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Do manual para o mundo real

Sua empresa pode estar com o manual de gestão de crises em dia, mas quando a adversidade bate à sua porta é que os protocolos são colocados à prova. O que empresas como Mastercard, McDonald’s e Tam têm a ensinar?
É colaboradora de HSM Management e especialista no setor varejista; já cobriu o NRF seis vezes.

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O processo de gerenciamento de crises é parte da rotina de muitas empresas, em especial as de grande porte com operações críticas, como cias aéreas e mineradoras, onde qualquer falha pode causar mortes ou sérios prejuízos ao meio ambiente. E, mesmo com todo preparo, os especialistas entrevistados para esta reportagem alertam: nenhuma crise é igual à outra. Portanto, com ou sem processo estabelecido, é preciso se adaptar. O que não mundo nunca, porém, é a necessidade de um bom fluxo de comunicação com diferentes públicos e também equilíbrio emocional para lidar com situações adversas, como essas que você confere a seguir.

**BRASKEM E O APRENDIZADO CONTÍNUO**

A petroquímica Braskem possui três comitês de crise fixos – regional, nacional e global – que entram em operação de acordo com a natureza da situação. “A cada crise adaptamos o treinamento, a estrutura e fluxos de comunicação”, explica Ana Laura Sivieri, diretora global de comunicação e marketing da Braskem. 

Uma coisa ela aprendeu: nenhuma crise é igual à outra, mesmo que a fonte causadora seja. “Tudo varia, o momento, o cenário, as pessoas. Por mais que tenhamos uma política pré-estabelecida, precisamos de um olhar sensível para entender cada crise”, diz. As crises têm algo em comum, entretanto: “a enxurrada de informações”, observa. Estabelecer prioridades, não permitir que variáveis irrelevantes tirem o foco e manter a inteligência emocional estão na agenda da diretora ao lidar com crises.  

Mesmo com todos os mapeamentos de cenário que a empresa faz, uma pandemia na proporção como se apresentou não estava no radar. “Ao nos depararmos com o avanço do  novo coronavírus, reagimos rápido e nos organizamos em comitês remotos, já que o isolamento foi imposto como forma de barrar a contaminação”, explica ela. Um grupo conta com presidente e vice-presidentes, outro com líderes ligados ao mercado para manter a operação (já que trata-se de uma empresa de base), e um terceiro com integrantes do comitê de crise que delibera diariamente assuntos práticos, como orientações aos funcionários – em flexoffice e na fábrica – e apoio aos públicos relacionados. 

Sivieri não acredita que uma crise se reverta – cabe ao gestor tentar passar por ela da melhor forma. A última crise em que a Braskem se viu envolvida foi quando citada na Lava Jato. “Nossa reação foi agir com transparência, fornecendo todas as informações que dispúnhamos”, conta. Ao analisar essa atuação, Sivieri aprova. “Reforçamos nosso caráter de inovação e compromisso com nossos públicos. Os impactos na nossa reputação poderiam ter sido grandes, mas nosso stakeholder entendeu nosso valor à sociedade”, lembra.   

**MASTERCARD E O PREPARO DO GESTOR DE CRISE**

Na Mastercard, o plano de crise é revisado anualmente pelo time de crise e executivos do C-level. “Reunimos melhores práticas, aprendemos com as crises passadas, mas, apesar de apresentarem similaridades, elas nunca são iguais”, garante Pedro Alves, diretor de comunicação da Mastercard Brasil e Cone Sul. No caso da empresa, as probabilidades de uma crise ocorrer estão ligadas à decorrência do lançamento de um produto ou campanha de marketing, ou ao movimento sistêmico de atualização. Ciente desses riscos, a cada ação a empresa faz um preparo prévio envolvendo todas as variáveis. “No caso de uma campanha de marketing, traçamos uma matriz de risco que nos mostra diferentes cenários e o quanto estaremos expostos caso surja alguma interpretação negativa. Em alguns casos, refazemos aspectos da campanha para dirimir essa exposição, em outros, já cientes dos desdobramentos e para controlar o diálogo, fazemos um planejamento de comunicação”, explica Alves. 

O relações públicas de 34 anos, acredita que algumas competências e traços de personalidade, além de formação, podem potencializar a atuação de um profissional ao gerir uma crise. “Ele deve ser ligado em tudo, dos temas macro ao micro, ser capaz de captar tendências e hot topics, e analisar cenários novos com imparcialidade”, diz Alves. É comum que esse profissional lide com diferentes públicos, então é preciso entender as expectativas particulares de cada um deles e a melhor forma de se comunicar criando relacionamentos críveis. Ser resiliente e não ceder à pressão do momento são bem-vindos. “Uma atitude impensada pode colocar toda a condução da crise a perder”, observa. Alves que já atuou na linha de frente de crises em outras grandes empresas não descuida da saúde mental, com meditação, música e tempos de introspecção como forma de reflexão. “Mas, talvez, a melhor terapia seja motivar e ouvir meu time. Não terei sucesso se não ouvir cada integrante, essa troca me fará enxergar cenários que não estou considerando”, diz. 

**VIA VAREJO E A IMPORTÂNCIA DA AGILIDADE**

Em junho de 2019, ao se separar do Grupo Pão de Açúcar, a Via Varejo, então sob nova gestão, iniciou a confecção de sua estrutura para lidar com crises. No início de 2020, todos os protocolos estavam formatados. “Montamos o comitê de crise, organizamos uma sala para as reuniões e, a partir dos encontros, criamos um protocolo de crise”, explica Helio Muniz, diretor de relações institucionais, comunicação, diversidade e sustentabilidade, da Via Varejo. 

Pouco depois, o trabalho foi posto à prova com a queda de parte do teto de uma das fábricas. Ninguém se machucou, mas a interrupção da operação e a necessidade de responder de forma padronizada aos questionamentos, configurou a situação como crise. “Uma hora após o ocorrido, os integrantes do comitê já estavam conectados para decidir os próximos passos”, lembra. A rápida reforma do teto e todas as implicações dela, assim como a comunicação para o público interno – são mais de 45 mil funcionários pelo País – foram os dois focos do comitê. A estrutura de crise, então com apenas seis meses de vida, passou no primeiro teste. “A situação foi administrada em poucos dias com o mínimo impacto para a empresa”, diz ele. 

Muniz, que vem de companhia aérea, setor que, de forma notória, mais se prepara para lidar com crises, valoriza processos. “Eles dão segurança e balizam decisões, evitando que a equipe perca tempo batendo cabeça”, diz. E, principalmente, evitam que a empresa pare. “O comitê só pensa na crise para que a empresa continue viva e operando”, complementa. 

O comitê de crise da Via Varejo se reúne quinzenalmente e conta com 11 integrantes das áreas de TI, comunicação, logística, operação, jurídica e compliance. O líder, da área de risco e compliance, centraliza as demandas, distribui tarefas e garante a coerência na atuação. 

> **Quando a crise começa nas redes sociais**
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> _Estratégias adotadas por quatro empresas impactadas pelas vozes da internet_
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> Nas redes sociais, você pode não estar falando da sua empresa, mas alguém está. A BRK, empresa privada de saneamento, virou, de uma hora para outra, um dos temas mais compartilhados nas redes sociais dos moradores de Limeira, em São Paulo, a partir de uma foto de uma conta no valor de 
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> R$ 30 mil recebida por um cliente da cidade. Tratava-se de um erro na emissão da conta, mas em vez de o cliente entrar em contato com a empresa, e dar a chance de correção, ele postou em um grupo fechado do Facebook gerando indignação entre os integrantes. “Um de nossos funcionários fazia parte do grupo fechado e nos alertou. Entramos em contato com o cliente, trocamos a conta e começamos a gerenciar a crise,”, conta Juliana Calsa, head de comunicação da BRK Ambiental. 
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> Mas já era tarde. Em 24 horas, mais de mil clientes bradavam nas redes sociais que suas contas também estavam erradas, até que o tema chegou à imprensa, à Câmara de Vereadores e ao Ministério Público, instaurando-se uma CPI – que, depois, descobriu-se a improcedência do movimento popular. “Buscamos registros no SAC, analisamos a operação e não havia mudanças no comportamento que justificassem aquelas reclamações. Tínhamos certeza que não havia nada errado”, lembra Calsa, que emitiu um pronunciamento à mídia, reforçando os canais de comunicação da empresa e convocando a todos para um plantão de atendimento no final da semana. Apenas 30 pessoas compareceram. “Essa crise nos ensinou que em vez de esperarmos o contato nós devemos estar nos canais em que o cliente está, monitorando tudo”, conta Calsa. 
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> O fato de o caso ter sido exposto em um grupo fechado do Facebook exclui a empresa do diálogo, reforçando o caráter de “bolha”. A Scania também passou por isso, quando, antes de um lançamento global, alguns caminhoneiros começaram a publicar críticas sobre o novo modelo da marca em grupos fechados e também pelo Whatsapp. Para fazer frente, a empresa convocou 15 motoristas com quem a marca mantinha um ótimo relacionamento. “Trouxemos eles para a fábrica, mostramos as etapas de desenvolvimento e fornecemos informações sobre nossos produtos. Também os ensinamos a manejar as redes sociais”, conta Renata Nascimento, head de comunicação da Scania Brasil. Com esse miniexército, a Scania começou a virar o jogo, já que eles ingressaram nos grupos e passaram a dar sua opinião sobre o novo caminhão da marca. “Em vez da Scania falando da Scania, eles se tornaram nossa voz entre iguais, o que se mostrou mais poderoso”, diz. A prolífica estratégia foi mantida. Hoje, os 15 caminhoneiros têm um grupo de Whatsapp com representantes da montadora, no qual compartilham impressões da marca e mensagens que receberam ou viram sobre ela, funcionando como um termômetro.
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> Mas, às vezes, mesmo monitorando, algo inesperado pipoca. Após excluir todos os possíveis riscos junto a um grupo dedicado a encontrar “ruídos”, a marca de cosméticos Coty foi surpreendida quando um elemento de sua campanha de marketing foi interpretado como de cunho religioso nas redes sociais. “Nem de longe conseguimos prever essa interpretação, mas entendemos o desconforto, nos desculpamos e tiramos a peça do ar”, conta Rosana Marques, diretora de relações institucionais e comunicação da Coty Brasil e America Latina. Empatia e respeito a visões diferentes são uma lição que a executiva levou dessa crise. “Somos muito críticos antes de um lançamento de campanha e, mesmo esgotando as possibilidades, algo escapou”, lembra. Marques afirma que campanhas polêmicas trazem o bônus de viralizar, mas o ônus de se voltarem contra a marca, caso sejam mal interpretadas. “É preciso fazer um exercício digno de Nostradamus, prevendo tudo”, arremata.
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> Será que mesmo fazendo esse exercício, a Apsen Farmacêutica conseguiria prever o que aconteceria com seu medicamento hidroxicloroquina alçado, de uma hora para outra, a “uma promessa no tratamento da Covid-19”? “Essa notícia causou o desabastecimento do mercado, prejudicando a compra do produto pelos pacientes crônicos que realmente precisam da medicação, que ficaram desesperados e sinalizaram em nossas mídias sociais”, conta Renata Spallicci, diretora de assuntos corporativos da Apsen Farmacêutica, que, no decorrer dessa reportagem, ainda se encontrava no meio do furacão. “Temos um comitê de crises formado por representantes de diversas áreas que analisa o cenário, toma decisões e acompanha a execução”, conta. No primeiro encontro, o comitê decidiu sobre medidas de segurança para a saúde dos colaboradores, já que a área produtiva não poderia parar. Em seguida, definiu um plano de contingência emergencial com uma série de medidas para preservar a continuidade no tratamento dos pacientes crônicos. “Com todas essas medidas, estamos conseguindo reabastecer o mercado e cumprir o nosso propósito em cuidar e melhorar vidas, seja de pacientes, colaboradores, profissionais da saúde e/ou parceiros”, conclui Renata.

**TAM E O TEMPO CERTO PARA AGIR**

“A comunicação é o grande hub de articulação da narrativa de uma crise. São vários os interlocutores envolvidos, e é preciso ter um discurso unificado”, explica Gislaine Rossetti, diretora de relações institucionais e sustentabilidade da TAM. 

Ela define crise como “o que foge ao controle, expõe a marca e pode impactar a reputação”. Exatamente o que ocorreu em 2014, quando um vidente foi a programas de TV dizer que viu, em um sonho, a queda de um avião da companhia. A premonição era específica e dava dia e horário do acidente. “Respeitamos superstição e todas as crenças, mas, acima de tudo, confiamos em nossos protocolos de segurança e precisávamos desmentir o boato que só crescia conforme a data se aproximava”, lembra Rossetti que, ao lado do vice-presidente na época, decidiu ocupar um assento no voo tão falado. “Não fizemos nenhuma ação prévia, e quando a imprensa nos viu no aeroporto, a premonição começou a perder a força”, conta. A notícia foi a mais lida nos portais daquele dia. “A repercussão foi tremenda, mas, ao darmos nossa cara e passarmos tranquilidade, a exposição negativa da marca se desfez”, diz.  

A crise atual, do novo coronavírus, é sem precedentes mesmo para a companhia aérea, que já lidou com outras pandemias. “Tínhamos a experiência anterior com SARS e ebola, e pudemos usar alguns protocolos já testados, mas a lista de riscos inerentes dessa crise é muito mais extensa”, revela a diretora. Lembrando que a empresa aérea, assim como suas concorrentes, lida com crises extremas – acidentes e perda de vidas – os protocolos de crise envolvem aspectos mais complexos como simulações, aulas e palestras sobre as primeiras ações a serem tomadas após um acidente, e times de voluntários preparados para acalentar e acompanhar parentes de vítimas – além de todas as normas da regulamentação. “Nesse caso, crise é lidar com uma situação extrema sob alta pressão. É preciso ter estrutura emocional”, conclui.  

**ARCOS DORADOS E O VALOR DA COMUNICAÇÃO INTERNA**

No primeiro momento, para lidar com cenários de risco, a Arcos Dorados, maior franquia do McDonald’s no mundo, possui um Guia de Gerenciamento de Situações Especiais e um comitê multidisciplinar, composto de especialistas em comunicação e profissionais de campo, que vivenciam o dia a dia das operações. “A partir desse monitoramento constante, o comitê avalia situações que podem expor negativamente nossa marca e sugere novos procedimentos”, explica Rozália Del Gáudio, diretora de comunicação corporativa da Arcos Dorados.

No segundo momento, em situações com alto potencial de crise, a empresa reúne o Comitê de Crise, formado pelas principais lideranças da companhia, e intensifica o que chama de social listening, o qual, por meio de canais próprios e monitoramento das redes sociais, “nos traz informações sobre como está a percepção das pessoas quanto a nossa marca”, revela Gáudio. Para isso, conta com equipes especializadas, tanto no gerenciamento de crises junto à imprensa e redes sociais como também na operação do SAC.

A rede social interna, o app MyMc, também é monitorada. “Esse é um aspecto a destacar: é comum, em momentos de crise, a comunicação da empresa estar voltada para os interlocutores externos, atendendo apenas tangencialmente as demandas e expectativas dos empregados. Estamos fazendo diferente, temos buscado formas de dialogar com nossos empregados, esclarecendo suas dúvidas, ouvindo suas inquietações e levando, com o máximo de clareza, as decisões e informações da empresa”, diz a diretora.

Durante a crise atual, da pandemia de Covid-19, a marca, aproveitando que faz parte de um sistema global, tem buscado aprendizados com outros países que já passaram pelo momento crítico, caso da China. “Estamos ainda mais conectados com nossos stakeholders, temos conversado com nossos empregados sobre medidas de prevenção e segurança, com a implantação de novos protocolos, e respondido, com agilidade a todas as questões que chegam no MyMc.” Segundo a diretora, os inputs trazidos pelos empregados influenciam desde a forma de se comunicar nas plataformas até mesmo decisões da companhia. “Nesse momento da pandemia, temos utilizado plataformas online para troca de experiências entre diferentes áreas, e a liderança tem se feito presente, em podcasts e transmissões semanais para todo o time”, conta.

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