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De garotos-propaganda a concorrentes

Muitos influenciadores se tornam empreendedores, criando empresas para administrar suas carreiras. outros agora estão indo além, tornando-se os CEOs mais comunicativos do mundo
Ricardo Cavallini é fundador da primeira agência digital do Brasil, professor da Singularity University, palestrante e consultor em tecnologia e inovação, além de pioneiro do movimento maker no País.

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Que muitos influenciadores se tornam donos de negócios que administram suas próprias marcas já é um fato. Com o crescimento da audiência, muitos se tornam empresas e contratam equipes para dar conta da produção de conteúdo próprio, patrocínios e ações para marcas.

Mas uma tendência que identificamos mais recentemente é a conversão dos influenciadores em verdadeiros empreendedores – nos últimos anos, alguns estão indo além do áudio e do vídeo, passando de criadores de conteúdo para criadores de produtos, e se tornando, na prática, os CEOs mais comunicativos do mundo. Afinal, se os influenciadores passaram a ser o rosto de muitos produtos, nada mais natural do que alguns se perguntarem por que não ficar com todo o lucro, em vez de receber apenas uma fração dos royalties.

A distância entre ter um prato com seu nome no restaurante Paris 6 e abrir a própria empresa, cuidando de produção, distribuição, vendas e todas as responsabilidades do negócio, porém, é enorme. Talvez por isso, no caminho de influenciador a empreendedor, o mais natural para alguns tenha sido começar a vender merchan­dising e cursos digitais, produtos cujo ecossistema já é maduro, e contar com ferramentas e serviços de terceiros que cuidam da parte mais complexa de produção ou venda dos produtos.

Para alguns, isso pode significar um valor considerável. Um estudo da empresa de produtos promocionais inglesa Purple Moon estimou que o youtuber PewDiePie fatura US$ 6,8 milhões em merchandising por mês. Aqui no Brasil, um caso de sucesso seria a Nerdstore, lançada pelo canal Jovem Nerd, e vendida em 2018 para o empreendedor Fernando Aléscio.

## Produtos “de verdade”
Canecas, camisetas, moletons ou capinhas de celular não necessariamente transformam alguém em empreendedor, então o mais relevante nessa tendência são personalidades lançando empresas, usando seu conhecimento, imagem e poder de mídia para fazer o produto vender. Casos como o de Will Smith e Jada Smith, que lançaram uma marca de água responsável, com embalagem produzida com mais de 80% de recursos renováveis. Lançada em 2015, a empresa foi avaliada ano passado em mais de US$ 100 milhões.

Também não se trata de personalidades como funcionários ou comissionados, sejam eles embaixadores da marca, sejam funcionários diretos do negócio, caso da atriz Marina Ruy Barbosa, contratada como diretora de moda do Grupo Arezzo, ou das cantoras Iza, como diretora criativa da Olympikus, ou Anitta, como chefe de inovação da Ambev.

Falo de empreendedorismo mesmo. Personalidades lançando produtos próprios. A iniciativa não é nova, existem muitos exemplos. Só para citar alguns ao longo dos últimos 20 anos, os fones de ouvido Beats de Dr. Dre, lançado em 2006 e comprados pela Apple em 2014. Gwyneth Paltrow, com a Goop (2008), e seus produtos para bem-estar e estilo de vida. Jessica Alba, com The Honest Company (2011) e seus produtos naturais. Kylie Jenner, com a Kylie Cosmetics (2014). E até casos mais específicos, como o ator Dwayne Johnson, conhecido como The Rock, que em 2019 lançou uma marca de tequila.

Com a febre dos blogueiros de moda e maquiagem, a primeira onda aconteceu nesses segmentos. Jade Picon lançou sua marca de roupas. Mari Maria lançou a Mari Maria Makeup; Camila Coutinho lançou sua marca de esmaltes. O maquiador Luccas Rodrigues lançou a marca Blum, cujo primeiro produto é uma caneta delineadora. E aposto que existem muitos outros, visto que eu não conheço nenhum desses nomes, mesmo alguns tendo mais de 10 milhões de seguidores.

No fim de 2020, o ator Caio Castro comprou uma participação na marca de joias e acessórios Key Design e, ainda no universo da moda, dois casos interessantes seriam os irmãos Emicida e Fióti, com o coletivo Laboratório Fantasma, e o humorista Thiago Ventura, com a Vents. Suas empreitadas deveriam receber mais atenção de quem estuda negócios, não apenas por serem alguns dos artistas mais inteligentes da geração atual, mas porque suas iniciativas têm propósito de forma verdadeira, algo que se encaixa como uma luva nos dias de hoje.

## Nicho com escala
Mas se o tema não é exatamente novo, por que é relevante falar disso agora? Esse movimento pode se tornar um risco ou uma oportunidade para as empresas tradicionais?

Uma das principais diferenças não está nos famosos em si, nem do fato de virem de Hollywood ou das redes sociais. Claro que a internet viabilizou o surgimento de novos famosos, mas isso também não é novo. Existe uma diferença enorme entre Gwyneth Paltrow e Jade Picon. Não me refiro a fama, importância ou qualquer juízo de valor. Falo de volume. Com as redes sociais e as plataformas de streaming, aconteceu uma democratização de famosos.

O que é relevante (e relativamente novo) é a quantidade absurda de pessoas muito famosas que não são muito conhecidas. Parece um paradoxo, mas é a nova realidade. Estima-se que apenas o YouTube tenha vários milhares de influenciadores brasileiros cujos seguidores estão na casa dos milhões. Com o crescimento do TikTok, esse número deve ter explodido. Some a isso Instagram, Twitter, Twitch e Spotify e você terá a dimensão desse universo.

Isso se reflete não apenas no volume de famosos, mas também na possibilidade de explorar nichos com escala. Um dos grandes problemas de investir em nichos não está no volume de vendas em si, mas no custo estimado para divulgar e até mesmo na capacidade das empresas de criar produtos que façam sentido e sejam verdadeiros para esse público.

Para citar alguns exemplos de produtos de nicho, a First We Feast é um canal de entretenimento no qual os entrevistados experimentam pimenta antes de dar suas respostas. O canal lançou sua própria linha de, óbvio, pimentas. Entre os produtos estão The Last Dab, 400 vezes mais forte do que uma pimenta dedo de moça. O mágico Chris Ramsay lançou seu próprio baralho. A maker Simone Giertz lançou um calendário lembrete de parede, uma maneira simples de lembrar as tarefas que você se propôs a fazer todos os dias, não importando se é fazer exercícios, tomar um remédio ou meditar. Giertz pretendia vender o equivalente a US$ 35 mil, mas conseguiu US$ 593 mil no primeiro mês.

O maker Giacomo Di Muro, no YouTube conhecido como Giaco Whatever, lançou um estilete profissional. Você pode achar besta, mas, em sua estreia, o produto vendeu US$ 330 mil. Em 2020, ele lançou uma chave de fenda. Isso mesmo que você leu. Uma. Chave. De. Fenda. Em pouco mais de um mês, vendeu o equivalente a US$ 651 mil, ou R$ 3,4 milhões.

Além da moda e dos cosméticos, no Brasil as iniciativas ainda são tímidas. Iberê Thenório, do Manual do Mundo, criou um selo para lançar livros de ciência e cultura maker. O Flow Podcast prometeu lançar um hidromel com sua marca. Por coincidência ou não, talvez o mais interessante seja o caso do meu irmão, Celso Cavallini. Focado em aventura, vende produtos criados por ele, como facas de sobrevivência, mochilas de caminhada (trekking e hiking), abrigos de acampamento e fotos autorais das paisagens dos lugares que visita.

Como você percebeu, os exemplos são na maioria de makers ou de pessoas que sigo por gosto pessoal. Por serem de nicho, não são tão simples de identificar. Também pode existir um viés pelo fato de serem makers, mais propícios a criarem produtos do que outras personalidades, mas com os exemplos que estão vindo de fora, não acredito que esse movimento será exclusivo para esse perfil.

## A tendência é crescer
Apesar dos poucos exemplos, acredito que esse tipo de iniciativa deve explodir nos próximos anos por três motivos principais.

1. __Pura necessidade.__ Não se trata apenas de dar vazão a uma veia empreendedora – o número de influenciadores que abre empresas pode aumentar simplesmente por necessidade. Com os algoritmos mudando o tempo todo, muitos acabaram lançando produtos para aumentar e diversificar sua renda. Apesar do senso comum apontar para influenciadores ganhando muito dinheiro com as plataformas, é muito difícil viver da publicidade nativa delas. A maioria não paga as contas ou apenas banca os custos, principalmente em países como o Brasil, onde o custo por mil da propaganda é bem menor do que nos Estados Unidos. Além disso, para parte relevante dos influenciadores, o fato de dar opinião todos os dias na rede mais afasta do que atrai anunciantes.
2. __O poder do exemplo.__ O que muita gente desmerece, mas é tremendamente relevante, é o poder do exemplo. Com casos como esses pipocando, muita gente vai ver que é possível e se animar a fazer o mesmo. E isso também nos leva para o terceiro motivo.
3. __O alcance do ecossistema.__ Não apenas influenciadores, mas empresas de todo tipo começarão a olhar esse universo com mais carinho. Algumas empresas já estão atentas a essas iniciativas, seja como celeiros de novidades, seja de olho em possíveis novos concorrentes, assim como acontece no universo de startups e big techs. O Grupo Soma (dono das marcas Animale e Farm) comprou a NV, da blogueira Nati Vozza, por R$ 210 milhões em 2020. O ator Ryan Reynolds vendeu a Aviation, sua marca de gim, por US$ 610 milhões para a Diageo, sendo metade do valor em um earnout de 10 anos. Em 2017, a empresa já havia comprado de George Clooney sua marca de tequila, a Casamigos, por US$ 1 bilhão, dos quais US$ 300 milhões em earnout. Assim, o que realmente fará diferença não são as empresas tradicionais, mas o ecossistema que surgirá em torno desse universo. Quer um exemplo? O gigante chinês Alibaba lançou em 2008 uma espécie de “fábrica as a service”. Designers e influenciadores poderão usar a iniciativa para lançar produtos próprios. Também teremos aceleradoras e incubadoras especializadas.

Um dos profissionais que acredita muito no modelo influenciador-empreendedor é Ricardo Dias, ex-VP de marketing da Ambev. Ricardinho, como é conhecido, está ativamente trabalhando para montar um fundo de investimento para o lançamento de marcas baseadas em influenciadores. Segundo ele, “estamos em uma tempestade perfeita, as redes sociais revolucionaram o relacionamento direto, o modelo de avaliação de mídia tradicional está cada vez mais falho e o interesse de construção de capital entre os artistas cresceu”.

A Bozzil, incubadora sueca de empresas e produtos de influenciadores, foi responsável pelo lançamento da Simply Nam, da influenciadora indiana Namrata Soni, cujo primeiro produto é uma toalha de remover maquiagem. E, no Brasil, a primeira empresa incubada foi a Blum!, do maquiador Luccas Luccas.

Assim como aconteceu com as startups, empresas tradicionais que desejarem entrar nessa onda precisarão mudar a mentalidade e ter mais agilidade. Oportunidades não faltarão, mas cases de fracasso, também não.

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