Estratégia e Execução

Do fato ao fake

O que fazer e o que não fazer ao gerenciar uma crise, e como lidar com as notícias falsas que podem abalar a reputação da sua empresa

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Como um efeito dominó, a crise de saúde causada pelo novo coronavírus está impactando as empresas de diferentes formas. Como apurou HSM Management para a reportagem da página 40, quem tinha um plano estruturado e atualizado de gerenciamento de crise saiu na frente. 

Atividades básicas como acionar os profissionais para compor o comitê de crise e munir os porta-vozes com informações atualizadas aconteceram rapidamente. Entretanto, no capítulo “o que fazer em caso de pandemia”, o texto do plano parecia inacabado. Isso porque, situações com impactos relevantes, mas com baixo risco de ocorrerem, categoria na qual uma pandemia se encaixava até então, naturalmente  recebem menos atenção frente a outros riscos intoleráveis. 

Segundo Dario Menezes, diretor da consultoria dinamarquesa de gestão e reputação Group Caliber e professor da ESPM e FGV, completo ou incompleto, o que é inadmissível nos dias de hoje é não ter um plano de gerenciamento de crise. “Em um momento em que todos os usuários têm contato com as empresas por meio das redes sociais em tempo real, uma empresa não pode estar no mercado sem ter um processo de gestão de crise predefinido, que considere o que poderia afetar seus negócios, antecipando como agir nos diferentes cenários”, avisa Menezes. 

Para isso, Menezes – também autor, com Andrei Scheiner, do livro Gestão da marca e da reputação corporativa, publicado pela FGV Management – recomenda, em parceria com Isabela Pimentel, que o trabalho de gestão de crises seja desenvolvido em três etapas: antes, durante e após a crise. [Veja box na página ao lado.]

A grande maioria das crises pode ser evitada apenas tendo atenção aos riscos que surgem no horizonte. Quando alguma ocorre, uma boa gestão pode mitigar seus impactos, mesmo em casos como a recente pandemia de Covid-19.

> **Gerenciamento de crise em três etapas**
>
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> _Pré-crise_
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> * Desenvolva um trabalho de construção de reputação e de imagem.
> * Faça um mapeamento detalhado de riscos.
> * Construa uma matriz de risco.
> * Crie um plano de ação considerando os públicos impactados.
> * Crie e sistematize os procedimentos internos.
> * Realize exercícios de simulação.
>
>
>
> _Durante a crise_
>
> * Avalie a situação da crise.
> * Faça um mapeamento dos envolvidos.
> * Acione o comitê de crise (se não houver, forme-o em caráter emergencial, reunindo representantes de cada área afetada).
> * Defina um porta-voz, que deve passar por um media training.
> * Determine suas mensagens-chave.
> * Comunique-se rapidamente com todos os impactados. Atenda as solicitações da imprensa e invista em ações que engajem funcionários no posicionamento da empresa.
> * Mantenha um monitoramento constante.
> * Execute o plano de ação e aplique medidas corretivas.
>
>
>
> _Pós-crise_
>
> * Faça uma auditoria de imagem e, se necessário, trace um plano de recuperação.
> * Analise os conteúdos publicados.
> * Enumere os aprendizados.
> * Reflita sobre pontos de melhoria nos procedimentos internos, após mensurar os indicadores de desempenho do plano aplicado.
> * Busque oportunidades a partir do aprendizado da situação.

> **Indústria da desinformação**
>
> _Por Gilberto Scofield Jr.
> _
>
> Nessa crise de proporções planetárias causada pela pandemia de Covid-19, há uma guerra contra o novo coronavírus em termos de gerenciamento de crise, com duas trincheiras: uma é formada pelo pelotão de profissionais da saúde, que estão na frente de batalha de hospitais, postos de saúde e outros locais de combate à doença e suas manifestações. A segunda é formada por profissionais de comunicação no combate à desinformação que ronda a doença e pode atrasar de forma trágica o ciclo da pandemia. 
>
> Pela experiência que reunimos em cinco anos trabalhando com checagem de fatos na Agência Lupa, podemos dizer que ao menos 70% das notícias falsas que circulam em redes sociais e aplicativos de mensagem como WhatsApp ou Messenger são fabricadas intencionalmente. Ou seja, há uma indústria de desinformação que ganha muito dinheiro com o objetivo claro de destruir a reputação de políticos, governos, ideologias, marcas, executivos, produtos, empresas. A ideia é desacreditar o outro para ganhar alguma coisa. O restante dos que compartilham desinformação é composto de delirantes teóricos da conspiração e do caos (uma minoria barulhenta) e gente que não possui  letramento midiático e digital – o famoso media literacy – para entender o que é mentira e o que é verdade. Todo mundo conhece uma “tia ou tio do WhatsApp” assim. Aquela pessoa que recebe um conteúdo do primo de uma amiga que trabalha em determinado lugar e que jura que tal produto faz mal à saúde (ou, nesses tempos, é capaz de curar o novo coronavírus). A pessoa lê e passa adiante porque… “vai que é verdade”.
>
> O problema é que uma notícia falsa sobre a Terra plana exibe apenas o nível de ignorância científica de quem a propaga, enquanto alguém que difunde notícias sobre falsos tratamentos contra uma doença está colocando vidas em risco. Sabemos que dois sentimentos movimentam a indústria da desinformação – o medo e a raiva. Os dois estão por trás de todos os fenômenos de compartilhamento de notícias falsas descritos aqui. Há fartos estudos acadêmicos sobre o papel das emoções no consumo, incluindo o de informações. Então, o que é possível fazer em termos de gerenciamento de crise diante de uma pandemia de notícias falsas?
>
> Em primeiro lugar, a consciência de que o momento é delicado e exige comedimento, transparência e verdade. Não é o momento de soltar um comunicado gratuito dizendo que seus funcionários estão trabalhando em sistema de home office porque a empresa está preocupada com a saúde dos colaboradores. Ora, isso é bom senso e determinação legal. E vivemos um tempo que, mais do que nunca, demanda coerência. Sua empresa sempre se preocupou com a saúde dos funcionários ou é do tipo que corta ou restringe seguro saúde para otimizar lucro? Hoje, esse tipo de coisa é passível de confirmação num clique do Google. Não corra esse risco.
>
> As vidas são prioritárias e todas as decisões são, em última instância, gerenciamento de crise e combate à desinformação. Tudo precisa ser cuidadosamente comunicado e de forma transparente. Conversar com os stakeholders sobre a verdadeira extensão da crise e o que está sendo feito para lidar com ela é imperativo. Como a empresa está garantindo a remuneração de funcionários com queda de receita? Porque isso é um exercício de criatividade, ou seja, garantir a manutenção de ao menos parte da produção sem desassistir ninguém. E isso precisa ser comunicado, não porque a empresa pode ganhar algum reconhecimento (o que é bom), mas porque pode inspirar outras organizações a fazer o mesmo (o que é melhor ainda). 
>
> Se há necessidade de dispensar funcionários, que isso seja dito com franqueza, porque o momento é de crise geral. E há maneiras de comunicar isso, destacando que a decisão está vinculada à pandemia e que contratações serão feitas assim que o mercado se normalizar. Como garantir que o varejo que vende seus produtos se mantenha vivo de portas fechadas? Comunique-se com seus clientes, alongue prazos de pagamento, reduza preços temporariamente. Se você é varejo, comunique-se com seus fornecedores e bancos sobre esses mesmos temas. Falem todos com os governos. Soluções compartilhadas podem e devem ser divulgadas para que inspirem uma cadeia do bem em meio a uma crise planetária. 
>
> Por fim, proteja-se das notícias falsas que rondam o seu negócio, a sua marca, a sua empresa. Cerque-se de quem entende sobre como combatê-las e neutralizá-las. E lembre-se: há um componente de temporalidade na pandemia. Ela vai passar e o momento exige criatividade. Eis duas mensagens poderosas na crise.
>
> **
> _Gilberto scofield jr_**_. é executivo de comunicação e marketing e hoje ocupa a cadeira de diretor de negócios e estratégias da Agência Lupa, de checagem de fatos._

**O PODER DA REPUTAÇÃO**

O mundo dos negócios é terreno fértil para mudanças. Surgem novas tendências, tecnologias, cenários, nichos, mas algo permanece inalterado: o poder da reputação. Segundo a consultoria Reputation Institute, que ranqueia anualmente as empresas com maior reputação, as dez primeiras na lista têm em comum a capacidade de fazer e dizer “o que é certo”, numa combinação coerente entre a qualidade de seus produtos e serviços, governança corporativa e a relação com a sociedade. 

Se a reputação é um ativo intangível valioso para qualquer companhia, o que ela provoca na cadeia de consumo é bem tangível. Conduzida pela mesma consultoria, a pesquisa global RepTrak, de 2020, concluiu que empresas com excelente reputação são capazes de ativar comportamentos como, no consumidor, maior disposição para a compra (78% dos ouvidos), e, no candidato, maior vontade de ingressar para o quadro de funcionários (70%). Não é só isso. No caso de uma crise, essas empresas estão mais protegidas: 64% dos ouvidos disseram que reagiriam com o benefício da dúvida.

Mas a consultoria alerta que correm risco de reputação até mesmo empresas que “parecem seguras”. No mundo hiperconectado e dinâmico em que vivemos, é impossível estar imune a riscos. “Se há uma certeza é que, em alguma medida, uma crise vai acontecer”, garante Hamilton Santos, diretor executivo da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje). “A grande questão é se a empresa possui estrutura para lidar com ela e superá-la com o mínimo de danos”, diz. 

Santos, que é jornalista e filósofo, entende que otimismo é inerente ao mundo corporativo, mas que isso não pode fazer as empresas fecharem os olhos às ameaças. Maurício Pontes, há 20 anos especialista em gestão de crises, professor desta disciplina e sócio da C5i Crisis Consulting, corrobora. “Há uma resistência natural em tratar do tema, como se não falar sobre a crise fizesse com que ela não ocorresse”, reconhece ele. 

Para não enfrentar esses problemas e minimizar os impactos de uma crise em sua empresa, com a ajuda de Santos e Pontes, HSM Management preparou uma lista das principais armadilhas que você deve evitar. São elas:

* Pensar na crise só quando ela acontece: é importante contar com uma estrutura contínua. Não só operar painéis de risco que detectem potenciais crises ou um comitê de crise estabelecido, mas possuir uma “cultura de crise”. Isso significa que o tema não deve ser tratado de forma isolada, e sim fazer parte transversalmente do ecossistema da companhia.
* Paralisar a empresa devido à crise: a estrutura para lidar com a crise existe justamente para que a empresa possa continuar operando apesar dela. 
* Diagnosticar como crise o que era apenas um “espasmo”: ao monitorar os riscos inerentes a cada aspecto do negócio, a empresa consegue fazer leituras de cenário e entender se é uma crise potencial ou algo sem reverberações.  
* Adotar um discurso engessado: além de preparo para lidar com a pressão dos interlocutores, os porta-vozes destacados precisam de repertório e ampla visão de mundo relativa ao tema da crise. [Veja mais na página 45]
* Demorar para agir: três dias após o início da crise atual gerada pelo novo coronavírus, Santos, da Aberje, recebeu o contato de uma empresa. “A pessoa não sabia se tinha condições de encarar internamente ou se deveria terceirizar para uma empresa especializada em crise. Ela já devia ter esse protocolo definido. É preciso determinar para que tipo de situação a empresa tem equipe gabaritada para lidar, e a partir de que ponto necessitará de ajuda externa”, diz ele.
* Entrar em pânico: a equipe destacada para a gestão de crise precisa ter entre suas competências o controle das emoções a fim de manter o foco e evitar decisões e reações impensadas. 
* Não respeitar a ordem de prioridades: crises têm a ver com perdas, de vida ou de patrimônio. Seja qual for sua natureza, é preciso estipular uma ordem de prioridades para ações e atendimento aos diferentes públicos. Claro, crises não são binárias, e algumas caracterizam-se por ondas simultâneas. Aqui, vale a dica anterior: manter a calma para discernir prioridades. 
* Liderança arrogante: o líder destacado para estar à frente da crise deve ter humildade para escutar aqueles com melhor capacidade técnica ligada à situação, ter um comando harmônico e tomar decisões colegiadas, ouvindo os membros do comitê.

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