Uncategorized

Contagem regressiva com Yukari Kane

Autora do recente e polêmico livro Haunted Empire, sobre a Apple pós-Steve Jobs, a experiente jornalista discute o que vê como pontos nevrálgicos da companhia, como a orientação a processos, o microgerenciamento e um desequilíbrio gerencial derivado do suposto descuido com a sucessão
Colaboradora de HSM Management.

Compartilhar:

**A Apple que você pesquisou continua apta, pós-Jobs, ao confronto com um Google, uma Amazon, um Facebook?**

Como ponto forte, a Apple ainda tem uma receita de mais de US$ 150 bilhões por ano e mais de US$ 160 bilhões em caixa. Isso significa muitos recursos para desenvolver produtos novos, fazer aquisições e investir no negócio de maneira geral. A empresa também dispõe de alguns dos talentos mais brilhantes da indústria trabalhando para ela, o que a coloca em uma posição muito vantajosa em relação a rivais. O ponto fraco óbvio, naturalmente, é que a Apple já não tem Steve Jobs, que representava uma liderança visionária para a companhia e exercia grande influência sobre as pessoas, com sua capacidade extraordinária de persuadir e inspirar. 

O tamanho da Apple, embora seja vantajoso, também é desvantagem. Uma empresa tão grande sempre será mais burocrática; os processos se infiltram no negócio e ela se torna menos ágil. As expectativas em relação a produtos novos são tão altas que é quase impossível satisfazê-las, o que dificulta assumir riscos. E, pelo fato de a empresa ser hegemônica no setor, muitas de suas táticas de negócios consideradas audaciosas hoje são vistas como arrogantes e erradas. É muito desafiador para a Apple concorrer com Google, Amazon e Facebook, empresas conduzidas por CEOs fundadores. CEOs contratados, como Tim Cook, não conseguem assumir os riscos que os fundadores assumem. Meus entrevistados me contaram como Jobs dominava o conselho de administração; Cook não faz isso. 

> **Saiba mais sobre Yukari Kane**
>
> **Quem é:** jornalista, cobre há 15 anos a área de tecnologia para The Wall Street Journal e a agência Reuters, entre outras mídias. 
>
> **Livro:** Haunted Empire – Apple After Steve Jobs, lançado em março de 2014 pela HarperBusiness. 
>
> **Reputação:** repórter investigativa, é conhecida por seus furos de reportagem.

**Por que algumas pessoas se incomodaram tanto com seu livro?**

Se você perguntar a qualquer repórter experiente em cobrir Apple, ele dirá que toda matéria sobre a empresa gera uma reação forte. A Apple provoca emoção nas pessoas. Mas é verdade que meu livro teve a distinção especial de ter incomodado o próprio CEO, Tim Cook, possivelmente porque toquei em pontos nevrálgicos. Os questionamentos que fiz sobre forças e fraquezas da Apple são os que todos estão fazendo. Só que falei com cerca de 200 fontes e viajei por todo o mundo para poder fazê-los. E, se o livro incomodou alguns, agradou a outros; vários leitores, incluindo observadores antigos da Apple e ex-colaboradores, frisaram para mim que gostaram muito dele.

**Jobs morreu em 2011 e continua a ser o líder mais admirado pelos executivos brasileiros, por exemplo. Você acredita que a Apple vai libertar-se do fantasma dele um dia?**

Não sei se isso é possível. A Apple se tornou muito bem-sucedida graças a Jobs; a empresa inteira se unia sob a visão dele. Então, agora, cada vez que os executivos forem pensar sobre o que devem fazer, todos levarão em conta como as coisas eram feitas no passado, e sempre haverá alguém tentando adivinhar o que Jobs faria. Como ninguém sabe ao certo o que tem de ser feito, as opiniões serão divergentes, o que dá margem a essa adivinhação. 

E, mesmo que ninguém interno pense sobre o que Jobs faria, acionistas, consumidores, analistas, jornalistas etc. pensarão. Parece uma rua sem saída. 

**Você disse que a Apple pós-Jobs está se tornando mais orientada a processos. Você acha que isso pode destruir a empresa no futuro?**

Acho que a Apple apenas ficará mais parecida com as grandes companhias em geral. Mas quero esclarecer que a empresa se tornou mais orientada a processos não só por causa de Tim Cook, mas também porque ficou imensa e hegemônica, como já comentamos. Mesmo com Jobs vivo, acho que esse desafio existiria. 

**No livro, você descreve o microgerenciamento de Tim Cook. Uma empresa pode ser inovadora com microgerenciamento?**

Jobs, ultradetalhista, fazia pedidos loucos, como a mudança da cor do iPod nas vésperas do lançamento, e Cook obrigava as pessoas a trabalhar no Natal para executar isso. Pode-se dizer que havia um microgerenciamento puxado por uma visão inovadora. A Apple era bem-sucedida porque os gestores se complementavam em seus estilos; a equipe era meticulosamente calibrada em torno dos pontos fortes e fracos de Jobs. Agora que ele se foi, o equilíbrio da equipe acabou, e é preciso recalibrá-la. Só que é muito difícil fazer isso, porque o espaço que Jobs deixou é grande demais e ninguém na Apple tem tamanho para ocupá- -lo. Ninguém na Apple foi preparado para isso, pois ninguém podia roubar os holofotes de Jobs –ele não deixava. Jonathan Ive, o mais reconhecido entre todos, pôde ser considerado genial porque era apenas designer.

Compartilhar:

Artigos relacionados

Há um fio entre Ada Lovelace e o CESAR

Fora do tempo e do espaço, talvez fosse improvável imaginar qualquer linha que me ligasse a Ada Lovelace. Mais improvável ainda seria incluir, nesse mesmo

Empreendedorismo
Embora talvez estejamos longe de ver essa habilidade presente nos currículos formais, é ela que faz líderes conscientes e empreendedores inquietos
3 min de leitura
Marketing Business Driven
Leia esta crônica e se conscientize do espaço cada vez maior que as big techs ocupam em nossas vidas
3 min de leitura
Empreendedorismo
Falta de governança, nepotismo e desvios: como as empresas familiares repetem os erros da vilã de 'Vale Tudo'

Sergio Simões

7 min de leitura
Tecnologias exponenciais
Já notou que estamos tendo estas sensações, mesmo no aumento da produção?

Leandro Mattos

7 min de leitura
Empreendedorismo
Fragilidades de gestão às vezes ficam silenciosas durante crescimentos, mas acabam impedindo um potencial escondido.

Bruno Padredi

5 min de leitura
Empreendedorismo
51,5% da população, só 18% dos negócios. Como as mulheres periféricas estão virando esse jogo?

Ana Fontes

5 min de leitura
Tecnologias exponenciais
A inteligência artificial está reconfigurando decisões empresariais e estruturas de poder. Sem governança estratégica, essa tecnologia pode colidir com os compromissos ambientais, sociais e éticos das organizações. Liderar com consciência é a nova fronteira da sustentabilidade corporativa.

Marcelo Murilo

7 min de leitura
ESG
Projeto de mentoria de inclusão tem colaborado com o desenvolvimento da carreira de pessoas com deficiência na Eurofarma

Carolina Ignarra

6 min de leitura
Saúde mental, Gestão de pessoas
Como as empresas podem usar inteligência artificial e dados para se enquadrar na NR-1, aproveitando o adiamento das punições para 2026
0 min de leitura
ESG
Construímos um universo de possibilidades. Mas a pergunta é: a vida humana está realmente melhor hoje do que 30 anos atrás? Enquanto brasileiros — e guardiões de um dos maiores biomas preservados do planeta — somos chamados a desafiar as retóricas de crescimento e consumo atuais. Se bem endereçados, tais desafios podem nos representar uma vantagem competitiva e um fôlego para o planeta

Filippe Moura

6 min de leitura