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DO MODERNO AO PÓS MODERNO no management

Só a real compreensão do fenômeno da pós-modernidade pode levar à efetiva transformação da gestão

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Nos anos 1980, a Lincoln Electric, empresa norte-americana de soldagem com 120 anos de existência, ouvia os funcionários e investia neles, cuidava para que o ambiente fosse acolhedor e adotava políticas de autogestão, trabalho em equipe e empoderamento. Se ocorria um problema de produção, os itens voltavam, para reparo, às pessoas responsáveis. Quando decidiu se internacionalizar em uma estratégia precipitada e, pela primeira vez, registrou prejuízo, a Lincoln assumiu o erro e recorreu aos funcionários, que se empenharam para reverter a situação. A empresa reconheceu materialmente o engajamento desses colaboradores, chegando a tomar empréstimo em banco para pagar os bônus aos integrantes da operação norte-americana, que continuava lucrativa – apesar do prejuízo registrado nas operações internacionais. 

A Lincoln, lembrada pela professora Denise Fleck, do Coppead (a escola de negócios da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ), pode ser descrita como uma empresa early adopter da pós-modernidade na gestão. Embora o conceito de pós-moderno remonte aos anos 1960, ele está entrando no dia a dia das empresas na segunda década do século 21. A maioria das empresas continua a praticar uma gestão moderna, ainda que o discurso incorpore aspectos da pós-modernidade (como o líder que promove a criatividade, maior diversidade e uma comunicação interna que cria cultura). Será que as modernas morrerão? 

**CARACTERÍSTICAS**

De modo geral, a ideia de uma organização pós- -moderna tem sido usada para se contrapor a empresas dominadas pela burocracia, mais horizontais e mais plurais. Peter Drucker utilizou o conceito pela primeira vez em 1957, no livro Fronteiras do amanhã. Contemporâneo às discussões pioneiras na sociologia, na filosofia e nas artes, “pai” da administração moderna se referiu ao pós-moderno como uma mudança da visão cartesiana, de causa e efeito, para algo novo, baseado em padrões, propósitos e processos. 

Foi só na década de 1990 que surgiram realmente teóricos da pós-modernidade aplicada ao mundo dos negócios. Um dos principais autores a enfrentar o tema foi David M. Boje que, em 1993, escreveu o livro Managing in the postmodern world, com Robert Dennehy. Boje define a organização pós-moderna como aquela que vem depois da burocracia, depois da hierarquia e depois da era industrial. Na prática, é composta por uma rede de equipes diversas e autogerenciadas, que se articulam conforme os requisitos das atividades em questão. 

Na empresa da pós-modernidade, as equipes estão organizadas em uma estrutura plana, os funcionários são altamente empoderados e engajados com o trabalho, a informação flui livremente e a melhoria contínua é enfatizada em todas as áreas. A ideia de padrões é pouco relevante. 

A maioria das empresas de Estados Unidos, Europa e Ásia vem tentando adotar esses elementos em suas operações, embora de uma maneira mais intuitiva do que estruturada. 

Para entender as principais diferenças entre os princípios de gestão da modernidade e a da pós modernidade, vale a pena observar cinco dimensões: planejamento, organização, influência, liderança e controle [veja quadro ao lado]. 

**PLANEJAMENTO:**

 na organização pós-moderna, o planejamento é descentralizado para incluir as necessidades de clientes e fornecedores, assim como as dos gestores e equipes. 

**ORGANIZAÇÃO:**

é descentralizada e tem poucos níveis hierárquicos, planos e flexíveis, para abrigar equipes autônomas com foco em melhoria contínua e clientes. 

**INFLUÊNCIA:**

cada um na empresa tem muitas vozes e múltiplos papéis, num ambiente de diversidade e de celebração das diferenças. 

**LIDERANÇA:**

Líderes servidores estimulam que as pessoas tenham a mesma postura servidora em relação aos clientes, guiadas por uma visão clara. 

**CONTROLE:**

as pessoas podem tomar decisões de forma individual, diversa e com corresponsabilidade, em cenários que equilibrem eficiência e preocupação socioambiental. 

Há três elementos que permeiam todos esses aspectos, condicionando-os: a liderança que promove a criatividade, a diversidade de pessoas e a fluidez da comunicação interna. Os três são tratados neste Dossiê.

Fonte: Managing in the postmodern world, de David M. Boje e Robert Dennehy.

**TRANSIÇÃO**

Qual é o desafio da transição? Em diversos aspectos, a gestão moderna e a pós-moderna se opõem. Assim, uma empresa que decida estar atualizada teria de mudar uma série de processos e estratégias de um polo para o outro, do dia para a noite, o que é impraticável. Tanto pesquisadores como consultores costumam sugerir o caminho do meio. 

Para Fleck, do Coppead, não há regras preestabelecidas para as mudanças, que ocorrem em um processo de migração. “Pode-se até retornar ao artesanal, fazendo o customizado conviver com o comoditizado – e o universo digital pode dar contribuições a ambos os caminhos.” Ela até defende que as organizações sejam modernas e pós-modernas simultaneamente. Serviços ou produtos rotineiros, programáveis, podem ser geridos no modelo moderno, enquanto, para inovar e explorar novos horizontes, o novo modelo é mais conveniente. Isso pode ser a transição ou até acontecer em um caráter mais permanente, a seu ver. 

Baseada em seu programa de pesquisa sobre mais de 50 empresas longevas brasileiras, ao longo dos últimos 15 anos, Fleck, que fez doutorado em management pela McGill University de Montreal, Canadá, crê que essa ambidestria é o melhor caminho a seguir para evitar a decadência. “Minha linha de pesquisa é sobre o crescimento das organizações, um estudo de ascensão e declínio. Elas crescem, mas em algum momento entram em declínio e às vezes morrem”, revela. Para perceber a realidade complexa, ela diz que é preciso olhar o panorama dual, o efeito colateral das ações. Enquanto há muito material disponível sobre as melhores práticas, pouco há sobre seus possivelmente nocivos efeitos. 

No modelo moderno, planejamento leva à ordem por ser um processo convergente – com programação e ferramental estatístico, a empresa consegue otimizar recursos e ter eficiência. Já no pós-moderno, ele leva à desordem porque abre espaço para a novidade emergir. “Os dois devem conviver, o que é um grande e complexo desafio para o gestor”, afirma Fleck. 

Na verdade, o pós-moderno não prega a ruptura com o passado, mas com o tradicional. Se a decisão de fazer as coisas como antes for uma escolha, e não só seguir a tradição, algumas iniciativas modernas podem encaixar-se bem em uma organização pós-moderna. 

**NO BRASIL**

Mundo afora, a gestão pós-moderna ainda é mais discutida na academia do que fora dela. “A academia tenta organizar a realidade, que é caótica. Uma das formas de fazer isso é buscar rótulos em uma tentativa de criar distinção”, afirma Denise Fleck. Mas nas escolas de negócios brasileiras a discussão não é significativa. Por quê? Para Fleck, há uma ideia de que as classificações podem ser prejudiciais, embora ajudem a entender o que acontece, se inibirem o desenvolvimento de uma visão mais ampla dos fenômenos organizacionais. 

Outra explicação é que a academia aqui está mais preocupada em se aproximar da prática das empresas do que em ser a vanguarda dos movimentos. O psicanalista e especialista em pós-modernidade Jorge Forbes [veja entrevista neste Dossiê] vê vantagem na distância das escolas do assunto: “Assim não difundem conceitos errados, como está ocorrendo lá fora”. Na visão de Forbes, a organização pós-moderna sairá bem mais modificada do que se imagina.

**REFLEXÃO, O TRUNFO**

Em suma, a gestão pós-moderna faz parte do mesmo movimento que a aceleração tecnológica e a globalização, sendo uma resposta à incerteza e à volatilidade decorrentes. Seus princípios-chave são a horizontalização das empresas e o fato de que toda pessoa e toda organização têm o mesmo valor, com a suspensão de qualquer julgamento. É o que abre espaço para pessoas improváveis em posições de líder e o que leva uma empresa iniciante ou geograficamente periférica a desafiar uma corporação. 

Porém o lado mais positivo da gestão pós-moderna pode ser o de cultivar a prática da reflexão. Peter Senge já falava disso quando insistia na importância do aprendizado na era pós-industrial (outro nome para o pós-moderno). Fleck fala nisso quando defende o ócio como essencial para pensar, criar e aprender. “O relógio foi acelerado na revolução industrial e ficamos correndo atrás do ponteiro”, observa Fleck. Agora, na quarta revolução industrial, o tempo para reflexão tem de voltar a ser considerado importante para o trabalho, diz ela, que arremata com uma provocação: “Sem reflexão, estaremos criando pessoas ocas, que pensam e agem como um rebanho”.  

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