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Copiar também é inovar

Devemos nos preparar para aceitar a imitação como uma etapa do processo de inovação. trata-se de uma “copinovação“

Valter Pieracciani

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Quem copia aprende.
Entendo que essa frase possa soar como uma heresia no ambiente empresarial atual, de busca incessante de inovação. A surpresa é que, em um mundo inundado de informações e estímulos, devemos nos preparar para aceitar a imitação como uma etapa do processo de inovação. Ao reproduzir, descobrimos e assimilamos conhecimentos. E não há mal nenhum nisso: inovação não é necessariamente ineditismo. Ao tentar replicar uma solução existente, seja para reduzir custos, seja para adaptá-la a uma nova realidade, sempre será necessário entender-se com a engenharia de novos materiais, fornecedores inusitados, componentes que nunca usamos antes, processos de fabricação diferentes. Pronto: é de desenvolvimento de tecnologia e inovação que este artigo trata.

As provas estão por aí; não vê quem não quer. No início do século 20, a indústria cinematográfica americana mudou-se da Costa Leste para o estado da Califórnia com o intuito de escapar das muitas ações judiciais movidas pelo empresário e inventor Thomas Edison (1847-1931). Entre outras engenhocas, Edison desenvolveu o projetor de cinema e lutava para preservar suas patentes – sinal evidente de que na América se copiava, e muito. Ainda assim, dessa “fuga” adveio uma indústria poderosa, que influenciou o cinema no mundo inteiro e impulsionou o desenvolvimento de um estado inteiro. Cópia resultando em inovação, que, por sua vez, acelera o progresso.

A universidade internacional de negócios de Wuhan, no “Vale do Silício” da China, replicou em seu campus algumas da principais construções do mundo, como o Arco do Triunfo e a Casa Branca. A maioria de nós tende a olhar para isso com certo desprezo. “São cópias”, pensamos, o que faz arderem em nós emoções ligadas ao orgulho, à vaidade e à honra. O problema é que, ao repudiá-las, inescapavelmente negamos a inovação. Para os chineses, exímios copiadores, é apenas parte de sua história de inovação e desenvolvimento. E, provavelmente, sentem grande orgulho ao contá-la.

Atire a primeira pedra o inovador que nunca copiou. A inovação não é lampejo. É processo evolutivo e construtivo que parte sempre de bases conhecidas e alimenta-se de referências. A falsa ideia do momento mágico só serve para nos deixar a todos complexados.

Na escola, esqueceram de nos contar sobre as muitas etapas que os grandes inovadores percorreram antes de fazer e anunciar suas descobertas. Personagens como Arquimedes e Newton estavam havia anos trabalhando antes dos momentos de eureca na banheira, ou da maçã caindo na cabeça, respectivamente. Futuramente deve ocorrer o mesmo com Elon Musk: passará à história só o episódio do desembarque em Marte – sem detalhes sobre quantas vezes ele copiou, tentou e explodiu foguetes até chegar lá.

## Da conotação negativa às startups clones
A conotação emocional negativa do copiar deriva de um paradigma vigente há centenas de anos: o da competição à moda antiga, na qual os mercados eram defendidos palmo a palmo com o controle das variáveis preço e quantidade.
Era o modelo mental da escassez.

No mundo atual, o desordenamento da competição, os saltos promovidos pela disponibilidade de todo tipo de conhecimento na web e o surgimento das organizações exponenciais empurraram-nos para um novo paradigma: copiar bem e rápido, e construir ainda mais inovação sobre a cópia, tornou-se competência e constitui diferencial competitivo. É o modelo mental da abundância.
Lembro-me perfeitamente das reações de surpresa das pessoas quando, há cerca de dez anos, estruturamos os primeiros processos de inovação aberta misturando startups e corporações. Era um ambiente novo de desregramento e liberdade no que se referia ao compartilhamento de informações, muitas delas estratégicas. Houve desconfiança inicialmente – sobretudo por parte das grandes empresas. Mas, aos poucos, isso foi dando espaço a uma atmosfera positiva de doação. Jovens criadores de startups com peito e mente abertos lideraram isso, ao apresentarem alegremente suas ideias às corporações e a outras startups concorrentes. Faziam isso com duas certezas: a de que seriam copiados e a de que era a sua forma de contribuir para a evolução do ecossistema. Ficou evidente que era uma grande mudança.

Assim, chegou ao fim o horror a imitações, embora alguns ainda se debatam com isso. Nos jogos vorazes dos negócios, os players passaram a dizer: “Pode me copiar, sim, porque estarei à sua frente quando você terminar”. Copiar e ser copiado tornou-se parte da nova realidade de doar com senso de coleguismo e de pertencimento, sem as emoções mesquinhas típicas da era da escassez.
Por isso, hoje já se fala com naturalidade em startups clones, como a brasileira RD Station, empresa de automação de marketing com mais de 6 mil clientes, cerca de 400 funcionários, atuação internacional e que, em março de 2021, foi adquirida pela Totvs por R$ 1,8 bilhão. A inovação da RD Station“clonou” a pioneira do setor, a americana HubSpot. [Segundo os especialistas, a RD foi estabelecendo suas distinções, como oferecer menos funcionalidades, preços mais baixos e um atendimento mais ágil.]

## De 1995 para cá
Copiar sempre foi parte do processo de inovar, desde os tempos mais remotos. O Império Romano, a mais próspera e admirada organização de todos os tempos, tinha como uma de suas práticas centrais a absorção sistemática do conhecimento alheio. Um exemplo é o gládio, arma romana que acabou dando nome aos gladiadores, que inicialmente era uma cópia da espada hispânica.

A diferença é que, mais recentemente, houve uma naturalização da “copinovação”, com o surgimento do modelo mental de abundância. O leitor talvez questione: como falar em abundância quando temos imensa desigualdade social, biodiversidade ameaçada e crise climática? O conceito foi formulado por Stephen Covey em 1995. Olhar através da lente da abundância é acreditar que há mercado, espaço para novidades e dinheiro para todos, algo bem distinto do paradigma “nós ou eles”, no qual o bolo é de tamanho fixo e quem tiver a fatia maior suprime as possibilidades do outro. No ambiente da abundância, o bolo não precisa parar de crescer, e esse crescimento advém não de esgotar os recursos naturais ou explorar pessoas, mas do compartilhar entre pessoas e empresas.

Dez anos depois de Covey, Chris Anderson sugeriu a “economia da abundância”, uma nova era caracterizada por infinitude. Ele estava vendo com os próprios olhos o comércio eletrônico, que tirava o limite de espaço das prateleiras do varejo. Via múltiplas formas de distribuir produtos e de transmitir informações que estavam surgindo.

Na década de 1980, Robert Camp, considerado o pai do benchmarking, na verdade fazia muito mais do que simples comparações entre empresas e seus produtos: buscava escancaradamente elementos de desenvolvimento e inovação. Mais tarde a engenharia reversa ocupou esse espaço. Foi por meio dela que o Japão adquiriu boa parte de sua tecnologia ao final da Segunda Guerra, desmontando e replicando peças de produtos americanos e alemães em um claro processo de “copinovação”. Agora, Japão e inovação não mais se dissociam.

Hoje, a inovação aberta ocupou, em certa medida, o lugar do benchmarking. Por que você acha que, entre agosto de 2019 e agosto de 2020, 1.635 empresas firmaram contratos com startups, segundo o Estadão Conteúdo? É pouco provável que o verdadeiro motivo para essas corporações se interessarem pelas startups seja uma vontade incontrolável de investir nelas; é, sim, querer absorver conhecimento, cultura, soluções. Se isso não for uma forma de copiar, não sei o que é.

## Cópias diferentes
Existem cópias fiéis, imitações, réplicas e outras classificações, variando de acordo com o nível de inovação que se imprime à solução. Aumentam também os atributos até a ruptura [veja quadro acima]. Obviamente, não nos referimos à pirataria ou a falsificar/plagiar produtos.

As margens mais significativas não serão atingidas com produtos parecidos com os que já existem; é preciso uma criatividade mais radical. No entanto, no caminho até ela, copiar será quase obrigatório. Sem constrangimentos.
Copiar e reconhecer que se aprende com isso exige humildade. Há que se ser pequeno para conseguir, só depois, tornar-se grande. No Brasil, perdemos tempo e oportunidades demonizando o ato de reproduzir e o resultado é que seguimos até os dias de hoje muito pouco inovadores.

Enquanto isso, países como Japão, China e Coreia se tornaram potências criativas ao “copinovar”. Lembre-se: imitar alguém é o mais sincero dos elogios.

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