Desenvolvimento pessoal

Creative Destruction Lab (ou como o Canadá desafia o Vale do Silício)

Ajay Agrawal, fundador e líder do CDL, ligado à University of Toronto, conta como está criando um ecossistema de inteligência artificial em seu país.

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Imagine os tradicionais cases da Harvard Business School, que estudantes de MBA do mundo todo dissecam para entender o que há por trás do fracasso e do êxito das empresas, sendo substituídos por cases acompanhados de perto, ao vivo e em tempo real, em startups. Esse é um dos motivos pelos quais o número de alunos da Rotman School of Management, de Toronto, no Canadá, vem crescendo. Mas o principal motivo está na mudança de paradigma: o ensino de gestão foi associado à aceleração de startups – o programa, materializado no Creative Destruction Lab (CDL), é uma disciplina eletiva do segundo ano do MBA da escola. Para as startups, baseadas em ciência, também há uma grande vantagem: elas ganham doses maciças de gestão e escalam mais facilmente.

Em Toronto, o CDL recebe startups locais mas também da Europa, dos Estados Unidos (inclusive do Vale do Silício), de Israel e da Ásia. E hoje também está sendo replicado em outras universidades da América do Norte. “Lançamos o programa em setembro de 2012, e no terceiro trimestre de cada ano admitimos um novo grupo de startups”, explica, nesta entrevista, Ajay Agrawal, fundador do CDL e professor de empreendedorismo e gestão estratégica.

**SAIBA MAIS SOBRE AJAY AGRAWAL E O CDL**

**QUEM É:** indiano, professor da Rotman School of Management, University of Toronto, especializado em inteligência artificial; fundador e líder do CDL.

**ESPECIALIDADE:** especialista em inteligência artificial, Agrawal é autor de The Prediction Machines – The simple economics of artificial intelligence, no prelo, que aborda os aspectos econômicos da inteligência artificial.

**SOBRE O CDL:** dele já saíram mais de 150 startups, gerando valor de mercado de US$ 5 bilhões em cinco anos (a previsão era gerar US$ 50 milhões); o modelo já foi replicado por quatro universidades – University of British Columbia, University of Calgary, Dalhousie University e Université de Montreal – e agora entrará na Stern School of Business, nos EUA.

**O Creative Destruction Lab é um modelo de aceleradora diferente? Como funciona?**

O programa não garante financiamento, mas a maioria das empresas consegue levantar capital com o time de fellows e associados (F&A) do CDL – um grupo de voluntários selecionado cuidadosamente, formado por empreendedores e investidores que atuam nos estágios iniciais. Então, ao longo de um ano, nossos alunos de MBA em gestão trabalham com esses fundadores, ajudando-os a desenvolver modelos financeiros, avaliar potenciais mercados e afinar suas estratégias para escalar.

Deu certo. Até agora, mais de 100 startups nasceram no CDL. Quando o lançamos, estabelecemos a meta de gerar US$ 50 milhões em valor em equity com elas, mas, no fim do quinto ano, em junho de 2017, tínhamos ultrapassado US$ 1,4 bilhão.

**Por favor, detalhe o funcionamento do CDL.**

O programa tem nove meses. A cada oito semanas os F&A determinam três objetivos para as startups, que têm de deixar de lado tudo o mais. São metas claras para um “sprint” de oito semanas. Podem ser objetivos de negócio, tecnologia ou orientados a recursos humanos.

A participação dos F&A é fundamental. Quando você está montando uma empresa, vê-se diante de milhares de coisas que poderia estar resolvendo. No que focar? Pessoas que fizeram isso antes são capazes de priorizar as duas ou três mais importantes em que focar agora e assim aumentam o valor e reduzem o risco do negócio o mais rápido possível.

O CDL não cobra taxas ou exige equity. A moeda para a participação é desempenho. Em sessões bimestrais, pedimos aos F&A que levantem a mão para as empresas com as quais estariam dispostos a comprometer seu tempo (uma hora por semana); as empresas que não inspiram pelo menos uma mão levantada são excluídas das futuras reuniões – embora ainda façam parte da família CDL. A regra é que pelo menos uma empresa deve sair a cada encontro.

**Há três anos, a CDL fez uma aposta enorme em inteligência artificial e aprendizado das máquinas. Qual o resultado disso?**

Alguns acontecimentos nos inspiraram a apostar em IA. Em nosso primeiro ano, uma das startups que vieram até nós foi a Chematria, hoje chamada Atomwise. Seu fundador, Abe Heifets, PhD em ciência da computação e biologia pela University of Toronto, estava aplicando uma nova técnica de IA para a descoberta de medicamentos. Essa técnica representava uma mudança radical na forma como as drogas são descobertas – uma questão de muitos bilhões de dólares para a indústria farmacêutica.

Na mesma época, uma equipe de alunos de ciência da computação da universidade venceu um concurso de alto nível em Stanford chamado ImageNet. Era uma competição de reconhecimento de imagem, na qual um computador recebe um conjunto de fotos e tem de identificar a imagem. Essa equipe de Toronto não só venceu – usando uma técnica aprendizado das máquinas chamada deep learning, em boa parte desenvolvida aqui –, mas ganhou por uma margem tão alta que no ano seguinte todas as equipes finalistas tinham adotado a técnica.

**Houve resistência ao foco. Por quê?**

Disseram que não tínhamos startups suficientes para uma linha dedicada à IA e que não haveria interesse dos investidores. Mas tínhamos nossos apoiadores. Uma delas foi Shivon Zilis, canadense radicada em San Francisco e sócia da empresa de venture capital Bloomberg Beta. Ela pessoalmente tinha escrito um post muito influente em um blog descrevendo o “panorama” de empresas emergentes no mundo da inteligência das máquinas. Convidei-a para vir à Rotman School e apresentar sua análise a nossos alunos de MBA e à equipe do CDL – que rapidamente percebeu que ela é uma estrela e convidou-a para unir forças a nossas iniciativas de IA. (Elon Musk depois enxergou o mesmo potencial e recrutou-a para ajudá-lo a construir seu império.)

Desde então, não só lançamos e avançamos nessa linha, mas criamos a conferência anual _Machine Learning and the Market for Intelligence_, a fim de educar a comunidade de negócios canadense sobre esse campo.

**Quais os resultados do CDL até hoje?**

Até agora, os resultados ultrapassaram nossas expectativas. Em 2012, aceitamos 25 empresas em nossa linha geral de alta tecnologia. Em 2016, dobramos, acrescentando um segundo coorte focado em IA, chegando a 50 startups. Em 2017, dobramos de novo ao aceitar 100 startups focadas em IA e acrescentando uma nova linha: o primeiro programa do mundo focado no lançamento de startups dedicadas a quantum machine learning (QML). Pelo que sabemos, o CDL abriga a maior concentração de empresas baseadas em IA do planeta.

**Qual startup acelerada no CDL o representa melhor, em sua visão?**

Cada empresa reflete aspectos diferentes de nossa visão. Por exemplo, a Atomwise encarna nosso foco na aplicação da ciência com efeitos transformadores sobre a sociedade – no caso, desenvolvimento de medicamentos. A Thalmic Labs representa a escala e a ambição de nossa missão. Eles levantaram boa parte de seu capital semente com nossos F&A, e cerca de um ano atrás conseguiram US$ 120 milhões em financiamento de Série B, um dos maiores financiamentos do tipo da história canadense. A Udio, fundada por Katya Kudashkina, de nossa 15ª turma de MBA, sintetiza o espírito empreendedor do CDL: ela imigrou para o Canadá sem um centavo e realmente se matou para ser admitida na principal escola de negócios do país enquanto estudava inglês à noite. Quando se formou, foi recrutada para um emprego estável no Pension Plan Investment Board do Canadá. Mas saiu para fundar uma startup, que trouxe para o CDL, e levantou algumas centenas de milhares de dólares em investimento. 

 Bem no início, a Udio concentrou-se na construção de abelhas robóticas para polinização artificial na indústria agrícola. Mas os F&A disseram a Katya que demoraria demais para que a empresa obtivesse receitas com esse modelo de negócio, e que ela precisava estar mais perto de seus clientes. Ela então se mudou para a Califórnia – basicamente vivendo no sofá de alguém – e foi trabalhar com fazendeiros no norte do estado.

Por fim, Katya ficou sem recursos antes de viabilizar o negócio e a empresa fracassou; mas ela não desistiu e abriu outra startup. Ela aprendeu muito com sua primeira empresa e manteve excelentes relações com seus investidores. Eu não ficaria surpreso se eles investissem nela novamente, porque ela é totalmente motivada, confiável e disposta a aprender. É um excelente exemplo da persistência exigida dos empreendedores.

**Por que o CDL é um dos mais populares cursos de MBA no segundo ano da Rotman?**

Por dois motivos: primeiro, combina o modo tradicional de aprendizado em aulas expositivas com a prática; e em segundo lugar porque associa trabalho acadêmico com um senso de propriedade.

A abordagem das aulas expositivas no CDL é liderada por nosso economista-chefe, Joshua Gans, que desenvolveu uma estrutura para o ensino da estratégia empresarial com Scott Stern do MIT. Isso dá aos alunos estrutura e contexto para o que eles vão vivenciar depois.

Então vem a parte de aprender fazendo. Normalmente, escolas de negócios usam os casos da Harvard Business School como exemplos em sala de aula. Nós substituímos esses cases por empresas reais. Ao trabalhar com os empreendedores, os fellows e os associados, oferecemos aos alunos a oportunidade de colocar a mão na massa. Em vez de ler um caso de 30 páginas que já vem com um conjunto de fatos, eles têm de encontrar os fatos por si e descobrir – a partir das infinitas informações que estão por aí – quais são os mais valiosos para suas necessidades. Eles experimentam a confusão do mundo real e a realidade de ter de tomar decisões sem as informações completas.

A segunda parte é a propriedade. Quando nossos alunos trabalham com essas startups, todas as decisões interessam, então eles têm um senso de propriedade real. É uma experiência de aprendizado poderosa sentir-se dono dos resultados, porque as consequências são muito tangíveis.

**Como funcionam os CDLs em parceria com outras universidades no Canadá e nos EUA?**

Toda universidade tem algum programa de empreendedorismo, mas acho que o CDL se destaca por seus resultados. O calibre dos investidores da comunidade empresarial que se reuniu em torno do CDL não tem precedentes. Naturalmente, outras universidades adorariam que isso ocorresse em suas próprias escolas de negócios. Quando a University of British Columbia manifestou interesse em adotar o programa, a grande questão era: “Isso é replicável?” Então, uma equipe muito competente, sob a direção do professor Paul Cubbon, conseguiu reproduzi-lo. Quando o CDL-West completou seu primeiro ano, os resultados foram impressionantes, e comprovamos que sim, o programa é replicável. Desde então, lançamos o CDL na University of Calgary, Dalhousie University e Université de Montreal, e em outubro último anunciamos uma parceria com a Stern School of Business da New York University.

O importante é que cada um desses laboratórios atraiu alguns dos principais empreendedores de sua região. Nosso desafio agora é a polinização cruzada entre todos os CDLs. O CDL não concorre com universidades, mas com o Vale do Silício. E uma coisa que torna o Vale tão eficaz é a velocidade em que se movimenta. Se acelerarmos a velocidade aqui, vamos levar o jogo a outro patamar no Canadá.

**Por que o CDL lançou o primeiro programa focado em quantum machine learning?**

A tecnologia é embrionária e talvez pareça cedo demais, mas, assim que ela despontar, em uns cinco anos talvez, MIT, Stanford e o Vale do Silício partirão para esse campo. Então, queremos investir agora para atrair todo o ecossistema para o Canadá, como o Vale do Silício fez com os semicondutores nos anos 1960. Não houve mágica no Vale. Houve timing.

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