Hoje, um dos grandes dilemas na trajetória profissional decorre da negligência dos profissionais em relação à sua saúde mental, seja por falta de competência ou por não estabelecerem prioridades claras.
Diante desse cenário, é imperativo que os profissionais estejam atentos ao cuidado pessoal, sendo a espiritualidade uma via crucial para a conscientização sobre a importância desse tema.
Nesse contexto, ao lado de Davi Lago, convidamos Daniel Guanaes, psicólogo clínico dedicado ao estudo da espiritualidade como ponto de partida para a construção de um cuidado integral do ser. Nos últimos 10 anos tem palestrado sobre ética, espiritualidade e saúde mental em empresas privadas e no terceiro setor.
__Augusto Júnior e Davi Lago – Daniel, você atua há bastante tempo nas áreas da espiritualidade e da saúde mental. Temas relacionados a estes dois universos estão em voga na atualidade, sendo pauta recorrente em diferentes ambientes do mundo dos negócios. A que você atribui o crescimento no interesse por tais assuntos?__
Daniel – Eu diria que dois fatores principalmente respondem por esse crescimento. É cada vez mais evidente a importância do que eu chamo de “dimensões invisíveis da existência” na promoção do bem estar e de qualidade de vida de um indivíduo. Na modernidade, a espiritualidade (sobretudo a religiosa) foi tratada como uma experiência infantilizadora, uma opção dos incultos. Hoje se sabe como a busca por experiências espirituais pode oferecer segurança, esperança e sentido à vida das pessoas. Isso tem um impacto direto na forma como elas trabalham. O mesmo acontece como o cuidado da saúde mental. Porque invisível aos olhos dos outros, por muito tempo essa dimensão foi negligenciada ou relegada a uma categoria de menor importância. O aumento na incidência de transtornos de ordem mental não nos deixa mais ignorar essa dimensão tão importante à constituição humana.
__Augusto Júnior e Davi Lago – Mesmo num cenário de interesse crescente, você diria que ainda existe preconceito sobre estas questões que você chamou de “dimensões invisíveis da existência”?__
Daniel – Sim. Antes de mais nada, é importante dizer que o preconceito é consideravelmente menor do que há uma década, por exemplo. Isso se deve, em parte, ao esforço de diversos setores da sociedade para que se fale mais sobre o assunto. No entanto, percebo que ainda há um preconceito. Há temas que são tabus, há leituras estigmatizadas que levam tempo para serem desconstruídas. No geral, por experiência, eu diria que homens com mais de cinquenta anos formam o público que mais resiste em admitir a importância das dimensões invisíveis da existência, e a buscar ajuda quando necessário. Repito: está incomparavelmente melhor do que há uma década, mas ainda há trabalho a se fazer.
__Augusto Júnior e Davi Lago – Hoje as empresas encorajam seus funcionários ao autocuidado, pois sabem que isso é importante tanto para eles próprios quanto para as organizações. Pensando na perspectiva da construção de carreira, quais são os benefícios do autocuidado para os profissionais?__
Daniel – Não há qualidade de vida sem autocuidado. E não há autocuidado verdadeiro quando só se dá atenção a uma ou poucas áreas da vida. Muitos profissionais aprenderam que basta focar na carreira, se especializar e dedicar toda a sua energia àquilo. Isso é insustentável. Há uma integralidade na vida que faz com que um indivíduo precise dar atenção a todas as dimensões da sua existência para desfrutar de bem estar. O sucesso gerado pelo excesso de dedicação a uma área em detrimento das demais não é compensador. Profissionais que cuidam da sua saúde, que vivem bem em família, que desfrutam de boas amizades e se dediquem ao que mais for importante para o seu bem estar serão melhores para as suas empresas. E empresas que incentivam o autocuidado serão cada vez mais consideradas ambientes melhores para os seus funcionários. Muitos pacientes relatam abrir mão de vagas e carreiras em determinadas empresas pela fama de não serem ambientes saudáveis para profissionais. De fato, tendo a possibilidade de escolha nas mãos, quem optará por um ambiente de trabalho como esse, que comprometerá a sua qualidade de vida?
__Augusto Júnior e Davi Lago – É impossível pensar em negócios sem considerar o fator performance como uma variável importante na mensuração da trajetória de um profissional. No entanto, sabe-se que muitas vezes, em nome da performance, se justifica a negligência do autocuidado. Quais conselhos você daria para que profissionais não precisem chegar ao ponto da exaustão e do esgotamento emocional na construção de sua carreira.__
Daniel – Não terceirize a responsabilidade para com o autocuidado. Perceba os seus limites, saiba quando você está excedendo em algo, e busque ajuda para reorganizar a vida tão logo você perceba que não dará conta de fazer isso sozinho. Ninguém fará isso por você; no máximo com você. Organize a sua vida de tal forma que você não negligencie uma área sequer da sua existência. Dedique-se ao trabalho, porque performar é preciso. Mas cuide da sua saúde, invista nos seus relacionamentos, desfrute do seu lazer, cultive a sua espiritualidade e pratique o seu descanso. A estafa e a exaustão não são mais uma surpresa, nem um destino desconhecido de quem insiste em se dedicar exclusivamente a uma área em detrimento das demais. Quem deseja evitar chegar lá precisa cuidar de si de forma mais holística. Lembre-se que a sua performance profissional também depende do quanto você cuida de todas as outras coisas da vida.