O futuro das organizações é ágil e colaborativo – times multidisciplinares montados ad hoc, por projetos, trabalham em ciclos de entregas pontuais cada vez mais rápidos, dispersando-se em seguida para tocar outras demandas. O futuro das organizações também é flexível – elas vão depender do trabalho colaborativo de pessoas espalhadas pelo mundo, trabalhando de casa, na rua, na praia, na fazenda, e também no escritório central.
Se cada vez mais líderes empresariais dizem concordar com essas duas tendências, por que as empresas não estão aproveitando o motivo de força maior epidemiológico, em que o trabalho remoto é imperativo, para investir numa transformação de cultura que incorpore esses traços? O futuro é agora. Só que a postura vem sendo reativa – de reduzir os eventuais danos do distanciamento sobre a cultura –, quando deveria estar sendo criativa. Deve-se investir em uma mudança cultural para o ágil e o flexível. A seguir, expomos alguns princípios que podem ajudar.
## Mudar o olhar inicial
A colaboração é uma unanimidade, mas ninguém nega que agilidade e flexibilidade têm um lado ruim – até para efeitos colaborativos – que deve ser minimizado. O modelo de trabalho híbrido não permite a troca e a confraternização que acontecem quando todos estão no mesmo local. Não tem cafezinho, não tem bebedouro, não tem caminhada das turmas até a praça de alimentação na hora do almoço. E isso pode, de fato, ser um problema para a disseminação da cultura da empresa.
Porém essa fase de diagnóstico não pode negligenciar três aspectos importantes, como tem acontecido. O primeiro é que nem todas as culturas são vulnerabilizadas do mesmo jeito. A ameaça é maior a organizações que têm a cultura de resultado ou de mercado, conforme os arquétipos citados na introdução deste Dossiê.
Nesses casos, os relacionamentos que já eram proporcionalmente pouco priorizados esvaziam-se mais facilmente com a distância física. Além disso, o fato de as equipes se dissolverem rápido após a entrega de um projeto pode dificultar a construção de vínculos entre as pessoas e até fazer com que elas individualmente sintam solidão, o que acaba prejudicando justamente o que mais definia a cultura – o resultado.
O segundo ponto é aceitar agilidade, flexibilidade e colaboração como um caminho sem volta, diz Erica Isomura, consultora, coach sistêmica e sócia da Corall. E o terceiro é não vê-las como limitador da cultura, e sim como vetor de aprendizado e de uma nova e mais evoluída cultura. “Pensemos nisso como um desafio: como ajudar times híbridos a estabelecer conexões, fazendo com que uma pessoa saiba mais sobre a outra, providenciando para que as relações vão além do espaço profissional?”
### Fazer benchmarking
Depois do novo olhar, deve vir o benchmarking com empresas que são nativas ágeis e nativas híbridas, ou seja, que já nasceram com a cultura de squads e de home office. “Nós temos a vantagem de ter a cultura de home office antes da pandemia e, agora, nosso trabalho tem sido tentar transmitir essa cultura para nossos clientes”, conta Jeane Campelo, diretora de people and culture da Cadastra, consultoria em transformação digital.
Nesse esforço de benchmarking, o que fica claro é que as “práticas de cultura” – as quais incluem construção de vínculos entre as pessoas – têm de ser explícitas, regulares e seguir como regra máxima a criatividade sem fim dos líderes e/ou facilitadores. Campelo oferece um exemplo que muitos têm adotado. “Não tem mais happy hour? Fazemos um happy hour online, separando uma hora do expediente de sexta-feira para isso e enviando salgadinho e cerveja para a casa dos colaboradores”, diz. Nesse momento, contar histórias do dia a dia alinhadas à cultura empresarial ajuda, bem como um jogo online entre equipes.
O benchmarking com empresas de cultura ágil e flexível também ensina que o apoio psicológico é fundamental, porque as pessoas precisam lidar com ansiedades represadas, antes resolvidas presencialmente e com os mesmo colegas de sempre. “Facilitar isso é algo valiosíssimo”, diz Campelo.
## Dois princípios facilitadores
Além das inspirações do benchmarking, não há boas práticas do que deve ser feito para incorporar culturalmente agilidade e flexibilidade. “Não tem receita de bolo, é algo inédito”, afirma Isomura. Mas das colocações dela podemos tirar dois princípios facilitadores.
Um diz respeito à comunicação intensa da grande vantagem do modelo de trabalho híbrido sobre os demais: ele facilita o equilíbrio de liberdade e segurança abordado neste Dossiê. “O trabalho híbrido respeita mais nosso tempo. Não consigo imaginar as pessoas que experimentaram essa liberdade durante a pandemia querendo voltar ao que era antes”, diz Isomura. Também se pode falar em liberdade de expressão (em reuniões virtuais, cada pessoa acaba tendo a palavra garantida) e na liberdade vinda da variação de projetos da adhocracia – as pessoas não ficam repetindo tarefas, são menos máquinas. E os momentos presenciais entram com a segurança, ao reforçarem a ligação das pessoas entre si, com o empregador e com a cultura. E é segurança afetiva também. “Como seres humanos, temos essa necessidade do toque, do olhar”, diz Isomura. O presencial não pode ser o dia a dia; é especial.
Dar o exemplo é outro princípio para conduzir essa mudança cultural colaborativamente. “Eu abriria espaço para que pessoas interessadas de múltiplas áreas pensassem nisso. Um comitê com gente do marketing, da comunicação, obviamente engajando as lideranças que tomam decisões, porque tudo isso tem custo, com o RH envolvido.”
As empresas com cultura ágil, flexível e colaborativa são mais “Power Rangers”, com o perdão da metáfora millennial. No dia a dia, cada membro faz suas rotinas com liberdade. Para desafios complexos, todos são chamados a colaborar de forma integrada, ativando a inteligência coletiva da empresa.