Eu ainda estava no segundo ano da universidade, quando um professor visitante veio dar aula de computer algorithms. Naquela época, não tínhamos ideia de como a palavra algoritmo viria a fazer parte do nosso cotidiano e dividir o mundo (já assistiram ao documentário ‘O dilema das redes sociais’? Em outro momento, a gente fala sobre isso).
Voltando ao professor, ele era o Daniel Cohen – médico, cientista da computação, escritor. Sujeito brilhante. Falava oito idiomas, tinha o raciocínio muito veloz, um cara realmente sagaz. Cativava a todos com apresentações que eram desafios intelectuais.
Dr. Cohen fez algo inusitado: convidou cada aluno para reuniões individuais. Lembro de ter pensando: ele ficará aqui por apenas um semestre. Por que se dar ao trabalho de nos conhecer fora da sala de aula? Na nossa conversa, ele perguntou o que eu pretendia fazer depois de formado. Eu tinha apenas 18 anos e estava me divertindo com a recém-obtida liberdade da vida universitária. A resposta foi algo como ‘Ainda está muito cedo para pensar nisso!´.
Olhando bem fundo nos meus olhos semi-adolescentes, o mestre disparou: `Se você não sabe onde quer chegar, vai ser difícil ser bem-sucedido!’. Foi uma sacudida. Desde então, mantenho uma lista de objetivos pessoais que reviso regularmente. E mais importante: planejo e executo as ações para chegar lá.
Meu primeiro trabalho foi em um banco de investimento. Lá conheci o Zé Baixinho (naquela época chamá-lo assim não era bullying). Que personagem! Em um ambiente de alta performance e pressão por resultados, estava sempre com um sorriso no rosto e um comentário irônico engatilhado. Todos gostavam dele. Era da área comercial e tinha os melhores resultados, mesmo mal sabendo usar uma calculadora. Trabalhávamos em open space e, um dia, o colega apontou para a sua mesa, onde havia apenas um computador e um rolodex (dá uma googlada aí para ver o que era).
No encosto da cadeira, o paletó. Ele abriu as gavetas. Vazias. Sobre a mesa, nenhum item pessoal, nem uma única foto. Foi quando Zé Baixinho se virou para mim e comentou, apontando pro rolodex: `O dia que eu encher o saco daqui, pego o meu item mais valioso e vou pra casa.´
Um desapego total ao sobrenome corporativo. Uma autoconfiança e clareza do que realmente lhe ajudava a ser bem-sucedido: a sua rede de relacionamentos. O episódio me fez olhar para o trabalho sob uma nova perspectiva, a da independência.
E tem ainda uma terceira história sobre conselhos que impactaram a construção do meu futuro corporativo. Normam me levou para ser diretor de RH. Seis meses depois de eu ter começado na British Petroleum, ele me telefona num sábado. Ferrou, pensei. Era uma época em que não se tratava de assuntos ligados a trabalho aos finais de semana.
Ele se desculpou pela ligação: ‘Só para dizer que acabo de fazer 50 anos e vou me aposentar. Estou voltando para os EUA e vou viver no meu rancho no Colorado’. Foi um choque. Cedo assim? E toda aquela gente à minha volta trabalhando até morrer, e na mesma empresa…
## Fast forward para o momento presente.
Há duas semanas, eu e Jederson Beck reencontramos a Mariana. Nesse dia, minha amiga de longa data comentou detalhes da nossa última conversa, há quase três anos. Ela se lembrava das palavras exatas que havíamos trocado. E eu? Sequer me recordava do nosso encontro. Mas ela me relembrou que eu havia contado sobre planos futuros.
Rimos (eu, de nervoso) ao perceber que tinha alcançado exatamente o que planejei. Está aí um entre os muitos benefícios de ter amigos: são guardiões de pedacinhos da sua história. Formam o mosaico da sua vida.
Dias depois, a conversa marcante foi com o Joseph. Havíamos encontrado com um novo amigo, mais velho do que eu. E me impressionou a quantidade e variedade de realizações do sujeito. ´Ele já fez tanta coisa na vida´, foi a minha reação. Aí o Joseph me manda essa: ´Em 20 anos, pensa em quanta coisa mais você vai ter para contar!”. É isso! Fiquei bem animado com as próximas décadas.
O grande barato dessas guinadas que marcaram minha trajetória é a possibilidade de escolher o que eu quero fazer, com quem quero estar, onde vou investir o meu tempo. Um privilégio libertador!
Ao tentar colocar um ponto final neste texto, me dou conta de que é, de certa forma, uma homenagem às pessoas que contribuíram com a minha caminhada. Por sorte, foram e serão muitas.
Não é sobre a linha de chegada, mas a jornada. Se o Marcelo de hoje encontrasse com o Marcelo de ontem, certamente diria a ele: pare de olhar para trás e trate de curtir mais o caminho!
Saudações sabaticosas.