a realização de tarefas rotineiras, sem dúvida. Mas a repetição do processo faz com que nossas ações se tornem cada vez mais automáticas e menos reflexivas”, diz o especialista. Por outro lado, vivenciar atritos (esses que a IA vai retirar da nossa vida) é o que muda o jeito como reagimos a estímulos diversos e faz nossa identidade moral evoluir. Friedland vê seis tendências humanas preocupantes a partir disso:

1. Maior passividade; em vez de protagonistas, podemos ser cada vez mais espectadores.
2. Distanciamento das reações emocionais das outras pessoas.
3. Participação menor nas decisões.
4. Responsabilidade menor pelas decisões tomadas.
5. Ignorância maior em relação a tudo – para que conhecer uma região se a IA vai nos guiar ali?
6. Perda de habilidades que deixam de ser utilizadas.

As seis tendências juntas “multiplicam as ocasiões em que vivemos no piloto automático, afrouxam nossos laços sociais, exacerbam conflitos e dificultam o progresso moral ao diminuir o pensamento autocrítico”. Por isso, a consciência precisa contra-atacar.

__Leia também: [Um conselho de administração sempre em evolução](https://www.revistahsm.com.br/post/um-conselho-de-administracao-com-consciencia)__

Artigo publicado na HSM Management nº 156.

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