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DNVB: o modelo de negócio nativo digital e vertical

Marcas verticais nativas digitais, ou DNVB na sigla em inglês, são fonte de inspiração para startups e para a transformação digital de empresas estabelecidas
Marcelo Caldeira Pedroso é professor livre-docente na FEA-USP. Wellington José da Silva é head de digital product na Amaro, mestrando em empreendedorismo na FEA-USP e professor na pós-graduação da FIAP.

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Em 2007, nos Estados Unidos, os empreendedores Andy Dunn e Brian Spaly notaram que jovens adultos pareciam não fazer mais tanta questão de comprar calças em shoppings centers – as opções disponíveis não eram as ideais em termos de caimento e a experiência de compra se mantinha a mesma há décadas.

Assim, em um projeto do MBA que cursavam, Dunn e Spaly apresentaram a startup Bonobos: calças masculinas vendidas online e com bom caimento, garantido por até 37 combinações de medidas para cada modelo. Se o cliente não ficasse satisfeito com o produto, poderia utilizar o pós-venda da empresa para trocar ou fazer uma devolução completa, sem riscos. Tudo pela internet com entrega direta aos clientes.

Após vivenciar essa experiência, Andy Dunn escreveu em 2016 sobre seu modelo de negócio, classificando-o como DNVB, um acrônimo que significa *digitally native vertical brands*, ou marcas verticais nativas digitais. Quatro características as definem:
– nasceram no ambiente digital;
– adotam uma cadeia integrada para produzir bens de consumo;
– utilizam a estratégia de entrega direta ao consumidor;
– apresentam modelos de inovação distintos, que possibilitam viabilizar suas propostas de valor.

Mais de 350 DNVBs já operavam nos EUA até o fim de 2019, demonstrando interesse de empreendedores pelo modelo e também movimentos de aquisições por corporações como a Unilever (que adquiriu a Dollar Shave Club em 2016, no segmento de lâminas de barbear) e o Walmart (que adquiriu a Bonobos em 2018).

## Nativas digitais
Mais do que pensar em software, a transformação digital consiste principalmente em utilizar tecnologia para reinventar os negócios. Uma vez que as empresas do tipo DNVB são criadas no ambiente digital, elas não precisam passar por essa transformação: são digitais por natureza.

A LivUp é um exemplo de startup brasileira que nasceu digital, em 2015. Com site e aplicativos próprios, ela vende alimentos orgânicos congelados e os entrega em porções individuais, kits ou por assinatura. Suas operações contam com uma técnica de ultracongelamento importada de um parceiro italiano. Essa técnica é um dos principais elementos que viabilizam a proposta de valor da empresa: manter as características nutricionais dos alimentos congelados em porções e embalagens práticas para o dia a dia de clientes de grandes centros urbanos.

## Cadeia integrada
As empresas do tipo DNVB adotam uma cadeia integrada e, por meio dela, controlam as principais atividades de sua cadeia de valor. Para tanto, as empresas detêm os recursos para executar as atividades críticas, como equipes de pesquisa e desenvolvimento (P&D) ou fábricas próprias. Além disso, controlam os demais participantes de sua cadeia, tais como fornecedores e distribuidores. A cadeia integrada pode proporcionar benefícios às organizações, particularmente de velocidade de resposta ou eficiência operacional, a depender da estratégia adotada.

A Dollar Shave Club é um caso de cadeia integrada com foco em eficiência operacional. Ao observar que os produtos para barba estavam ficando cada vez mais caros e complexos, os fundadores desenharam como proposta de valor a oferta de lâminas e aparelhos de barbear mais simples e com menor preço final ao consumidor, por um modelo online de assinaturas.

Foi estabelecida uma aliança estratégica com a Dorco, empresa da Coreia do Sul com expertise na indústria de lâminas, o que possibilitou maior velocidade de desenvolvimento e disponibilidade de produtos. Em 2016, a Dollar Shave Club havia atingido cerca de 10% do seu mercado nos EUA e foi adquirida pela Unilever.

Outra startup idealizada a partir de uma necessidade percebida pelos fundadores foi a Insider, que produz camisetas à prova de suor e odor para uso por baixo de camisas sociais. Essa proposta de valor foi viabilizada com tecidos inovadores que possibilitam melhor troca de temperatura corporal e apresentam ação antibactericida.

O desenvolvimento dos produtos contou com parcerias de indústrias têxteis, que trabalharam com os fundadores para a criação de fibras sob medida. Na pandemia de covid-19, a empresa lançou uma linha de máscaras e outros produtos com tratamento antiviral. Essa visão da cadeia viabilizou o lançamento da inovação em um curto intervalo de tempo.

## Entrega direta ao consumidor
As DNVBs adotam a entrega direta ao consumidor, ou seja, não têm intermediários logísticos: a compra é feita diretamente do fabricante. Para isso, essas empresas utilizam predominantemente o modelo de lojas virtuais, com plataformas de comércio eletrônico e aplicativos móveis.

Em determinados casos, as lojas físicas atuam como complemento às lojas virtuais. Entre as empresas brasileiras, a Amaro é um dos exemplos. A empresa tem como proposta de valor ser um destino para mulheres em categorias de produtos como moda, beleza e bem-estar, e complementa seus canais digitais com pontos de venda físicos, chamados de guide shops. Esses espaços permitem interação com os produtos e uma experiência integrada ao sistema online da empresa. A retirada de produtos adquiridos online e o pós-venda (com serviços como devoluções) também são feitos nesses espaços.

Assim, as lojas físicas servem como centros de experiência e engajamento com a marca, e nelas os clientes se envolvem a ponto de produzir conteúdo em suas redes sociais diretamente dos pontos de venda. Essa interação dinâmica com influências recíprocas é uma das características da transformação digital, presente nos modelos DNVB.

## Modelo de inovação
As empresas do tipo DNVB apresentam modelos de inovação próprios. Ou seja, a forma como essas empresas estruturam seus recursos e processos para os diferentes tipos de inovação objetiva um certo grau de diferenciação nas respectivas propostas de valor.

A Pantys surgiu de uma inovação de produto. A proposta de valor idealizada pelas fundadoras consiste em roupas íntimas femininas absorventes que suportam vários ciclos de uso e lavagem, e eliminam a necessidade dos absorventes tradicionais. A sustentabilidade, o conforto e a independência feminina são alguns dos elementos incluídos nessa proposta. O site da empresa apresenta um conjunto de relatos de clientes, que é utilizado como estratégia de comunicação para gerar confiança a futuras consumidoras. A Pantys adota os preceitos de inovação colaborativa, conhecidos na indústria de moda como collabs (abreviação do termo collaboration).

A Sallve, que atua no segmento de produtos para a pele, apresenta uma estratégia de escuta social que pode ser entendida como uma modalidade de inovação aberta. Nesse formato, o mapeamento das tendências do mercado e as necessidades dos clientes se baseiam no compartilhamento de informações advindas dos consumidores, por meio do site e redes sociais da empresa.

Essa intensidade no uso de informações se incorporou à proposta de valor da Sallve, que se apresenta como marca que cria produtos a partir de conversas com a comunidade. O primeiro produto da empresa, um antioxidante hidratante, seguiu preceitos similares aos adotados na indústria do software, com uma série de produtos mínimos viáveis (MVPs), sempre avaliados antes de a empresa decidir pela versão final.

## Recombinação de padrões
As DNVBs podem ser consideradas uma nova geração de modelo de negócio, por combinarem essas quatro características que descrevemos. A tabela abaixo exemplifica esses padrões no contexto das empresas citadas e apresenta as respectivas propostas de valor.

EMPRESA FUNDAÇÃO PRINCIPAIS PRODUTOS PRINCIPAIS ELEMENTOS DA PROPOSTA DE VALOR ENTREGA DIRETA CADEIA INTEGRADA MODELO DE INOVAÇÃO
Bonobos Nova York, EUA (2007) Vestuário masculino Calças masculinas com caimento adequando a conveniência e entrega Site e guide shops Equipe própria de P&D 37 combinações de modelagem por produto
Dollar Shave Club Marina del Rey, EUA (2011) Lâminas de barbear Entrega de lâminas e outros produtos para barbear de forma conveniente e valor acessível Site Parceiro estratégico da Coreia do Sul com expertise em lâminas Simplificação do produto e baixo custo de aquisição
Amaro São Paulo, Brasil (2012) Vestuário feminino Tendências de moda, beleza e bem-estar para o público feminino com entrega conveniente Site, aplicativos e guide shops Equipe própria de P&D Adoção do big data no desenvolvimento de novos produtos
LivUp São Paulo, Brasil (2015) Alimentos congelados Alimentação saudável com conveniência na entrega e no preparo Site e
aplicativos
Equipe de P&D e manufatura próprias Tecnologia de congelamento que mantém as qualidades nutricionais dos alimentos
Insider São Paulo, Brasil (2017) Roupas de baixo, íntimas e máscaras Roupas de baixo e íntimas (camisetas, meias, peças íntimas e máscaras confortáveis, antivirais e que inibem suor e odores) Site Equipe própria de P&D e parceiro de produção especializado em tecnologia têxtil Tecnologia têxtil que inibe odores e faz transferência eficiente de calor
Pantys São Paulo, Brasil (2017) Calcinhas absorventes Calcinhas reutilizáveis que absorvem o fluxo menstrual, em versões para o dia e para a noite Site Equipe de P&D e manufatura próprias Produtos sustentáveis que substituem absorventes tradicionais
Sallve São Paulo, Brasil (2019) Produtos para a pele Oferta de produtos descomplicada, com detalhes sobre o uso e testemunho de clientes Site Equipe própria Escuta ativa do público-alvo como parte do processo de P&D em cada produto

Essa combinação de padrões é inerente à chamada abordagem recombinante em inovação de modelo de negócio. A filosofia central dessa abordagem consiste em considerar a inovação de modelo de negócio como uma recombinação de padrões. Assim, a estratégia de desenho do modelo de negócio de uma empresa remete à escolha de padrões adotados por outras empresas, ainda que de outros setores.

Fundos que investiram em DNVBs na década passada estão cada vez mais atentos aos desafios que o modelo oferece. São três as principais questões que têm mobilizado as discussões:

(1) a complexidade de se iniciar uma comunidade orgânica, que fale sobre o produto em marketing boca a boca;
(2) a dificuldade de converter os seguidores nas redes sociais em receita;
(3) a otimização dos gastos em mídia digital, anúncios, lojas físicas, influenciadores de marca e SEO (otimização de mecanismos de busca) para reduzir a dependência de investimentos massivos e assim ter custos de aquisição de consumidores (CAC) saudáveis.

Se as marcas passam a ter mais dificuldades em atrair clientes e precisam recorrer a marketplaces, como Amazon, para vender seus produtos, em um processo de reintermediação, o modelo financeiro da DNVB pode ficar comprometido. Para manter a sustentabilidade desses negócios, estudos têm recomendado que essas empresas:

(1) ocupem mais ambientes físicos (ominicanalidade);
(2) envolvam melhor as suas comunidades de usuários online;
(3) adotem novas tecnologias de relacionamento; e
(4) melhorem margens por meio de ainda mais integração vertical.

ALÉM DE INSPIRAR EMPREENDEDORES que desenvolvem novos produtos, o modelo DNVB também pode contribuir com a transformação digital de empresas estabelecidas, com a estratégia de abertura de canais diretos. Dois desafios, porém, permanecem: a dificuldade de aquisição de clientes em ambientes digitais e a gestão de uma cadeia de distribuição 1:1, com relacionamento direto com os consumidores.

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