Dossiê HSM

CX é método, sem romantismo

Ferramenta estratégica de impacto nos negócios, a experiência do cliente (CX, na sigla em inglês) ainda é um conceito mal interpretado e mal aplicado. Porém, o segredo do método passa por resolver problemas antes de tentar “encantar” as pessoas
Rodrigo Tavares é bacharel e mestre em estatística pela USP, com especializações em marketing direto pela Associação Brasileira de Marketing de Dados (Abemd) e em marketing de serviços pela FGV. É vice-presidente sênior de experiência do cliente na RecargaPay. Foi eleito “executivo do ano em 2016 no Prêmio Latam.

Compartilhar:

Cada era do conhecimento humano teve características únicas que definiram as relações entre as pessoas. Porém um traço, muito forte, nasceu quando a agricultura mandava na economia e permaneceu por séculos: a concentração de poder e de tomada de decisão, em que poucos determinam como seria a vida de muitos.

Exemplo emblemático dessa dinâmica, que atravessou as eras rural, industrial e digital, é o pensamento de Henry Ford, no início do século 20: “Você pode comprar um Ford Modelo T em qualquer cor que desejar, desde que ele seja preto”.

Porém, nos anos 1990, com o advento da internet, esse formato verticalizado se rompeu. A ruptura causada por democratização do acesso à informação, por horizontalização das relações e por novas tecnologias com a computação na nuvem, foi, e é, transformadora, e segue em uma velocidade intensa. A sociedade passou a viver no tal mundo “Vuca”, sigla em inglês que designa “volátil, incerto, complexo e ambíguo”.

Nós logo passamos a ter acesso a tudo e a todo momento com um smartphone na palma das mãos. A quantidade de opções e possibilidades para um cliente realizar suas necessidades cresceu de maneira assustadora.

É nesse contexto que a estratégia de experiência do cliente emerge como a única capaz de criar conexões únicas entre seres humanos. De um lado, clientes. Do outro, colaboradores. Unidos por essa conexão, eles formam o elemento básico de toda e qualquer organização – uma tribo movida pelos mesmos valores e cultura, com a finalidade de seguir transformando a sociedade.

![024-28 – figura 1](//images.ctfassets.net/ucp6tw9r5u7d/6PPUyteIA4sYpuRaw7Eikp/10e2c0db4e81d2018be03dea1fcde6d5/024-28_-_figura_1.png)

## Entendendo (mesmo) o conceito
De acordo com a Forrester, renomada instituição de pesquisa e consultoria, experiência do cliente, ou CX, é “a soma das percepções de todas as interações que o cliente tem com a marca”.

Com isso, fica claro o desafio em fazer com que o cliente tenha experiências memoráveis em seu relacionamento com tal marca. Essa entrega deve ser feita sem rupturas ou quebra de confiança e de expectativas.

Um aspecto importante de CX é que a construção começa “de fora para dentro”, segundo o conceito de Harley Manning, pesquisador da Forrester. É necessário focar o foco do cliente, com o perdão da redundância, não focar o cliente. Para que isso ocorra, as expectativas dos clientes precisam estar claras. (Esse entendimento é crucial para que a construção da solução de CX seja robusta e coerente.) E elas invariavelmente se relacionam com solução, tempo e experiência prazerosa. Não desperdice o tempo do cliente, resolva seu problema o quanto antes e resolva-o de maneira satisfatória. As três expectativas – resolver seu problema, poupar-lhe esforço e satisfazê-lo – nunca mudarão. O que mudará é a intensidade crescente com a qual os clientes esperam e cobram por isso. É depois de encontrada a solução que se faz a experiência propriamente dita, muitas vezes usando ferramentas como o design thinking.

![0-24-28 – figura 2](//images.ctfassets.net/ucp6tw9r5u7d/4K8Z8q2bZVg2bP63fCoyR7/a6373306ea8ce41c46b784c4eafe0fec/0-24-28_-_figura_2_.png)

Reforçar o aspecto metodológico de CX é imprescindível. A força que existe em conectar seres humanos de modo único frequentemente faz com que as estratégias no mercado sejam conduzidas de maneira subjetiva e emocional; então, é preciso enfatizar a essência pragmática na construção da experiência do cliente, por meio da pirâmide da experiência. *{Veja na figura acima.}*

Como em qualquer construção, é preciso começar pela base: a solução deve resolver o problema do cliente. Em seguida, atua-se na redução do esforço para o cliente, indo ao encontro de sua expectativa de ganhar tempo. Por fim, entrega-se a ele uma conexão emocional satisfatória.

Importante: deve-se seguir a sequência da base ao topo exposta na figura; caso contrário, se você começar a estruturação de CX pela dimensão “emoção” – falha comum no mercado atualmente –, corre o risco de sofrer da “síndrome da pirâmide invertida” e acabar criando ações pontuais de encantamento. Elas geram impacto emocional, mas não resolvem as necessidades com profundidade. Ações como brindes e ressarcimentos são importantes, mas devem fazer parte de uma estratégia mais ampla de CX, e não ser ferramentas pontuais desconectadas do negócio.

Vale reforçar que a aplicação do “framework” da pirâmide da experiência do cliente precisa ser feita de ponta a ponta. Somente dessa forma a estratégia de experiência será realizada com consistência.

## CX movida pela voz do cliente
CX é método… e esse método é melhoria contínua.. A finalidade da melhoria contínua é mover transformações profundas nos negócios e nas organizações por meio da voz do cliente – os clientes são o meio, não o fim, para gerar impacto estratégico nas companhias. A experiência do cliente é uma ferramenta que impacta diretamente e retroalimenta uma empresa, viabilizando a construção de um negócio perene e adaptável a necessidades e contextos diferentes – e que mudam em velocidade cada vez maior.

Uma das metodologias mais consagradas em melhoria contínua, e que pode ser aplicada no contexto de CX, é o famoso PDCA (da sigla em inglês para “planejar, executar, checar e agir”), que remonta à qualidade de W. Edwards Deming. É uma ferramenta simples de entender e intuitiva de implementar:

__- Planejar:__ Definir iniciativas-chave de experiência do cliente para serem implementadas com base no feedback da voz do cliente.
__- Executar:__ Realizar as iniciativas-chave com excelência e em alinhamento com demais áreas e times.
__- Checar:__ Mensurar os resultados identificando o que está ocorrendo dentro do esperado e o que não está funcionando com o detalhamento necessário de análises para identificar as causas.
__- Agir:__ Propor, com base nas oportunidades mapeadas nas análises de causa, os planos de ação para correção das iniciativas em andamento e definição de novas iniciativas, começando um novo ciclo de planejamento.

Mais um aspecto inegociável em CX, evidenciado no PDCA, é que não há gestão da experiência do cliente sem métricas, que são a base para o passo “Checar”. Peter Drucker deixava isso claro: “Só pode ser melhorado o que pode ser medido”.

![0-24-28 – figura 3](//images.ctfassets.net/ucp6tw9r5u7d/5mNGbwXvhrZnYAyIfvsami/b12817fb4f5b328eaa5e204ecbaac16d/024-28_-_figura_3.png)

Mas qual seria o conjunto de métricas e indicadores para mensurar o resultado do andamento das iniciativas de CX? Uma estrutura simples e bem interessante para abordar o tema de mensuração de CX é o “templo de indicadores da experiência do cliente”:

__Efeito UAU.__ O telhado representa a entrega final de CX, o encantamento percebido pelo cliente.

__Macroindicadores:__ Três são chave:

– __Net Promoter Score (NPS).__ Traduz a voz do cliente mensurando a dimensão “emoção” da pirâmide da experiência.
– __Customer Effort Score (CES).__ Indicador de voz do cliente para mensurar a dimensão “baixo esforço” da pirâmide da experiência do cliente.
– __Contact rate__. Mede a dimensão “resolver o problema” da pirâmide da experiência. É calculado como uma porcentagem, de quantidade de contatos no atendimento a clientes em relação à quantidade de transações.

__Microindicadores:__ Grupo de KPIs (indicadores-chave de performance, na sigla em inglês) que sustentam a entrega de CX e que variam para cada companhia e modelo de negócio, bem como para estágio de maturidade. Algumas possibilidades de microindicadores aqui seriam: ticket médio, CAC (custo de aquisição de clientes), churn rate (percentual de clientes que vão embora), tempo médio de atendimento, motivo de contato/fricção, produtividade, execução de orçamento, disponibilidade de sistemas e canais, SLA de fornecedores (nível de serviço) etc.

__Employee Net Promoter Score (e-NPS):__ A pedra fundamental da mensuração é a experiência do colaborador (EX, na sigla em inglês). Esse indicador traduz a voz do colaborador, reforçando que a construção de CX, percebida pelo cliente, começa, necessariamente, dentro de casa. A experiência do cliente começa a ser construída “de fora para dentro”, mas é entregue “de dentro para fora”, lembram os pesquisadores da Forrester.

## Eliminando fricções
Vale a pena repetir: como acontece com toda e qualquer construção, o foco inicial da implementação de uma estratégia exitosa de experiência do cliente deve ser na base – ou seja, resolver a necessidade ou o problema dos clientes por meio de produtos e serviços.

Jeff Bezos, fundador da Amazon, já ensinou que o melhor atendimento é aquele em que o cliente não precisa entrar em contato com você, porque tudo funcionou nos conformes. Isso explica outro ponto crucial de CX que, muitas vezes, é mal interpretado. Muitos acham que, para priorizar experiência, deve haver uma mudança de foco em produto para foco em cliente. Esse pensamento está errado. O foco no produto jamais pode ser abandonado. Ao contrário: CX demanda foco obsessivo em produto.

Os atritos têm outra origem ainda: o adicional de esforço do cliente. Como lemos no livro *The effortless experience,* “satisfação não gera lealdade, mas todo e qualquer esforço {do cliente} gera deslealdade, incluindo o esforço de ter que entrar em contato com o atendimento”.Produtos e serviços que geram esforço destroem a lealdade e podem impactar negativamente o resultado da companhia e colocar em risco o crescimento do negócio.

O leitor entende por que não se pode ter estratégia de CX focada 100% em “atendimento encantador ao cliente”, como muitas empresas prometem? Atendimento é um esforço que deve ser evitado ou eliminado, mesmo que o atendimento seja impecável e eficaz.

A partir desse cenário, o melhor caminho para começar o trabalho de experiência do cliente em uma companhia é, claramente, pela base, construindo um produto robusto e retroalimentado, continuamente, pela voz do cliente. Nesse estágio inicial, a métrica-chave de CX é o “contact rate” (taxa de contato). Quanto menor o valor, melhor, pois pois isso representa a eliminação de fricções, o que impacta na eficiência do negócio.

## Investimento e retorno em CX
Se a taxa de contato cai, a estrutura de atendimento ao cliente não precisa crescer – ou cresce em um ritmo menor, o que reduz custos. Isso é CX com impacto direto nos resultados da companhia.

Mas, indo além disso, é indispensável ter um processo de governança estruturado entre os times de CX e de produtos. Somente assim é possível criar uma agenda de ajustes e melhorias nos produtos a partir das opiniões dos clientes.

![024-28 – figura 4](//images.ctfassets.net/ucp6tw9r5u7d/6ySgTaz5CbBuBGcu2XkY7J/14c51a5eb323daa2ef3f5f756102771e/024-28_-_figura_4.png)

Estudos de mercado comprovam que o investimento em experiência do cliente traz retornos de grande impacto. No gráfico acima, é possível notar que quanto maior o grau de maturidade de CX em uma companhia, maior é o crescimento de receita por cliente. Essa taxa chega a ser 2,4 vezes maior no nível mais alto de maturidade de CX.

Ganhos importantes também foram comprovados no que se refere à experiência do colaborador (EX). Um estudo realizado pela S&P 500 na Nasdaq concluiu que as companhias com as melhores práticas de EX apresentam os melhores resultados:

__• Lucratividade 4 vezes maior.
• Receitas 2 vezes maior.
• Turnover de colaboradores 40% menor.
• Times 24% menores e com alto nível de performance.__

O protagonismo de customer experience nas pautas estratégicas das corporações vem crescendo nos últimos dez anos. Trata-se de uma estratégia capaz de criar conexões únicas entre clientes e empresas. Mas CX é método! É para impactar produtos, serviços e negócios por meio da voz do cliente. E não se engane: o cliente, na estratégia de CX, é meio, não o fim. A estratégia da experiência do cliente implementada e executada com excelência cria uma organização robusta (em cultura e em resultados), perene e adaptável a clientes e colaboradores.

__Leia também: [EX também tem método](https://www.revistahsm.com.br/post/ex-tambem-e-metodo)__

Artigo publicado na HSM Management nº 157.

Compartilhar:

Artigos relacionados

Tecnologias exponenciais
O anúncio do Majorana 1, chip da Microsoft que promete resolver um dos maiores desafios do setor – a estabilidade dos qubits –, pode marcar o início de uma nova era. Se bem-sucedido, esse avanço pode destravar aplicações transformadoras em segurança digital, descoberta de medicamentos e otimização industrial. Mas será que estamos realmente próximos da disrupção ou a computação quântica seguirá sendo uma promessa distante?

Leandro Mattos

6 min de leitura
Tecnologias exponenciais
Entenda como a ReRe, ao investigar dados sobre resíduos sólidos e circularidade, enfrenta obstáculos diários no uso sustentável de IA, por isso está apostando em abordagens contraintuitivas e na validação rigorosa de hipóteses. A Inteligência Artificial promete transformar setores inteiros, mas sua aplicação em países em desenvolvimento enfrenta desafios estruturais profundos.

Rodrigo Magnago

4 min de leitura
Liderança
As tendências de liderança para 2025 exigem adaptação, inovação e um olhar humano. Em um cenário de transformação acelerada, líderes precisam equilibrar tecnologia e pessoas, promovendo colaboração, inclusão e resiliência para construir o futuro.

Maria Augusta Orofino

4 min de leitura
Finanças
Programas como Finep, Embrapii e a Plataforma Inovação para a Indústria demonstram como a captação de recursos não apenas viabiliza projetos, mas também estimula a colaboração interinstitucional, reduz riscos e fortalece o ecossistema de inovação. Esse modelo de cocriação, aliado ao suporte financeiro, acelera a transformação de ideias em soluções aplicáveis, promovendo um mercado mais dinâmico e competitivo.

Eline Casasola

4 min de leitura
Empreendedorismo
No mundo corporativo, insistir em abordagens tradicionais pode ser como buscar manualmente uma agulha no palheiro — ineficiente e lento. Mas e se, em vez de procurar, queimássemos o palheiro? Empresas como Slack e IBM mostraram que inovação exige romper com estruturas ultrapassadas e abraçar mudanças radicais.

Lilian Cruz

5 min de leitura
ESG
Conheça as 8 habilidades necessárias para que o profissional sênior esteja em consonância com o conceito de trabalhabilidade

Cris Sabbag

6 min de leitura
ESG
No mundo corporativo, onde a transparência é imperativa, a Washingmania expõe a desconexão entre discurso e prática. Ser autêntico não é mais uma opção, mas uma necessidade estratégica para líderes que desejam prosperar e construir confiança real.

Marcelo Murilo

8 min de leitura
Empreendedorismo
Em um mundo onde as empresas têm mais ferramentas do que nunca para inovar, por que parecem tão frágeis diante da mudança? A resposta pode estar na desconexão entre estratégia, gestão, cultura e inovação — um erro que custa bilhões e mina a capacidade crítica das organizações

Átila Persici

0 min de leitura
Tecnologias exponenciais
A ascensão da DeepSeek desafia a supremacia dos modelos ocidentais de inteligência artificial, mas seu avanço não representa um triunfo da democratização tecnológica. Embora promova acessibilidade, a IA chinesa segue alinhada aos interesses estratégicos do governo de Pequim, ampliando o debate sobre viés e controle da informação. No cenário global, a disputa entre gigantes como OpenAI, Google e agora a DeepSeek não se trata de ética ou inclusão, mas sim de hegemonia tecnológica. Sem uma governança global eficaz, a IA continuará sendo um instrumento de poder nas mãos de poucos.

Carine Roos

5 min de leitura
Tecnologias exponenciais
A revolução da Inteligência Artificial está remodelando o mercado de trabalho, impulsionando a necessidade de upskilling e reskilling como estratégias essenciais para a competitividade profissional. Empresas como a SAP já investem pesadamente na requalificação de talentos, enquanto pesquisas indicam que a maioria dos trabalhadores enxerga a IA como uma aliada, não uma ameaça.

Daniel Campos Neto

6 min de leitura