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DonorsChoose: crowdsourcing para contornar a burocracia

Como mostra esta reportagem, a DonorsChoose usa a rede para proporcionar recursos aos professores e direciona seus dados para desmobilizar os entraves da burocracia

Peg Tyre

A reportagem é de Peg Tyre, colaboradora da Fast Company...

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Sempre que tem chance, Charles Best, criador da DonorsChoose.org, lê as cartas com desenhos coloridos enviadas por alunos das escolas públicas a seu escritório, na ilha de Manhattan, em Nova York. As mensagens agradecem o 1,2 milhão de colaboradores que ajudaram a equipar as salas de aula por meio do site de crowdfunding. Há 13 anos, Best recebe agradecimentos pela doação de livros, tesouras e cola (hoje chegam cerca de 500 cartas por dia), mas preferia ler palavras como “obrigado pela impressora 3D”. O empreendedor está convencido de que os professores sabem como melhorar a educação, só não são ouvidos. Por isso, fundou a DonorsChoose em 2000, quando lecionava em uma escola pública do Bronx. A iniciativa já reuniu US$ 225 milhões e ajudou mais de 175 mil professores a implantar cerca de 400 mil projetos, que beneficiaram mais de 10 milhões de alunos. Os modos contidos desse empreendedor de 38 anos ocultam uma ambição ousada: canalizar o poder das multidões (às vezes anárquico) para criar pressão política sustentada e, assim, gerar melhorias sistêmicas, tornando superada a dicotomia vigente. 

**DICOTOMIA: SOLUÇÃO PRIVADA OU PÚBLICA?**

Charles Best vem pisando em campo minado e tem consciência disso. Nos Estados Unidos da última década, a situação da educação piorou bastante: os orçamentos caíram, a população de alunos com dificuldades de aprendizado cresceu e as instituições reclamam cada vez mais da falta de profissionais preparados. Em resposta a isso estão, de um lado, os que defendem reformas de cima para baixo, em geral empresários endinheirados que apostam nas “charter schools” [escolas que recebem recursos públicos, mas têm gestão independente], abominam sindicatos e reivindicam sistemas de avaliação padronizados para reduzir o abismo entre alunos de classe média e pobres. 

Do outro lado, encontram-se as pessoas ligadas ao universo escolar –professores, diretores, centros de formação e líderes de escolas públicas–, que alegam que as reformas de inspiração corporativa ignoram que o abismo resulta da desigualdade econômica e não do fracasso das instituições ou do despreparo dos professores. Nos últimos dez anos, o primeiro grupo dominou a agenda, mas os profissionais da educação vêm ganhando força ao apontar aspectos nos quais as reformas corporativas falham –e comprometem ainda mais a educação pública. 

O que leva Best a achar que a DonorsChoose pode fazer a ponte entre essas duas facções e propor uma mudança real? “Não promovemos nem condenamos nenhuma das duas propostas. Queremos criar uma plataforma que deixe clara a experiência da sala de aula.” A ideia é tão simples que parece extremista: ouvir o que os professores têm a dizer. Em geral, as experiências de empreendedorismo começam com a consciência de que o status quo deixa a desejar. 

Para Best, isso aconteceu em uma manhã de janeiro de 2000, quando o professor de história então com 25 anos tirava cópias do clássico Little House on the Pairie [que deu origem à série de TV Os Pioneiros] para seus alunos. Criado em Manhattan, Best estudou na seleta escola St. Paul antes de se formar em Yale. Dar aulas em bairro pobre o pôs em contato com a escassez de recursos comum na vida dos alunos das classes baixas. “Eu convivia com meus colegas na sala dos professores e via como tinham ideias para ajudar os alunos a aprender, mas faltavam-lhes recursos.” 

**INÍCIO ÁRDUO**

Best criou a DonorsChoose aplicando o então recente conceito de crowdfunding. O primeiro site era básico –ele mesmo rascunhou cada página e contratou um programador por US$ 2,2 mil. Sem saber se daria certo, em segredo bancou os primeiros dez projetos. Durante o dia dava aulas de história e, na hora do almoço, telefonava para jornalistas e fundações. “Falava com todo mundo que podia ajudar. As pessoas me evitavam, mas sou persistente.” 

Fora dos muros da escola, porém, a DonorsChoose atraiu investidores interessados em educação e com conhecimentos tecnológicos. A notícia se espalhou e Best começou a correr atrás de fundos. “Era constrangedor pedir US$ 5 milhões e ouvir um não, mas aprendi a fazer isso.” O suave empreendedor, que fala com gratidão sobre a mudança em sua vida exercida por um professor no ensino médio, revelou-se uma fera: em 2003, arrecadou US$ 1,1 milhão. 

No mesmo ano, depois que Oprah Winfrey citou a DonorsChoose, o site atraiu tantos visitantes que o sistema entrou em colapso. No ano seguinte, Best e sua equipe arrecadaram US$ 2,4 milhões. Em 2006, a cifra chegava aos US$ 6 milhões e Best abandonou a sala de aula para se dedicar ao site. Em 2007, o fundador da Craigslist, Craig Newmark, que Best considerava um possível apoiador, apareceu no programa Colbert Report e elogiou a DonorsChoose, que a partir dali foi recomendada pelo comediante Stephen Colbert. 

No mesmo ano, a iniciativa juntou US$ 14 milhões, doados por um time de ouro que incluía o fundador do eBay, Pierre Omidyar, e um dos criadores do Yahoo!, David Filo. “Best apresentou um modelo sedutor”, confessa Fred Wilson, da Union Square Ventures, que começou como apoiador e hoje faz parte do board. “Esses são nossos custos e o que podemos concretizar; as duas linhas se encontram aqui.” 

**AUTOSSUSTENTABILIDADE**

A DonorsChoose passou a pedir de cada microdoador um extra de 15% para cobrir as despesas de operação e overhead. Assim, quando as doações do primeiro time deixassem de entrar, não seria mais necessário depender da filantropia para manter as operações. Best, que não era muito amigo da matemática, aprendeu a conviver com os números. Sem consultar nada, sabe dizer o estado com mais projetos (a Califórnia), os projetos preferidos pelos apoiadores (qualquer um que mencione Shakespeare) e a faixa de custo mais viável (até US$ 400). No site, todas as pesquisas feitas pelos doadores –localização da escola, estrutura do projeto, faixa etária dos alunos– ficam armazenadas. Quando o visitante volta lá, os algoritmos apresentam opções condizentes com a busca anterior. 

Seis anos depois de começar, Best teve uma experiência que mudou sua maneira de encarar o trabalho. Em 2006, uma professora de Chicago pediu dicionários e a diretora, furiosa com a divulgação da deficiência da escola, ameaçou demiti-la. Best interviu e a demissão não ocorreu. “Foi aí que vi que a DonorsChoose tinha a chance de identificar as falhas do sistema”, afirma. Best começou a procurar caminhos para driblar a burocracia e ajudar diretamente os professores. Este ano, o site pretende apresentar um piloto que permita que os empreendedores banquem novos mecanismos diretamente com os educadores. O Google foi o primeiro a aderir e ofereceu o equivalente a US$ 1 milhão de Chromebooks [laptops que funcionam com o sistema da empresa] por US$ 100 a unidade em crowdfunds. Paul Allen, um dos fundadores da Microsoft, ajudou a disponibilizar robôs submarinos de baixo custo para professores de ciências e Bre Pettis, fundador do MakerBot, destinou 5 mil impressoras 3D para escolas públicas. Proporcionar às empresas a oportunidade de intervir no mercado de educação norte-americano, estimado em US$ 597 bilhões, é algo poderoso –e as empresas se sentem atraídas pela eficiência que veem. Em 2011, por exemplo, a Starbucks acrescentou em sua página de abertura um acesso que permite que os usuários de seu Wi-Fi doem livros para um jardim de infância mediante o acréscimo de US$ 5,45 no total da conta. 

> **O Brasil podia aproveitar a ideia**
>
> Tive o privilégio de trabalhar em um projeto que envolveu mais de 100 escolas públicas em todo o Brasil na construção de uma plataforma chamada Reciclar é Show, pela qual alunos e professores recebiam monitores especializados em música –no site, era possível fazer download de todo o material didático para ser ministrado em aulas de educação musical e construção de instrumentos musicais com resíduos selecionados na própria escola participante. Achávamos que contribuiríamos para essas escolas, mas fomos nós que recebemos contribuições riquíssimas de como melhorar o projeto com base em suas reais necessidades. E o mais interessante é que essas 100 escolas agiram como uma rede; começaram a postar no site do projeto as oficinas musicais que desenvolviam, sugerindo melhorias e dando dicas umas às outras sobre como criar seus instrumentos, salas de música, entre outras atividades do programa. Esse é um exemplo de que as escolas no Brasil estão carentes de melhorias imediatas, e plataformas como a DonorsChoose.org tendem a funcionar muito se respeitadas as características peculiares que existem em países como o nosso. No entanto, algumas perguntas surgem para que projetos como esse tenham sucesso no Brasil: será que os governos federal, estaduais e municipais apoiariam projetos que mostram as reais necessidades das escolas no País? Como os doadores teriam a certeza de que o dinheiro doado seria recebido e bem utilizado na execução do plano proposto? Os professores das redes públicas poriam seus projetos sem medo de sofrer alguma punição por seus superiores? Em paralelo ao sistema tradicional da economia, projetos de crowdfunding estão surgindo e crescendo no Brasil a cada dia, embora ainda não passem dos R$ 10 milhões, conforme estimativas. O poder público poderia apoiar essa ferramenta para melhorar os serviços prestados para a sociedade. Mas isso requer uma real abertura à democracia, o que pressupõe eliminar as barreiras burocráticas derrubadas nos EUA. 
>
> _por Guilherme Brammer, fundador e CEO da WiseWaste, que transforma resíduos em produtos sustentáveis, e idealizou o DescolaAí, portal de consumo colaborativo._

**NOVOS HORIZONTES**

Durante décadas, autoridades da educação e sindicatos dos docentes se digladiam sobre o pagamento de bônus para professores considerados excepcionais e medidas para tornar o currículo mais rigoroso, mas a DonorsChoose conseguiu contornar essa disputa. Best uniu-se ao College Board [associação sem fins lucrativos formada por mais de 5,7 mil escolas, universidades e outras organizações], que há tempos defende o reforço da ciência, tecnologia e matemática no currículo escolar norte-americano, e já saiu agindo. 

Mostraram-lhe um mapa dos 300 mil alunos de baixa renda que, de acordo com os testes de avaliação, se beneficiariam do acesso a cursos do sistema AP Stem. Um mês depois, comunicou a doação de US$ 5 milhões do Google para bancar esse reforço. Então, com a ajuda de uma das principais associações sindicais de docentes dos EUA, a DonorsChoose propôs aos professores de cerca de 900 escolas a doação de US$ 1,2 mil a US$ 9 mil em “dólares DonorsChoose”, cambiáveis por recursos ou projetos escolares, para quem incorporasse suas aulas ao AP Stem. A cada aluno aprovado no exame final, o professor ainda ganharia US$ 100. Jamie Gant, professor de computação em Doral, na Flórida, lembra quando, com os US$ 1,2 mil que recebeu, conseguiu um laptop para sua sala. Tudo isso, sem briga com sindicato.

**DIVERGÊNCIAS**

Jeffrey Henig, professor de ciências políticas e de educação no Teachers College, da Columbia University, alerta que a tomada de decisões coletiva é parte importante do sistema escolar público, mas alerta para o risco de enfraquecimento das instituições. Best discorda e sustenta que a iniciativa “confia nas escolhas dos professores e na sabedoria das pessoas”. E Best também acredita nos dados. No ano passado, os pedidos dos professores chegaram a 140 mil, número que está prestes a virar munição. Com o apoio financeiro do fundador do LinkedIn, Reid Hoffman, e do CEO da empresa, Jeff Weiner, Best contatou um especialista para lançar uma estratégia que talvez provoque ainda mais barulho: todo professor que deixar um post na DonorsChooose.org também fará um breve relato sobre as condições dos recursos em sua sala. Com isso, vai-se jogar luz sobre aspectos essenciais, porém pouco abordados: quanto do dinheiro do contribuinte destinado à educação pública de fato beneficia os alunos? Outra novidade são os infográficos para comparar, por exemplo, o gasto por aluno em determinada área com as demandas básicas de material dos professores da região. “Se um local exibe um gasto relativamente alto por aluno e há muitos pedidos, significa que o dinheiro não está chegando aonde deveria.”

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