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Dois horizontes para o varejo

Varejo físico de conveniência e e-commerce cross-border aguardam bons competidores. Quem se habilita?

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A médica Sally está prestes a sair de casa para uma longa cirurgia e ao repassar uma lista mental de afazeres percebe que esqueceu de comprar um vinho para o jantar de aniversário de casamento. Enquanto toma seu café da manhã, aciona o Amazon Echo e compra, via voz, um Merlot, uva preferida de seu marido. Como Sally é cliente “prime” da varejista e tem o kit Amazon Key instalado, seu vinho será entregue em poucas horas e deixado dentro de casa – por este serviço, o entregador tem acesso à casa do cliente. 

Nossa personagem tem um nome inglês de propósito, afinal aqui no Brasil essa realidade ainda está restrita a filmes. Mas, assim como o mercado norte-americano, o brasileiro guarda oportunidades para varejistas dispostos a investir em conveniência e agilidade, duas demandas que têm impulsionado o varejo no mundo inteiro. Esse impulso não tem só remodelado a loja, no que o consultor de varejo da BTR Varese, Eduardo Terra, chama de “a reinvenção da loja”, que implica pontos de venda com menos atrito, mais interação e experiência, como também remodelado o varejo digital, com consumidores tendo acesso a ofertas do mundo inteiro, no que se convencionou chamar de “e-commerce cross-border” (comércio eletrônico transfronteiras). 

Almejando se distanciar de um simples “revendedor de produtos”, o varejo brasileiro, tanto físico como digital, encontrará oportunidades ao focar a conveniência. Mas ainda não desenvolvemos uma plataforma de varejo físico capaz de atender a essa demanda, segundo o estudo A corrida pelo varejo de conveniência no Brasil, realizado pelo Boston Consulting Group (BCG). “Há uma grande oportunidade para uma empresa se posicionar como a escolha óbvia nessa área”, diz Juliana Abreu, do BCG, uma das autoras do estudo. 

O consumidor continua a utilizar o varejo tradicional para atender àquelas necessidades que não foram migradas para o varejo on-line. Ou seja, ele continua dando uma “corridinha” até o mercado de bairro, farmácia, loja de conveniência ou padaria, para comprar um item de emergência sem a certeza de que encontrará o que procura. Não existe um competidor que domine a chamada “share of errands” (SoE) nas 17 cidades brasileiras com população superior a 1 milhão de pessoas – nos EUA, o líder em share of errands é a rede de farmácias Walgreens, que por sua vez registra 9% de crescimento anual de faturamento em itens de conveniência, ante apenas 1% nos itens de farmácia. (Em inglês, “run an errand” significa ir resolver problemas cotidianos fora de casa ou do trabalho.) 

Vejamos o exemplo da Oxxo, rede de lojas de conveniência do México, que, com cerca de 14 mil pontos de venda, chega a superar toda a rede somada de agências bancárias no país. Ela combina alta densidade e consistência na oferta de itens de conveniência. Ninguém falou em preço, o leitor percebeu? Como a pesquisa da BCG mostra, os consumidores estão dispostos a abrir mão de uma série de coisas, como preço mais baixo ou diversidade de marcas, desde que consigam resolver sua necessidade rapidamente.  

Alguns dos principais candidatos a ocupar o espaço de conveniência no Brasil são as grandes redes varejistas com o formato “loja de bairro”, como Minuto Pão de Açúcar ou Carrefour Express. Mas ainda não o ocuparam. Essas redes ainda têm de definir melhor o mix de produtos e compreender que categorias são mais essenciais ao formato – a loja de bairro não é “minimercado”; o conceito tem de mudar. 

As lojas de conveniência clássicas também não ocuparam o espaço. Só 18% dos postos brasileiros contam com uma, contrastando com 80% nos EUA e 95% na Austrália. Nem as farmácias o fi zeram: há uma legislação que regulamenta fortemente o que pode ser oferecido aos clientes no Brasil, como algumas categorias de alimentos, eletrônicos e utilidades domésticas. O espaço permanece vago. 

**Em 2017:**
• o e-commerce brasileiro faturou **R$ 47,7 bilhões**
• mais de **55 milhões** de consumidores fizeram pelo menos uma compra virtual

**Marketplace impulsionou e-commerce em 2017,
mas ainda enfrenta desafios**

“O marketplace definitivamente se consolidou e, ao lado das compras com dispositivos móveis, foi um dos responsáveis pelo resultado positivo do e-commerce no Brasil em 2017”, afirma Pedro Guasti, diretor de relações institucionais da Ebit. O modelo está evoluído tecnicamente no País, onde lojistas conseguem se integrar e começar a vender através da plataforma de grandes varejistas. Porém, estão surgindo vários desafios operacionais. Do ponto de vista das grandes lojas, por exemplo, um desafio é a perda de qualidade nos serviços de entrega e pós-venda, além do alto custo de gestão. Do ponto de vista das lojas parceiras, o problema são as altas taxas de comissionamento e a falta de definição de estratégia própria, que assim acaba se restringindo ao preço baixo. Como complementa Maurício Trezub, da Totvs, altas taxas de comissão inviabilizam produtos de margem pequena, e ainda há dificuldades na fase da contratação e demora para subir os produtos das lojas na plataforma. “O lojista precisa aprender a escolher o marketplace ideal para seu negócio e analisar seus concorrentes dentro dele”, diz. Já do ponto de vista do consumidor, ainda há confusão para entender as responsabilidades de cada participante desse modelo de varejo: só 62% dos respondentes realmente entendem as atribuições das partes. Guasti comenta que é comum o consumidor perceber que a compra foi realizada em uma loja parceira apenas quando recebe o produto em casa. Preço, variedade, disponibilidade e melhor seleção de produtos foram indicados pelos consumidores como principais razões para comprarem em um marketplace, segundo pesquisa da Ebit. 

Nos Estados Unidos, ao contrário, trata-se de um espaço bem povoado. Lá a discussão de conveniência é outra, tanto que a Amazon se sente à vontade para tentar derrubar qualquer barreira. Sua loja Amazon Go – ela de novo! –, agora aberta ao público em Seattle, oferece um sortimento de alimentos frescos, refeições gourmet prontas e itens de alta conveniência, com um plus: não há checkout. O consumidor que possui conta na Amazon usa o celular para entrar na loja, faz suas compras normalmente e, ao sair, recebe o comprovante diretamente no aplicativo. Sem caixa, sem atendente, sem fila. “Elimina-se, assim, o principal ponto de atrito, que é o momento do pagamento da compra”, comenta Jean Klaumann, vice-presidente de operações da Linx, empresa de tecnologia, que aqui no Brasil tem conduzido varejistas como Renner e Leroy Merlin para o mobile checkout, em que o vendedor munido de um dispositivo fecha a compra sem a necessidade de o consumidor aguardar na fila. 

Os meios de pagamento têm passado por frequentes inovações para agilizar as compras do varejo físico e aumentar a conveniência. Este ano, no Big Show da NRF, maior evento de varejo do mundo, o CEO global da Visa, Alfred Kelly, afirmou que “o processo de pagamento deveria desaparecer do varejo”. De certa forma, isso já vem acontecendo se pensarmos nos exemplos da Amazon Go, Uber e iFood, em que o pagamento é feito diretamente no aplicativo com o cartão de crédito já cadastrado. A própria rede de cafés Starbucks possui o aplicativo de pagamentos mais popular do mundo, segundo o relatório digital eMarketer, desbancando ApplePay e GooglePay. Para oferecer conveniência a seu cliente, a rede de cafeterias oferece uma funcionalidade em seu aplicativo, Click and Collect, que integra em tempo real o on-line e o off -line. Antes de chegar à loja, o consumidor compra seu café pelo app, o pedido é processado, e quando ele entra na loja pode ir direto ao balcão retirar. Zero atrito. 

**SHOPPING VIRTUAL E GLOBAL**

Essa busca por conveniência também ajuda a explicar um fenômeno recente da história do e-commerce: os marketplaces, que já representam 18,5% do total de vendas do comércio eletrônico no Brasil, com mais de R$ 8,8 bilhões em vendas, segundo o relatório Ebit. Para quem não está familiarizado com o termo, marketplace é o espaço disponibilizado por grandes varejistas on- -line para vender produtos de lojas parceiras, em troca de comissão. Já para o consumidor, marketplace é sinônimo de facilidade, um shopping center virtual. “É um one-stop-shop na internet, onde se encontra de tudo em apenas um site”, resume Maurício Trezub, diretor de e-commerce daTotvs, empresa de tecnologia. As maiores varejistas on-line já se tornaram marketplaces ou estão no caminho para assumir essa posição. Mais da metade de tudo que a Amazon (ela de novo) vende em seu site é de parceiros de seu marketplace. Os dois lados ganham. Ou seja, para o lojista, vender em um marketplace significa baixo investimento em marketing, uma vez que utiliza o tráfego e a credibilidade de uma varejista consolidada, além de reduzir gastos com investimentos em uma plataforma própria. Já para as grandes lojas, o marketplace trouxe vantagens como diversificação de produtos, entrada em novos nichos e aumento de receita advinda da cobrança de comissão. Terra, da BTR Varese, lembra que grandes marcas encontraram ainda outras oportunidades. “Elas construíram verdadeiros ecossistemas digitais ao oferecer um pacote de serviços aos lojistas, desde logística, tecnologia, serviços financeiros e de pagamento”, comenta. Casas Bahia, Magazine Luiza, Via Varejo, Dafi ti, Netshoes e Mercado Livre são exemplos. Mas as oportunidades não param por aí. 

**OS NÚMEROS DO CROSS-BORDER –**

**COMPRAS EM SITES INTERNACIONAIS**

• 22,4 milhões de brasileiros fi zeram compras em sites internacionais em 2017, gastando em média US$ 36,8 (cerca de R$ 117,8), totalizando US$ 2,7 bilhões;
• 54% desses brasileiros compraram na AliExpress – a Amazon está em segundo lugar, e EBay em terceiro;
• 74% dos brasileiros indicaram o preço como fator decisivo para comprar em sites fora do Brasil; apenas 18% apontaram que compraram nos sites estrangeiros produtos que não estavam disponíveis nos sites brasileiros;
• As categorias mais compradas em sites internacionais são eletrônicos e moda/ acessórios (ambos com 33% cada), informática (19%) e brinquedos e games (18%);
• O prazo médio de entrega prometido pelas lojas em 2017 foi de 41 dias corridos;
• Com relação ao pagamento de frete, 52% dos consumidores afirmaram terem pago, o maior indicador apresentado desde que a Ebit iniciou a pesquisa (em 2013, 56% dos brasileiros não pagaram frete), o que mostra trabalho mais efetivo da receita federal para recolhimento de imposto de importação.
Fonte: Ebit Webshoppers 2018

Em 2017, 22,4 milhões de brasileiros realizaram compras em sites internacionais e gastaram um total de US$ 2,7 bilhões. São brasileiros que compraram em sites como Aliexpress, da chinesa Alibaba, ou Amazon (de novo), motivados pelo preço mais baixo sem preocupação com prazo de entrega. Marcas brasileiras podem se sentir ameaçadas pela evasão ou, então, aproveitar a ideia. Grendene, Havaianas e Tramontina optaram pela segunda alternativa. 

**VOCÊ ESTÁ PRONTO PARA A ALTA CONVENIÊNCIA DAS LOJAS “UNMANNED”? OS CHINESES ESTÃO!**

Na China, as “unmanned stores”, como são chamadas as lojas “não tripuladas” em inglês, estão na crista da onda dos investidores. São rede de lojas físicas sem funcionários que vendem itens de alta conveniência. A maior delas, a BingoBox, opera 24 horas, possui 300 lojas em 30 cidades chinesas, e já planeja expansão para países vizinhos – num futuro breve quer chegar à Europa, onde a maior parte do varejo encerra as atividades à noite.

Ao visitar uma loja BingoBox, o consumidor usa o celular em três ocasiões: ao entrar, escaneia um código QR de identificação pessoal; para pagar os itens escolhidos usa aplicativos de pagamento digital, como AliPay ou WeChatPay (app do Whatsapp chinês), e para sair da loja, quando novamente mostra seu QR. Uma tecnologia que capta o código RFID garante que todos os itens tenham sido pagos antes de autorizar a saída. Mesmo assim, furtos (muito poucos) podem ocorrer, cerca de dez casos num universo de um milhão de transações.

Tudo é filmado por câmeras de vigilância equipadas com reconhecimento facial, e ao menor sinal de problema um funcionário, que acompanha as imagens em tempo real à distância, pode intervir – ele também pode ser acessado por vídeo pelo consumidor em caso de dúvida. Esse mesmo funcionário, remotamente, administra diversas unidades simultaneamente.

Cada loja da rede oferece entre 400 e 800 itens, dependendo da região. Em áreas residenciais, a oferta de alimentos frescos é maior. A operação é simples. O CEO, Xilin Chen, declarou à imprensa local que cada loja é reabastecida em apenas 40 minutos, e tem um custo operacional de cerca de US$ 600. “Uma loja já apresenta retorno sobre investimento após cinco meses”, afirmou em entrevista.

É um negócio promissor, já que o custo de manutenção é baixíssimo. Não à toa por trás da BingoBox estão investidores de peso do país, que, estima- -se, colocaram US$ 14 milhões na empreitada iniciada em 2016.

Grandes players do e-commerce também estão de olho no formato. A Alibaba abriu sua unmanned, a TaoCafe, uma cafeteria, e sua principal concorrente chinesa, a JD.com, já opera duas lojas de conveniência em formato de teste e planeja abrir cem unidades assim, segundo o jornal inglês The Telegraph.

A verdade é que a China converge características especiais que favorecem o negócio, como alta penetração de smartphones, amadurecimento de meios de pagamentos móveis e densidade populacional. Essa combinação de elementos faz do país um terreno fértil para empreitadas que focam em efi ciência e conveniência.

As três estão, direta ou indiretamente por meio de parceiros, vendendo seus produtos em marketplaces chineses e norte-americanos – mas preferem ainda não abrir números de suas operações cross-border, como se chama essa modalidade de e-commerce. 

Na era do varejo global, não é preciso abrir loja fora do país para iniciar uma operação além fronteira e, assim, outras empresas brasileiras já começam a analisar esse mercado. Segundo Pedro Guasti, diretor de relações institucionais da Ebit, o governo, por meio do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC), discute acordos internacionais com China e Mercosul como forma de incentivar o e-commerce cross-border. “Vejo oportunidades não só para varejo e indústria expandirem seu público consumidor como inclusive para marcas menores, que comercializam produtos tipicamente brasileiros, como alimentos e artesanato, já com alta aceitação nos mercados europeu e norte-americano”, observa Guasti. 

Entretanto, Trezub, da Totvs, lembra que ainda precisamos solucionar desafios intrínsecos da operação de e-commerce como entregas demoradas, falta de estrutura e custo Brasil para competirmos internacionalmente à altura. “Vemos sites chineses cobrando frete menor para entregar no Brasil do que um que entregará um produto em Curitiba saindo de São Paulo. Mas, sem dúvida, as oportunidades são gigantescas”, comenta. Desafios que o mercado norte-americano já superou há muito e cuja vanguarda permitiu a Sally não fazer feio no jantar com o marido.

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