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Do Brasil startup ao SCALEUP

Em entrevista exclusiva, a fundadora da Endeavor, Linda Rottenberg, faz um diagnóstico preciso do empreendedorismo brasileiro

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**SAIBA MAIS SOBRE LINDA ROTTENBERG** 

**Quem é:** fundadora e CEO da Endeavor, organização sem fins lucrativos de promoção do empreendedorismo.
**Endeavor:** fundada em 1997 e sediada em Nova York, EUA, atua em 25 países – no Brasil, desde 2000.
**Livro:** De Empreendedor e Louco Todo Mundo Tem um Pouco (ed. HSM). 

**Vale a leitura porque…** 
… o empreendedorismo parece ter se tornado um paradigma, mas ainda possui muitas fragilidades – um diagnóstico preciso dos empreendedores brasileiros ajuda a distingui-las e combatê-las.
… o comportamento empreendedor é exigido de todos em tempos instáveis. 

Você sabe quais são as empresas no Brasil que conseguiram crescer pelo menos 20% ao ano, por três anos seguidos? Elas são chamadas de scaleups e, apesar de serem 1% do total das companhias existentes (cerca de 51 mil), têm um impacto gigantesco na economia, sendo responsáveis por quase 60% dos novos empregos – conforme as estatísticas, uma empresa-padrão contrata 0,34 funcionário por ano, enquanto uma scaleupgera 31 novos empregos anuais. 

Com idade média de 14 anos (e fundadores com idade média de 47), muitas das scaleups espalhadas pelo Brasil têm em comum o empurrão da entidade não governamental Endeavor, conhecida por oferecer apoio para os empreendedores crescerem, incluindo a mentoria de empresários de ponta. 

Sua fundadora, a norte- -americana Linda Rottenberg, abriu uma subsidiária brasileira em 2000, com o apoio de Beto Sicupira, sócio do Fundo 3G, quando não havia “empreendedorismo” em escala no País. 

“Lembro que nosso advogado explicou que não poderíamos dizer no contrato social que nossa missão era promover ‘empreendedorismo’, porque a palavra inexistia; escrevemos que estávamos promovendo ‘desenvolvimento econômico’”, conta. Só quatro anos mais tarde o dicionário de português adicionou a palavra. 

Nesta entrevista exclusiva, Rottenberg faz um diagnóstico muitas vezes surpreendente do empreendedorismo brasileiro e fala da ampliação da atuação da Endeavor por aqui. 

**O empreendedorismo se espalhou pelo mundo nesses quase 20 anos de existência da Endeavor. Como ele evoluiu?** 

A grande novidade é que hoje todos temos de pensar como empreendedores. O fato é que precisamos nos antecipar em um mundo que é mais caótico, mais global, e que está mudando mais rápido do que nunca. E a maioria das pessoas já sabe – ou intui – isso. 

Escrevi o livro _De Empreendedor e Louco Todo Mundo Tem um Pouco_ em grande medida para responder a todos que me perguntam como podem correr mais riscos profissionalmente; eles sabem que, se não fizerem isso, ficarão para trás. 

**Os brasileiros já entendem isso? A percepção geral aqui é que a maioria prefere ser funcionário…**

Acho que vão ter de mudar; o comportamento típico de um funcionário é muito diferente do comportamento de um empreendedor. Para fazer algo, o funcionário monta uma apresentação em PowerPoint para impressionar o chefe. Já o empreendedor foca os pontos críticos a solucionar e se preocupa em conseguir provar suas ideias. Vai testando-as silenciosamente, construindo uma base de apoio, e só quando tem certeza de que algo tem tração fala com o chefe. 

Funcionários passam tempo demais focados em montar uma estratégia, enquanto empreendedores entram em ação logo e recebem feedbacks, param de planejar e começam a fazer. 

Os empreendedores sabem que as únicas pessoas que podem lhes permitir seguir com suas ideias malucas são eles mesmos, assim como eles mesmos são seus principais críticos. Empreendedores não se preocupam com os chefes ou com os pais, e sim consigo. 

A mudança necessária para todo mundo ser empreendedor passa por pessoas começando a fazer as coisas que consideram significativas, seguindo passo a passo, com paciência. Devem entender também que empreendedores minimizam riscos! Nada de maximizá-los. 

A boa notícia é que mais e mais empresas estão dando espaço para seu pessoal testar ideias; há chances reais de funcionários empreenderem e verem sua ideia chegar ao CEO. 

**Mas nossas empresas estão dispostas a remunerar o intraempreendedorismo?** 

Bons empreendedores não pensam no dinheiro; eles pensam na ideia e o dinheiro vem como resultado. Sempre falo isso para os brasileiros. E na carreira o funcionário tem de agir assim também. Se tudo o que ele busca é uma promoção, geralmente esta não acontece. 

**A forma de liderar brasileira facilita empreender?** 

Sabe qual a principal recomendação que eu faço aos empreendedores? “Cresçam E tenham vida social” [_“go big AND go home”_, em inglês]. Acho que a forma de liderar, no mundo todo, tem de mudar urgentemente. Precisamos de pessoas reais, que mostrem sua vulnerabilidade e trabalhem de maneira transparente, imperfeita. Só assim os líderes permitirão que as pessoas sejam coproprietárias do que estão construindo. 

Essa é uma novidade que o Brasil pode aprender mais. Não são só as mulheres que querem vida pessoal; vejo os homens percebendo que precisam ter vida pessoal – quantos já não perderam todos os jogos de seus filhos na escola? 

Especialmente com o celular, o WhatsApp e as mensagens de texto, nosso trabalho interfere cada vez mais em nossa vida familiar e, se não dermos espaço para o lado pessoal, não vamos durar muito. Acredito que as empresas que irão para a frente serão as que permitirem que seus colaboradores tenham vida. 

**Você vê essa mudança de paradigma logo?** 

Sim, até porque os jovens de hoje não acreditam quando os CEOs dizem que devem correr riscos – eles acham que podem ser demitidos. É necessário mudar isso, descobrindo quem são os talentos no grupo da média gerência, o que requer mudar as relações em profundidade. 

Agora, acho que as comunidades empresariais da Europa e dos Estados Unidos terão de ser as primeiras a fazer a mudança de paradigma para passar segurança ao mundo, mas, em certo momento, os mercados emergentes também adotarão o novo modelo. Talvez hoje o que os brasileiros mais queiram seja segurança econômica, porém a mudança virá e será generalizada. 

**Você é uma das pessoas mais credenciadas para avaliar a evolução do empreendedorismo no Brasil, por combinar o olhar da árvore com o da floresta. Como você avalia o ambiente empreendedor brasileiro, até em comparação com o dos outros 24 países em que a Endeavor atua?** 

Sempre amei o Brasil e os empreendedores daqui. Eu diria que o empreendedorismo hoje é extraordinário no Brasil, tanto em termos de organização como na intensidade dos mentores e das startups, que conseguem pensar grande. Objetivamente, eu diria que o Brasil está no topo em comparação com os outros 24 países em quase todas as categorias. 

**E quais são nossos calcanhares de aquiles?**

Há duas áreas em que o Brasil poderia melhorar, sim – e acho que isso vale para os empreendedores brasileiros em geral. Em primeiro lugar, por ser uma grande potência econômica e conseguir pensar grande com facilidade, as pessoas aqui não são tão globais, e deveriam ser. 

As empresas brasileiras ainda ficam muito concentradas só no Brasil, não apenas porque aqui ainda há muita coisa a fazer, mas porque há muito mercado a explorar. Se você é de mercados menores, como o Chile, a Argentina, o Líbano ou a Malásia, tem de pensar globalmente desde o início. 

Em segundo lugar, acho que a preocupação em fortalecer os empreendedores ainda deixa a desejar aqui. O apoio às startups ficou um pouco relegado a segundo plano, talvez devido ao fato de as empresas familiares e as companhias maduras terem tido chance de ir mais para a frente nos anos mais recentes. 

É claro que já se veem no Brasil de hoje muitas startups, e muitas scaleups também, mas e o amparo aos empreendedores que estão surgindo agora? É importante que sejam apoiados em toda a sua jornada. Essa área ainda precisa ser fortalecida. 

**A crise pode ajudar a superar a primeira vulnerabilidade?** 

Começo a ver empreendedores pensando em expandir seus negócios lá fora, e acho que isso tem a ver com a percepção das oportunidades geradas pela crise, sim. 

Algo que sempre digo aos brasileiros é que usem o caos a seu favor. Quando a economia entra em crise, empreendedores ficam em evidência. Muitas das grandes empresas dos Estados Unidos foram criadas em períodos de recessão. Temos de entender de uma vez por todas que a estabilidade favorece o status quo e nela é difícil conseguir mercado; já o caos favorece os que apresentam abordagem empreendedora. 

Os empreendedores sabem que crise é uma chance de ouro contra os “gigantes” e que, enquanto os negócios estabelecidos recuam e tentam não gastar dinheiro, eles têm de contratar mais talentos, fazer novos experimentos, ser mais criativos e inovadores. Isso faz parte da mentalidade empreendedora. 

E os brasileiros têm uma “vantagem”. Como é difícil colocar ideias em prática no Brasil, se alguém consegue fazer isso aqui, consegue em qualquer outro lugar do mundo. E, se o que funciona no Brasil pode funcionar também na Índia, no Egito, na África do Sul, por que não disseminar as ideias brasileiras pelo mundo? 

**A Endeavor e o ecossistema**

Endeavor, fundada em 1997, está presente em 25 países e já apoiou mais de 12 mil empreendedores de 800 empresas, que, por sua vez, geraram mais de 800 mil empregos no mundo e arrecadam cerca de US$ 8 bilhões em receitas anuais. Para ter uma ideia do impacto da ONG no desempenho desses empreendedores, basta entender que dois terços dos empregos e três quartos das receitas foram gerados depois de eles se ligarem a ela.
A filosofia da Endeavor é trabalhar principalmente com os empreendedores de maior impacto ou maior potencial de crescimento, por duas razões: (1) eles são bons em gerar empregos, vendas e renda para seus funcionários e (2) tendem mais a agir como investidores, mentores, exemplos e filantropos, colaborando para que um ecossistema sólido seja construído ao longo do tempo.
O fato de os empreendedores se tornarem investidores é particularmente importante para o ecossistema. Como explica Rottenberg, “o problema com os investidores clássicos é que eles buscam estabilidade e veem a instabilidade como anormal; por isso, são antiempreendedores. Os melhores investidores são empreendedores. É o que vemos no Vale do Silício – pessoas que acreditam no país estão lá não importa o que aconteça; elas não vão pular fora quando o país passar por dificuldades. Não precisamos de quem pula fora”.
Agora a Endeavor está mapeando o crescimento dos ecossistemas que ajudou a criar; já fez isso em Buenos Aires e Istambul e agora faz um estudo no Brasil.
Enquanto os resultados não chegam, Rottenberg diz que uma métrica da existência de um ecossistema é quando os jovens pensam “Eu posso criar meu negócio”, porque é isso que muda uma cultura.

**Você falou da falta de apoio; a Endeavor limita seu apoio a empresas que já têm faturamento anual de R$ 5 milhões, as scaleups. Isso vai mudar?** 

Sim. A Endeavor sempre esteve relacionada com as scaleups, ajudando a escalar empreendedores de alto crescimento – e, permita-me dizer, não só os realmente inovadores e que usam muita tecnologia, mas também os do tipo Spoletto, empresas que fazem o tradicional de maneira diferente e que geram muitos empregos. 

Agora, esse mesmo apoio que demos às scaleups vamos dar aos empreendedores que estão em um estágio anterior, para que possam crescer mais e melhor. Já há países em que a Endeavor ajuda empresas com o equivalente a R$ 500 mil em receita anual, por exemplo. 

O importante é selecionar quem realmente tem capacidade para crescer e para gerar um grande impacto. 

A Endeavor tem sido tão bem-sucedida no Brasil e conta com mentores tão incríveis que tem de fazer mais, ir além, correr mais riscos. 

**Nossos mentores são melhores que os outros?** 

Pessoas como Romero Rodrigues, fundador do Buscapé, são mentores incríveis. Os grandes empresários brasileiros são mais empreendedores e mais ágeis do que os que vemos em mercados menores, onde duas ou três empresas dominam tudo e é difícil estabelecer uma lógica empreendedora. 

No Brasil, acho que mesmo uma grande empresa precisa ser empreendedora, então o CEO é empreendedor naturalmente. Por isso, os empresários brasileiros se dão muito bem com os empreendedores. 

Em lugares como a Turquia ou a Argentina, os empresários participam mais como investidores do que como mentores e têm dificuldade de orientar a nova geração. Em alguns lugares, a velha guarda é tão forte que não sobra espaço para os novos. 

E**ntão, por que tantos empreendedores reclamam que nossas grandes empresas são muito fechadas na hora de negociar com startups?**

Acho que fica mais complicado quando você tem de trabalhar com os gerentes médios, porque eles têm medo, não querem perder o emprego. Quando é o CEO que está fazendo o contato, tudo fica mais fácil. Minha expectativa é sempre a de que a animação dos CEOs com os empreendedores possa afrouxar um pouco a burocracia dentro da organização para facilitar o acesso do empreendedor a outras pessoas e canais. 

**Os empreendedores brasileiros são suficientemente inovadores?** 

Eu classificaria os brasileiros como criativos e pragmáticos; vocês têm as ideias e a capacidade de execução. Sabe o que falta aos brasileiros? Marketing. Vocês poderiam ser melhores contadores de história. Os argentinos falam sobre suas ideias como se suas empresas fossem as mais inovadoras do mundo, mas os brasileiros não são assim – vocês usam termos como “segmento de indústria” em uma conversa. Os empreendedores do Brail precisam aprender a chamar nossa atenção. 

**Personalidades empreendedoras**

O livro De Empreendedor e Louco Todo Mundo Tem um Pouco, de Linda Rottenberg, apresenta dois tipos de classificação de empreendedores. O primeiro diz respeito à área de atuação do empreendedor:

**• Empreendedor-gazela**. É o empreendedor clássico, cuja meta é o crescimento acelerado.
**• Empreendedor-gambá.** É o intraempreendedor, com disposição de inovar na empresa em que trabalha e fazer carreira.
**• Empreendedor-golfinho.** É aquele que atua no setor social.
**• Empreendedor-borboleta.** Trata-se do empreendedor de pequena escala.

A segunda tipologia refere-se à personalidade do empreendedor, possibilitando entender quais são seus pontos fortes e fracos quanto à liderança e tendências positivas e negativas para promover mudanças:

**• Empreendedor-diamante.** Sonhador visionário que comanda empreendimentos revolucionários.
**• Empreendedor-estrela.** Pessoa carismática, que converte seu nome em marca.
**• Empreendedor-transformador.** Promove mudanças ao reenergizar setores tradicionais.
**• Empreendedor-foguete.** Pensador analítico e autor de melhorias estratégicas.

**Para você, que startups brasileiras se destacam?** 

Tenho visto startups brasileiras muito interessantes usando inteligência artificial em aplicações industriais. Essas ideias são muito importantes; podem ser realmente transformadoras. Também há muitas empresas brasileiras jovens inovando nas áreas de saúde e educação. 

**Todo empreendedor deveria querer ser Steve Jobs? Muitos querem ser…** Cada um deve ser fiel a sua personalidade, em minha opinião. No livro _De Empreendedor e Louco Todo Mundo Tem um Pouco_, eu falo das diferentes personalidades empreendedoras [veja o quadro ao lado]. 

Agora, a melhor maneira de dar vazão a sua personalidade autêntica é montar uma empresa com cofundadores, para que as personalidades se complementem. Se alguns se interessam por números e eficiência, outros buscam grandes ideias, e há os que pensam na marca e nos clientes. 

Descobrir quem você é, identificar seus pontos fortes e fracos e criar uma equipe que possa complementá-lo é melhor do que tentar ser alguém que você admira, mas que você não é. Eu diria que copiar o ídolo nunca funciona bem. 

Além disso, não acredito que alguém consiga trabalhar sozinho por muito tempo, sabia? 

**Existe certo estigma no Brasil em torno da ideia de ter sócios…**

Eu sei. Acho que isso existe na América Latina inteira, na verdade: os latino-americanos acham muito difícil discutir as coisas com familiares ou amigos. Como discutir com o irmão o que pode acontecer se ele quiser sair da empresa? Latino-americanos temem a tensão que pode se formar se alguém não puder mais ser o diretor. 

A solução para isso é simples: logo no começo de um negócio, é preciso registrar por escrito todas as regras – um acordo de acionistas, um controle de tomada de decisões. Em geral, os latino-americanos se esquecem de fazer isso. 

O que nós vemos acontecer na fase de scaleup é alguém querer sair da empresa e não existir nenhum mecanismo prevendo como fazer isso. Aí dá tudo errado mesmo.  

**Você aplica quando…**
… comporta-se como empreendedor, dentro ou fora de sua empresa, adquire uma mentalidade global e procura mais apoio para seu negócio.
… soma a suas ideias e a sua capacidade de execução a arte do storytelling, que é a melhor maneira de um empreendedor fazer marketing

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