A diversidade no ambiente corporativo está em pauta. Congressos, painéis, entrevistas, revistas especializadas, MBAs, códigos de conduta, estratégias empresariais falam dela – a gestão das organizações pós- -modernas tem a diversidade como um de seus blocos fundamentais. De onde vem isso?
De um lado, a tecnologia, em tempos de quarta revolução industrial, passa a fazer parte das atividades centrais de qualquer negócio e intensifica a busca por tecnologistas. A crescente popularização do trabalho remoto, por sua vez, globaliza a já agressiva busca por talentos em geral. Resultado: faltam profissionais.
De outro, há um movimento nas formas de consumo, levando o foco de interesse dos produtos para as experiências. Não à toa, tênis de corrida estão integrados por aplicativos de monitoramento da saúde em ecossistemas que incluem academias, personal trainers e, claro, os mais diversos canais de compartilhamento em mídias sociais – tudo personalizado pelo usuário. Varejistas devoram informações sobre clientes para oferecer experiências únicas.
Adicione-se um terceiro lado ao triângulo: o comportamento inspirado pelas millennials, e hoje refletido em múltiplas gerações, é o de selecionar tanto seu trabalho como seu consumo com base em propósito, qualidade de vida, diversidade, benefícios ao planeta.
A diversidade vem como uma resposta a essa tríade de necessidades das organizações: traz um mar de talentos inexplorados, aumenta a capacidade criativa e a compreensão das necessidades das consumidoras e ainda reforça o posicionamento da marca. Por isso, está tão em pauta.
Além disso, as organizações que investem em diversidade têm deparado com um efeito colateral muitas vezes inesperado: um aumento de performance nos negócios. Empresas com diversidade de gênero, por exemplo, têm 15% mais chance de ter resultados financeiros acima da média de sua indústria. Empresas com diversidade étnica e racial têm 35% mais chance. E companhias cujos boards têm pelo menos uma mulher em sua composição trazem retorno de capital maior e maior crescimento do lucro líquido. E ainda há estudos comprovando os benefícios da promoção da diversidade em termos de produtividade.
Esses dados reforçam a importância de questionar as razões para uma empresa querer construir um ambiente diverso. E se não houvesse como provar resultado atrelado à diversidade? Se estamos em uma sociedade diversa, ter diversidade no ambiente organizacional é simplesmente o certo a fazer. Basta entender isso para decidir romper os padrões de exclusão que fazem alguns grupos sociais terem seus direitos, oportunidades e visibilidade minorizados na sociedade.
**MUDANÇA DE OLHAR**
Quando falamos dos resultados e das práticas de diversidade na ThoughtWorks, ouvimos muitas perguntas relativas ao desafio de encontrar e recrutar pessoas diversas. Vamos começar falando de diversidade de gênero. Cerca de um ano após a ThoughtWorks Brasil ser inaugurada, em 2009, tínhamos apenas 13% de mulheres em nosso quadro de pessoas. Nessa época, a empresa já tinha os valores que segue relacionados à promoção de justiça social e econômica – ou seja, já tinha a intenção de criar um ambiente diverso de trabalho. Por que não conseguíamos contratar mais mulheres? Segundo um provérbio, porque “não se pode mudar aquilo em que não se acredita”.
Em outras palavras, não podemos mudar uma situação quando não temos consciência dela para valer. Logo, olhar para o perfil demográfico de nossas contratações e entender que estávamos longe do que queríamos foi um passo essencial para começar a mudança. Indo muito além de nutrir nossas boas intenções, precisávamos mudar nossas práticas.
É comum olharmos para o que falta. Na tecnologia, faltam mulheres, pessoas negras, pessoas com deficiência, pessoas trans, entre outros grupos minorizados. E quando se olha para essas pessoas em processos seletivos, olha-se também para o que elas não têm. Que padrão está por trás disso? A valorização do que sempre foi esperado de pessoas privilegiadas – um filtro pelo qual nunca passarão pessoas que não tiveram privilégios de formação e inclusão social, como domínio de línguas estrangeiras, acesso a universidades de ponta – ou a universidades, simplesmente –, experiências internacionais. Aprender a olhar as forças de cada pessoa exige um exercício constante de empatia, de analisar vieses inconscientes e de questionar o aprendido sobre sinais de competência.
**PRÁTICAS E APRENDIZADOS**
Um dos primeiros movimentos que fizemos na ThoughtWorks para incluir mais mulheres na tecnologia foi trazer mais mulheres para o nosso “Desenvolve”, um programa para pessoas em início de carreira. Depois, sentindo que precisávamos ter mais mulheres em todos os níveis, começamos a desenvolver novas lideranças com intenções claras. Globalmente, foram criados vários Programas de Desenvolvimento de Liderança, incluindo um específico para mulheres em papéis de liderança – WiLD: Women in Leadership Development. Com o tempo, evoluímos: transformamos o WiLD em um módulo acoplado a todos os programas. Também aguçamos o olhar para o desenvolvimento da carreira feminina: que oportunidades elas estavam tendo e de que apoios precisavam para se desenvolver? Estavam sendo reconhecidas? Pelo quê?
Nesse processo, fizemos outra mudança, simples mas relevante: reavaliamos a forma como nos comunicávamos. Falávamos de nossas vagas nas redes sociais assim: “Buscamos desenvolvedores”. Na língua portuguesa, é correto se referir ao plural no masculino, e tradicionalmente nos acostumamos a achar que a palavra “desenvolvedores” representa homens e mulheres. Mas será que as mulheres se sentiam mesmo convidadas a participar do processo com esse tipo de anúncio de vagas? Pensando nisso, começamos a anunciar nossas vagas assim: “Buscamos desenvolvedoras/es”.
Nas redes sociais, isso gerou vários elogios, mas, internamente, vieram novas provocações: estávamos, ainda, falando só com quem se identifica como homem ou mulher. Então, começamos a pesquisar formas de usar a linguagem neutra de gênero em nossa linguagem. E nossas vagas hoje são divulgadas, tanto no site da ThoughtWorks como em nossas redes sociais, como: “Buscamos pessoas desenvolvedoras”.
A diversidade de gênero, nosso primeiro alvo, passou a integrar o pensamento sistêmico da ThoughtWorks – na contratação, no desenvolvimento de pessoas, na escolha de líderes, nas discussões sobre evolução da cultura corporativa, na mentalidade de empresa. Já integra nossa musculatura organizacional.
Nosso próximo passo foi redobrar esforços na busca de pessoas com deficiências – ou, melhor dizendo, pessoas para as quais o ambiente é deficiente. A primeira iniciativa foi, mais uma vez, a busca de representatividade no recrutamento. Com cada contratação veio a modificação do ambiente do escritório, sempre com a participação de cada pessoa – as adaptações de infraestrutura, ferramentas e processos foram decididas em conjunto com cada pessoa. Compartilhamos conhecimentos sobre o trabalho e a vida de pessoas com deficiência, suas lutas e conquistas. Organizamos treinamentos em linguagem de sinais, buscamos ferramentas que as apoiassem a comunicação e o desenvolvimento de software, contratamos consultorias especializadas e com conhecimento dessas realidades.
Vieram resultados, por exemplo, na forma de inovação, como sistemas de software desenvolvidos considerando as necessidades de pessoas cegas – aprendizado que gerou uma sensibilidade muito maior às necessidades de usuárias em geral.
Em paralelo, começamos a trabalhar a inclusão de pessoas transgênero, seguindo a mesma lógica de que precisaríamos modificar o ambiente e criar novas políticas em conjunto com as pessoas trans contratadas. Desse processo surgiram iniciativas de transformar os banheiros comumente divididos entre masculino e feminino em banheiros sem gênero e, algum tempo depois, a política “Transpondo barreiras”, que apoia o tratamento hormonal de pessoas transgênero.
Novamente, olhando para os nossos quadros e para o perfil demográfico brasileiro, constatamos que ainda precisávamos caminhar muito na inclusão racial. Dessa percepção e da mobilização do grupo Quilombolas, que trata assuntos raciais na ThoughtWorks, foi criada a campanha “Enegrecer a Tecnologia”, que teve início com um recrutamento exclusivo para pessoas negras, que aconteceu em abril de 2018 em Salvador, em parceria com o coletivo PretaLab. A campanha segue e tem três pilares principais: recrutar, representar e reconhecer pessoas negras na empresa.
Para todos esses perfis diversos, percebemos que fazer o sourcing intencional em comunidades técnicas e que compartilham os mesmos interesses funciona muito bem para recrutamento. E também descobrimos que, quanto mais compartilhamos nossos aprendizados e visão de diversidade internamente, mais engajamento espontâneo vemos em todas as nossas pessoas profissionais.
Em nossa estrutura, estimulamos a criação de grupos, que se organizam de modo autônomo, para discussão e elaboração de novas atividades relativas a temas específicos. Os grupos hoje se organizam em:
• Justiça de gênero / Nós por nós.
• Quilombolas.
• Minorias de gênero e sexualidade / BH Queers.
• Pessoas com deficiência.
Estimulamos ainda que todas as pessoas que trabalham na ThoughtWorks se dediquem a desenvolver suas jornadas em justiça social e econômica, o que pode ser feito por meio de treinamentos, leituras, discussões e/ou participação nos grupos.
Outro fato importante que contribui bastante para nosso processo de aprendizado é estabelecer parcerias com pessoas e organizações que têm mais conhecimento de causas em áreas específicas e apoiam o nosso desenvolvimento como organização. Fizemos parcerias com organizações como o AfroEducação, ID_BR, Olabi/PretaLab e Think Olga, entre outras.
**TERMINOU? NÃO, NUNCA!**
O que nosso processo de construir um ambiente mais diverso nos mostrou é que temos de estar sempre em construção. A história da sociedade brasileira é marcada pelo patriarcado e pela escravidão, que se refletem em práticas machistas e racistas também no mercado de trabalho. Logo, não podemos relaxar e achar que “chegamos lá”. Ao contrário: temos de aprender sempre.
Para revisitar nossas crenças e práticas continuamente, rodamos várias atividades, tais como:
• Oficina de Vieses Inconscientes.
• Oficina Como lidar com o sexismo no ambiente de trabalho.
• Caminhada do privilégio e Caminhada do privilégio racial.
• Treinamento sobre o Patriarcado para mulheres e treinamento sobre Masculinidades para homens.
• Semana da Diversidade Racial.
É raro, em tempos pós-modernos, ver alguém que seja contra a diversidade. Mas entendemos que o desafio das empresas está no compromisso real com a promoção da diversidade. É um desafio de todas as pessoas – não de uma área específica — e exige desconstrução pessoal e engajamento cotidiano da liderança. Não é um caminho fácil. Mas não podemos abdicar dele em pleno século 21, ainda mais em um país com o Brasil, com 54% de pessoas negras e 51% de mulheres.
**SAIBA MAIS SOBRE DIVERSIDADE NA THOUGHTWORKS**
A ThoughtWorks é uma consultoria global de desenvolvimento de software fundada em Chicago, EUA, há 25 anos e há nove presente no Brasil, que se apresenta como “uma comunidade de pessoas apaixonadas”. Seus membros se apresentam, por sua vez, como “pessoas que pensam de forma disruptiva para abordar, com tecnologia, os desafios mais críticos dos clientes e que, ao mesmo tempo, buscam revolucionar a indústria de TI e criar mudança social positiva”. No Brasil, estão 603 de seus mais de 5 mil colaboradores e são:
HOMENS
55,7%
MULHERES
43,3%
OUTROS GÊNEROS
1%
PESSOAS NEGRAS
30,3%