Gestão de Pessoas

Desvendando o cérebro criativo

Neurociência e práticas de inovação caminham juntas para destravar o potencial criativo humano
Co-fundadora da Ambidestra. Consultora e mentora em estratégia, inovação e transformação organizacional.

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No mês em que se celebra o Dia Mundial da Criatividade, propomos uma reflexão sobre o que pode minar a nossa criatividade e que muitas vezes nem percebemos.

Em meio a uma epidemia de “apneia da atenção”, onde estamos muito ocupados e superestimulados pela tecnologia e pelas infinitas possibilidades de entretenimento, vivemos uma crise de criatividade. Com menos tempo disponível para ficarmos entediados, ociosos, e mantermos a mente aberta para pensar, estamos perdendo nossa capacidade criativa.

Uma pesquisadora da Universidade de William and Mary analisou 300.000 pontuações desde os anos 50 do “Teste Torrance” (usado para avaliar a criatividade e, inclusive, reconhecido como um melhor indicador do sucesso no “mundo real” – mais até do que os testes de QI tradicionais). Ela descobriu que as pontuações de criatividade começaram a despencar em 1990 e vêm diminuindo nas últimas décadas.

Diversos fatores internos e externos podem minar a capacidade de criar.
Estudos comprovam que os adultos são 96% menos criativos do que quando crianças. Isso acontece porque na infância somos constantemente estimulados, com isso absorvemos, modelamos e criamos coisas novas. Mas à medida que o tempo passa vamos ficando sujeitos a influência de outras pessoas, passamos a seguir regras e limites impostos e, com isso, o nosso potencial criativo enfraquece.

Segundo George Land, pesquisador e cientista, existem dois tipos de pensamentos que ocorrem no nosso cérebro, o divergente, que gera novas possibilidades através da imaginação e o convergente, que faz julgamento e ajuda você a tomar uma decisão. O pensamento divergente atua como um acelerador e o convergente como um freio e a medida que somos educados aprendemos a usar os dois pensamentos ao mesmo tempo, o que acaba fazendo com que os neurônios lutem entre si, diminuindo o poder do cérebro.

O estresse também é um grande inibidor da atividade, tornando mais difícil pensar de forma inovadora e gerar novas ideias. Da mesma forma, a autocrítica constante leva a pessoa a desistir de ideias achando que não são boas o suficiente. Além disso, a falta de diversidade e de experiências nos relacionamentos interpessoais também pode limitar o desenvolvimento criativo.

E como podemos voltar a estimular e nutrir esta importante habilidade?
Paul McCartney é conhecido por ter tirado a melodia de “Yesterday” de um sonho, enquanto Thomas Edison argumentou que suas melhores ideias vieram do trabalho duro. Outros recorrem ao café ou, atualmente, às “smart drugs”, medicamentos nootrópicos para melhorar a concentração, a atenção e a capacidade de aprender e criar.

Na antiguidade se pensava que a criatividade era reservada a poucos privilegiados. Com o tempo, esse conceito foi se transformando e hoje entendemos que é uma habilidade intrínseca a todos os seres humanos, que pode ser cultivada e fortalecida ao longo da vida por meio de exercícios. A criatividade faz parte da rotina diária, ainda que muitas pessoas não aceitem isso.

Os grandes atletas treinam seus corpos por dias, semanas e anos para levá-los ao desempenho máximo,mas será que é possível fazer o mesmo com o cérebro? O que acontece no cérebro durante períodos de maior criatividade?

Em seu artigo “Robust Prediction of Individual Creative Ability from Brain Functional Connectivity”, Roger E. Beaty e colegas (2018) desenterram a assinatura neurológica da criatividade, usando abordagens sofisticadas para identificar a atividade da rede neural, a “impressão cerebral”, por assim dizer, que está associada ao pensamento divergente e, em seguida, usar esse entendimento para distinguir a atividade cerebral mais criativa da menos criativa. São as chamadas “Três Grandes” redes cerebrais – [a rede de modo padrão](https://www.psychologytoday.com/us/basics/default-mode-network), a rede de controle executivo e a rede de saliência – que trabalham juntas quando se trata de sermos criativos.

A rede de modo padrão é o que acontece no cérebro em estado de repouso (mas não [de sono](https://www.psychologytoday.com/us/basics/sleep)), o “estado ocioso” do cérebro. Reservar tempo para descanso e lazer, praticar meditação, ficar em silêncio contemplativo são formas de ativar esta rede, que é a responsável por gerar ideias. Já a rede de controle executivo monitora o que está acontecendo, gerencia partes emocionais do cérebro, direciona recursos como [a atenção](https://www.psychologytoday.com/us/basics/attention) e supervisiona decisões e escolhas. Enquanto isso, a rede de saliência ajuda a identificar quais ideias são repassadas à rede de controle executivo e é responsável também por identificar ameaças.

Ou seja: conhecendo e exercitando nosso cérebro, nossa mente irá seguir com os pensamentos e ações para sermos criativos!

Nosso cérebro evolui de acordo com o ambiente que vivemos, a partir da linguagem, da cultura, das ideias e das relações sociais. A curiosidade estimula a busca por conhecimento. Ao alimentá-la, é possível expandir os horizontes, descobrir novas perspectivas e enfrentar desafios com uma mentalidade aberta. Pessoas inovadoras questionam o status quo, desafiam o convencional e estão sempre atentas às oportunidades de melhoria.

Precisamos buscar formas de ajudar nosso cérebro a procurar ativamente pensamentos mais divergentes e desinibir a supressão deste tipo de pensamento.

E como fazer isto? A partir de exercícios de pensamento oposto. Por exemplo: faça uma lista do que você poderia fazer para ter menos sucesso e ir em direção oposta aos seus objetivos. Pensar ao contrário pode ser engraçado, mas é bastante revelador! Liberte-se da “normalidade” e pense em ideias impraticáveis, incomuns e pouco ortodoxas. Assim, você terá ideias originais, verdadeiramente criativas.

Outra forma de ativar a rede de saliência é o pensamento lateral. Desenvolvido por Edward de Bono na década de 1960, abrange quatro princípios primários: reconhecer ideias dominantes, procurar alternativas, desafiar suposições e gerar soluções inovadoras. Viajar, ler livros diferentes, aprender uma nova habilidade, praticar a empatia e ver as coisas a partir de perspectivas diferentes são algumas formas de experimentá-lo.

Agora que sabemos um pouco mais sobre como treinar nosso cérebro, é hora de reconhecer e valorizar o papel da criatividade em nossa jornada. Olhe ao seu redor e perceba que tudo o que está a sua volta já foi somente uma ideia na mente de alguém que em algum momento a transformou em realidade. Algumas invenções chamam mais atenção, como a luz elétrica, a internet e mais recentemente a inteligência artificial, mas as criações essenciais para a formação da nossa sociedade estão por toda a parte.

A criatividade é necessária em todos os setores da economia e está presente em todos os tipos de tarefas, desde as mais simples como o preparo de uma receita, até as mais complexas como na elaboração da estratégia financeira de uma empresa. O mais inspirador é que os grandes criativos da história não são seres especiais, mas sim pessoas comuns, como eu e você, que dedicaram tempo e muito trabalho para desenvolver algo novo. A criatividade nos permite encontrar soluções para os desafios do presente e do futuro, sendo a impulsionadora da inovação que promove o progresso em todas as áreas da vida e da sociedade.

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Co-fundadora da Ambidestra. Consultora e mentora em estratégia, inovação e transformação organizacional.

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